BRANDÃO FERREIRA

“Atolados há mais de um século no mais funesto dos ilogismos políticos, esquecemo-nos de que a unidade nacional, a harmonia, a paz, a felicidade e a força de um povo não tem por base senão o rigoroso e exacto cumprimento colectivo dos deveres do cidadão perante a inviabilidade sagrada da família, que é a célula da sociedade; perante o culto da religião, que é a alma ancestral da comunidade e permite o culto da bandeira, que é o símbolo da honra e da integridade da Pátria.

Quebrámos estouvadamente o fio da nossa História, principiando por substituir o interesse da Pátria pelo interesse do partido, depois o interesse do partido pelo interesse do grupo, e por fim o interesse do grupo pelo interesse individual de cada um”.

Ramalho Ortigão

Comemorou-se, mais uma vez, a implantação da República, com a presença do actual Presidente da mesma. É um feriado de má memória.

As revoluções, como tudo na vida, valem ou devem ser avaliadas e julgadas pelos seus resultados, no que deram origem a coisas positivas para a vida em sociedade e o prestígio e a dignidade da Nação.

Ora não consta que do 5 de Outubro de 1910, salvo uma ou outra medida pontual, tenha resultado algo de positivo.

Antes pelo contrário, deu origem a um descalabro político, social, económico, financeiro e moral, catastrófico, que desqualificou o País e demorou 16 anos a parar e muitos outros a inverter.

Foi, por isso, uma data das mais funestas de toda a História de Portugal.

Quando o Governo do jovial Passos Coelho cometeu a inabilidade de querer mexer nos feriados, poderia ter feito uma boa acção mudando a razão deste – essa sim relevante – para a comemoração do Tratado de Zamora, assinado no mesmo dia, mas em 1143.

Assim não se fez e, por isso, o 5 de Outubro devia ser um feriado de profundo silêncio e meditação.

A Monarquia estava, sem embargo, ferida de morte, desde a revolução – maçónica e jacobina – que implantou o Liberalismo em Portugal, em 1820.

Esta revolução estilhaçou a coesão nacional, transformou o monarca e a família real em figuras pouco mais do que decorativas e lançou as sementes da guerra civil. E “ela” veio e durou (e devorou-nos), por cerca de 30 anos (de facto, até 1933…).

Quando um dos nossos melhores reis, o esclarecido Rei D. Carlos I, quis assumir o que lhe competia, face à bandalheira em que o País voltara a cair, logo o assassinaram vilmente. Estava-se a 1 de Fevereiro de 1908.

Dali ao 5 de Outubro (de 1910) foi um pulo recheado de ignomínias.

É certo que foram o comportamento cobarde e pouco esclarecido, quando não traidor, de muitas figuras monárquicas, e a acção desprezível, corrupta e inepta dos partidos políticos monárquicos, os principais culpados do avanço dos republicanos – que, note-se, gozavam das maiores liberdades para a sua acção política e social – bem como a falta de coragem na repressão das sucessivas ilegalidades que foram cometendo. Costuma apontar-se a figura de José de Alpoim, como a encarnação da traição dos monárquicos. Mas está longe de ser o único.

De tal modo assim foi, que um arguto jornalista, Eduardo Schwalbach, telegrafou para a ‘Gazeta de Notícias’, do Rio de Janeiro, no dia 6/10, noticiando que “ao cabo de longos e porfiados esforços, os monárquicos acabam de implantar a República em Portugal”. Queria ele dizer, em Lisboa, já que para o resto do País a mesma entrou em vigor por telégrafo…

De facto, foi uma organização subversiva, revolucionária e secreta, importada, que dava pelo nome de Carbonária, que teve a despesa da acção.

Criou células, infiltrou quartéis, sobretudo na Armada, e eram exímios na utilização de “bombas”.

Mesmo assim, quase tudo falhou, salvando-se 500 civis, poucos sargentos e um guarda-marinha – que montou a cavalo pela primeira vez nesse dia – de seu nome Machado Santos, e meia dúzia de peças de artilharia, que se entrincheiraram na Rotunda. E dois cruzadores amotinados no Tejo.

A Marinha e o Exército, basicamente, deixaram cair a Monarquia (que tinham jurado defender), e as forças fiéis que restavam renderam-se sem que nada o justificasse, a não ser o desnorte e a desmoralização reinante.

O regime estava podre e não encontrou forças para se regenerar. Foi por isso que o “Estado Novo” substituiu um e outro.

Os Republicanos podiam ter aproveitado a oportunidade que tiveram, quase de bandeja, e o País apalermado, que lhe ficou aos pés, mas desbarataram tudo numa sucessão inacreditável de erros e enormidades que todos os adjectivos depreciativos existentes não chegam para qualificar.

Facto a que não era estranha a iniquidade ideológica que os orientou, caracterizada por ser uma transposição serôdia de 100 anos, do pior que a Revolução Francesa pariu; misturada com os erros da Maçonaria, o fanatismo dos Carbonários, o anticlericalismo militante, misturados com as mais extravagantes loucuras que o género humano é capaz de conceber.

Uma espécie do mesmo que aconteceu após o 25 de Abril de 1974 (e parado, apenas parcialmente, a 25/11/75), mas num estádio assaz mais primitivo.

Fez “bem” o actual Presidente da dita, em escolher este dia para condecorar o cidadão Manuel Alegre, lídimo representante do chamado “Grupo de Argel” (ala esquerda do PS), que se mancomunaram (infelizmente não foram os únicos) com os agora excelsos movimentos de libertação – antigamente conhecidos por “turras” – que combatiam as Forças Armadas Portuguesas, onde o celebrado poeta também assentou praça.

A coisa coaduna-se.

Só falta a esta moral e ideologicamente pestilenta III República, herdeira quase directa da primeira – bastarda, algo iberista e devorista, fundada num crime de regicídio e nunca devidamente referendada – condecorar o Costa e o Buíça, assassinos do Rei e do Príncipe herdeiro (mais os 16 que estavam emboscados no Terreiro do Paço e em mais dois locais, e muitos outros dirigentes republicanos moralmente responsáveis, que se encontravam convenientemente “a banhos” em S. Paulo ou desenfiados das vistas do “Inimigo”, quando rebentou a revolução).

Tenhamos esperança, talvez para o ano a coisa se componha.