Bagunça nas reformas antecipadas

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EVA CABRAL

O ministro Vieira da Silva levou à concertação social um plano de reforma das pensões antecipadas que parece uma anedota capaz de ombrear com a clássica das tabernas portuguesas: “só fiamos a maiores de oitenta anos quando acompanhados pelo pai”…

A proposta do Governo da geringonça admite que a chamada “plena protecção”, ou seja, a ausência total de penalização nas reformas, só beneficiará quem tenha 60 anos e mais de 48 anos de descontos e queira antecipar a sua reforma antes do actual limite legal, ou seja os 66 anos e 3 meses.

Brilhante. Para o cidadão contribuinte poder candidatar-se a esta benesse, terá de ter começado a trabalhar aos 12 anos, o que infelizmente era prática até aos anos setenta do século passado. Mas a esperteza saloia do Executivo PS é de ignorar a realidade de que essas pessoas trabalhavam mas sem descontos para a Segurança Social na esmagadora maioria dos casos.

Esta proposta – hilariante se não fosse mais uma burla política que goza com os mais desfavorecidos – teve a contestação dos parceiros de extrema-esquerda que apoiam o PS de Costa.

“Está tudo em aberto”, diz José Soeiro, do Bloco de Esquerda. “É um ponto de partida”, acrescenta João Oliveira, líder da bancada parlamentar do PCP. Os parceiros de esquerda do Governo falam da proposta de revisão do sistema de pensões, agora apresentada pelo ministro Vieira da Silva aos parceiros sociais, como apenas uma base de trabalho. E acreditam que “há margem de manobra” para mudar as intenções do Executivo. Ou seja, vão querer ir muito mais além na protecção das carreiras contributivas mais longas na hora de aceder à reforma.

O que defendem PCP e BE

O PCP e o BE defendem o princípio segundo o qual quem trabalhou durante 40 anos e atinge a idade de 60, tem direito a reformar-se sem penalizações. Ambos os partidos acrescentam que é “essencial proteger aquela geração que começou a trabalhar aos 14 anos, ou mesmo antes, e que foi penalizada na infância” por uma entrada precoce no mercado laboral, diz José Soeiro.

O líder parlamentar comunista João Oliveira defende a mesma medida e acredita que há “perspectivas de, nas próximas semanas, haver possibilidade e margem de manobra para avançar nas negociações com o Governo”. Mas em situação de crise das finanças públicas, não se antevê grande margem para o governo acolher a proposta do PCP e do BE.

A proposta do ministro Vieira da Silva altera o actual modelo de reforma antecipada, tendo por base a ideia de proteger as carreiras mais longas e acabar com a excessiva penalização dos reformados que trabalharam mais anos. No entanto, como já se disse, só estabelece a ausência total de penalização para quem tenha 60 anos e mais de 48 anos de descontos e queira antecipar a sua reforma antes do actual limite legal, ou seja, os 66 anos e 3 meses.

Ao contrário do que se poderia esperar – e defendem os parceiros parlamentares de esquerda do Governo socialista – a nova proposta não altera o actual regime, nem quanto à idade mínima para antecipação de reforma (os 60 anos, quando já se fixou nos 55), nem quanto ao mínimo de 40 anos de descontos para a Segurança Social.

Comunistas e bloquistas defendem que uma carreira contributiva já é longa quando atinge os 40 anos de descontos, independentemente da idade do candidato a pensionista.

Outra das regras que se mantém na nova proposta diz respeito à forma de fixação da idade normal de acesso à pensão, que continua a ser calculada em função da evolução da esperança média de vida, ou seja, aumenta progressivamente a cada ano que passa.

De acordo com o projecto discutido na Concertação Social, o novo modelo fixa diferentes níveis de longevidade nas carreiras contributivas. Os trabalhadores com 41 ou mais anos de descontos são o primeiro patamar, seguidos dos que têm entre 45 e 47 anos de descontos para a Segurança Social e, finalmente, as chamadas carreiras muito longas, as tais equivalentes a mais de 48 de contribuições e que ficam livres de quaisquer penalizações.

Já ao primeiro nível de candidatos a uma antecipação da reforma, o Governo garante que deixa de ser aplicada a penalização do factor de sustentabilidade (13% em 2015) e admite um ajustamento no factor de penalização mensal, que actualmente corresponde a 0,5% por cada mês de antecipação da idade legal de reforma. O Governo não esclarece, por enquanto, a quanto corresponderá esse ‘ajustamento’.

Já o segundo patamar de candidatos a reformas antecipadas conta um menor factor de penalização mensal por antecipação cujo valor, mais uma vez, não é explicitado. O Governo assume que quer trazer justiça no acesso à pensão à geração que começou a trabalhar antes dos 16 anos (com registo de remunerações para a Segurança Social) e que por isso iniciou muito cedo a sua relação com o mercado do trabalho.

Para dar benefícios a quem estende a sua carreira contributiva, o Governo poderá eliminar o limite do valor da reforma (92% da remuneração de referência) ou calcular um novo.

Carreiras longas

Uma questão que se coloca sempre que se fala de pensões – por contraponto às penalizações – passa por beneficiar quem estende a carreira contributiva para lá das datas estabelecidas.

Vieira da Silva, ministro do Trabalho e da Segurança Social (citado pelo jornal ‘Público’) anunciou na Concertação Social que também esta situação irá mudar. No final da reunião com os parceiros sociais, o ministro revelou que “se a pessoa quiser continuar a trabalhar depois de atingir a sua idade da reforma terá uma pensão bonificada. A sua pensão vai crescer acima do valor estatutário”. Não adiantando mais pormenores, Vieira da Silva apenas referiu que a medida “terá um impacto muito grande nas pessoas com longas carreiras contributivas”.

O cálculo da reforma depende de um conjunto de variáveis e tem um travão que não permite que o seu valor possa ultrapassar 92% da remuneração de referência – o salário mais alto que uma pessoa tenha recebido durante a sua vida. Na prática, este travão faz com que a partir de determinado montante, e mesmo que a pessoa continue a trabalhar, a pensão fique congelada num determinado valor.

Para dar benefícios a quem estende a sua carreira contributiva, o Governo poderá eliminar este limite ou calcular um novo.

Nas últimas semanas, o Governo tem vindo a preparar e discutir um novo regime das reformas antecipadas. Algumas das medidas já conhecidas: o Executivo de António Costa vai acabar a com a penalização decorrente do factor de sustentabilidade para todos os que se reformem mais cedo e isenta de qualquer penalização os trabalhadores que tenham pelo menos 60 anos e 48 ou mais anos de descontos.