O escândalo “Swissleaks” veio desvendar um vasto sistema de trafulhice fiscal que, beneficiando os ricos, acaba por sonegar o rendimento dos impostos aos países mais pobres. São nossos aliados e parceiros, mas não podemos confiar neles nem por um momento…

Os valores brutos são impressionantes: pelo menos 18 triliões de euros, talvez mais, estão escondidos em paraísos fiscais, garante a “Rede para a Justiça Fiscal”, uma organização internacional que luta contra a desigualdade na taxação. Este valor é o equivalente à plenitude das economias dos EUA e do Japão.

Estima-se que os governos mundiais percam algo como 200 mil milhões de euros em receitas de impostos todos os anos graças à permissividade dos “paraísos fiscais. O equivalente a toda a economia portuguesa.

O recente escândalo “Swissleaks”, espoletado quando um antigo funcionário do HSBC revelou os nomes de alguns dos clientes de peso do departamento suíço desse banco, é apenas uma pequena amostra de um problema que ganhou proporções gigantescas desde a liberalização dos fluxos monetários.

O banco em questão, HSBC-Hong Kong and Shanghai Banking Corporation (Corporação Bancária de Hong Kong e Changai), tem uma história colorida, que começa, para todos os efeitos, com o tráfico de droga: foi criado em 1865, na recém-adquirida colónia britânica de Hong Kong, para financiar, entre várias outras operações, o tráfico de ópio indiano para a China.

Com o passar das décadas, tornou-se um enorme conglomerado com receitas de 68 mil milhões por ano. Foi este banco que, alegadamente, operou uma enorme rede de evasão fiscal envolvendo 180 mil milhões de euros entre 2006 e 2007.

Este último escândalo implicando o HSBC surge no rescaldo do “Luxleaks”, outra fuga de informação, desta vez sobre outro paraíso fiscal, o Luxemburgo, cujo antigo primeiro-ministro é hoje o líder da União Europeia.

Esta onda de revelações expõe uma estrutura mundial de tráfico de dinheiro que mostra como alguns países criaram condições perfeitas para que uma classe social de “ultra-ricos” possa fugir aos impostos, saltando de nação em nação e de jurisdição em jurisdição.

Socialistas e capitalistas: vale tudo

Sacodedinheiro_PBO nosso País não escapa. Segundo os documentos agora revelados, havia mil milhões de euros escondidos das autoridades portuguesas na sucursal suíça do banco HSBC.

Compreendendo que estamos a falar de apenas um banco, e de uma situação descoberta com vários anos de atraso, não sabemos ao certo, e muito dificilmente descobriremos, quanto dinheiro português camuflado existe ao certo na Suíça.

Dos 611 clientes que até agora foram descobertos, sabemos que a vasta maioria tinha, individualmente, até oito milhões de euros guardados na Confederação Helvética. Mas pelo menos dois clientes portugueses mantinham contas com mais 120 milhões de euros.

Alegadamente, Carlos Santos Silva, o “mon ami” de José Sócrates, também tinha dinheiro num banco suíço, cerca de 23 milhões de euros, dos quais só declarou quatro. Ainda está por se determinar se este dinheiro pertencerá verdadeiramente a José Sócrates ou não, algo que as Finanças e a Justiça estão a investigar.

A França e o Reino Unido são alguns dos Estados mais lesados pelo esquema de fuga de capitais ao fisco. Mas um lugar de “honra” é ocupado pelo Brasil, onde recentes escândalos de corrupção política já ameaçam o governo da esquerdista Dilma Rousseff. Estima-se que 10 por cento dos brasileiros são donos de 44 por cento de todos os rendimentos da economia daquele país.

Curiosamente, quando se analisa as quantias de dinheiro depositado individualmente, os lugares no pódio mudam. Pelos vistos são poucos, mas muito ricos, alguns dos cidadãos do “paraíso socialista bolivariano” da Venezuela, que supera os Estados Unidos da América em termos de dinheiro guardado na Suíça. Um cliente venezuelano (não se sabe ainda se se trata de uma organização ou de um indivíduo) teve, ou tem, 10 mil milhões de euros na sucursal suíça do HSBC.

Um dos depositantes individuais venezuelanos, contudo, já está identificado: trata-se de Alejandro Andrade, que começou por ser o guarda-costas do (entretanto falecido) presidente Hugo Chávez e serviu depois como Tesoureiro Nacional da Venezuela entre 2007 e 2010.

Andrade teve 600 milhões de euros em seu nome, e hoje vive uma reforma dourada num bairro de luxo em Palm Beach, na Flórida, no centro do “inimigo yankee” que Chávez tanto detestava.

No “paraíso socialista”, pelos vistos, alguns são mesmo mais iguais do que outros.

A origem de uma boa parte deste dinheiro é quase impossível de detectar, uma vez que já beneficiou de “lavagens” anteriores em outros paraísos fiscais. No caso da sucursal do HSBC, seis mil milhões vieram das Bahamas, dois mil milhões do Luxemburgo, três mil milhões das Ilhas Caimão e 4,6 mil milhões da Holanda.

Infelizmente, no actual sistema financeiro mundial, é extremamente fácil para uma empresa fugir de jurisdição para jurisdição, e há quem lhes facilite a vida, mesmo em detrimento dos seus “parceiros europeus”.

De país em país

O escândalo “Swissleaks” permitiu às autoridades fiscais de todo o mundo perceberem melhor como funciona o apertado sistema de silêncio e secretismo que os bancos suíços operam para proteger os seus clientes. Caso um cliente queira, a conta pode ficar registada num nome de código, como por exemplo “007”, ou pode ficar registada em nome de uma empresa de fachada.

Outro serviço prestado é a possibilidade de todas as comunicações com o banco poderem ser feitas por via de terceiros, isolando assim o cliente da conta. Como muitas vezes é quase impossível associar um cliente a uma conta, torna-se difícil para as autoridades taxarem estas figuras.

Segundo os dados revelados pelo “Swissleaks”, apenas 36 por cento das contas abertas por indivíduos portugueses estavam registadas em nome do próprio cliente. Mais de metade eram contas “secretas” (de que apenas se sabe o numero de código do depositante) e nove por cento eram contas cujo depositante era uma empresa sediada noutro ‘offshore’.

Para evitarem serem apanhados, muitos utentes dos serviços bancários suíços costumam fazer levantamentos em dinheiro directamente do banco, tanto em pessoa como através de terceiros. As trocas são feitas, preferencialmente, em dinheiro vivo, pois um rasto digital pode alertar as autoridades para irregularidades.

O Ministério Público apresentou recentemente a teoria, baseada nas escutas efectuadas, de que José Sócrates usaria este sistema, pedindo “fotocópias” a Carlos Santos Silva, que era linguagem de código para “dinheiro”. Segundo o Ministério Público, a entrega posterior do dinheiro era feita em mão e de forma discreta.

Mas a Suíça não é o único país cujas políticas criativas facilitam o tráfego desregulado de dinheiro. E, graças à permissividade do actual sistema económico mundial, é mais fácil do que nunca para uma empresa mudar de “nacionalidade” quando quer e para onde quer.

Mudar a jurisdição das empresas é relativamente fácil, e absolutamente legal. Imaginemos que uma fictícia “Indústrias Diabólicas S.A.” quer passar a ter a sua sede fiscal na Holanda.

Graças às flexíveis regulações europeias, tudo o que teria de fazer seria criar a “Indústrias Diabólicas B.V.” em Amesterdão, e depois vender a “Indústrias Diabólicas S.A.” a essa empresa “holandesa”. A empresa portuguesa passaria a ser uma subsidiária, e todos os seus lucros seriam transferidos para a Holanda. Com este “esquema”, quem fica sempre a perder é o erário público: 19 das 20 empresas cotadas no PSI-20 nacional estão hoje sediadas na Holanda…

Pergunta: por que razão essas empresas portuguesas estão sediadas na Holanda, em vez de na Suíça? Resposta: porque, para além de a Holanda garantir um serviço de sigilo bancário parecido com o helvético, também dá aos seus “investidores” a possibilidade de saírem e voltarem a entrar na UE quando lhes apetece.

Ilhas fiscais

PortadocofreAlguns países da Europa passam metade do seu tempo a propagandear as maravilhas da União Europeia e a outra metade a tentar fugir-lhe.

A Holanda é um país-chave do projecto europeu, mas é também um dos que mais contribuem para a sua inviabilidade.

De forma a escapar às regulações comunitárias, desenhadas para evitar casos de concorrência fiscal (situação em que os Estados baixam sucessivamente os impostos para atrair dinheiro em detrimentos dos outros), os holandeses inventaram um “esquema” interessante usando os resquícios do seu outrora vasto império colonial.

Tecnicamente, o que conhecemos como Holanda é apenas um Estado dentro de uma Federação cujo nome é “Reino da Holanda” e incorpora também as ilhas de Aruba, Curaçao e São Martinho.

O “esquema” é que a Holanda pertence à União Europeia, mas o “Reino da Holanda” não. Contudo, como fazem parte de uma Federação, todas os habitantes destas ilhas podem viajar livremente para a Europa, e vice-versa. O que realmente importa é que o dinheiro que reside na Holanda pode também viajar para estas ilhas sem qualquer problema ou regulação.

Os britânicos operam um sistema semelhante. É pouco conhecido, mas as ilhas do Canal da Mancha, Jersey e Guernsey, e a Ilha de Man, não fazem parte do Reino Unido, e, por arrasto, da União Europeia. Para todos os efeitos legais, são dependências feudais da Rainha Elizabeth II, que as governa como “Senhora de Man” e “Duquesa da Normandia”.

Esta curiosidade histórica tem aplicações práticas bem lucrativas, pois apesar de não pertencerem à UE, nem terem de obedecer aos tratados e regulações da União, estas ilhas beneficiam de todas as vantagens da UE, inclusive fronteiras abertas e o acesso ao mercado comum. A sua independência legislativa significa que praticamente não existe regulação do sistema bancário, e os impostos sobre capital são muito baixos.

O resultado é uma economia muito forte, dependente do dinheiro dos outros: 60 por cento da economia de Jersey, por exemplo, corresponde à actividade do sector financeiro, e os seus habitantes são o sexto povo mais afluente per capita do planeta.

As Bermudas são uma cópia tropical de Jersey e da Ilha de Man, e até votaram contra a independência apenas para se manterem dentro do Espaço Schengen. O mesmo acontece com as Ilhas Virgens Britânicas e com as Ilhas Caimão. Os impérios coloniais não estão mortos, apenas estão mais pequenos e lucrativos.

Bloqueio europeu

O que se faz ao primeiro-ministro de um país que promove a fuga aos impostos e sonega dinheiro aos aliados? A União Europeia fez dele o seu líder.

Durante o consulado de Jean Claude Juncker, o Luxemburgo assinou centenas de contratos com grandes multinacionais para que pudessem fugir aos impostos noutros países. Segundo os documentos revelados pelo escândalo “Luxleaks”, estas empresas pagavam menos de um por cento sobre os seus lucros.

Assim, é fácil para um país com apenas meio milhão de habitantes viver muito acima da média europeia. E, no entanto, os luxemburgueses foram dos maiores defensores do fim do offshore da Madeira. Portugal, o “bom aluno” da Europa, cumpriu.

Desde o início do euro que a Alemanha tem feito força para a criação de uma uniformização fiscal, ou seja, para que todos os países da União cobrem taxas iguais. O objectivo desta proposta germânica era evitar o actual caos instalado – e vários especialistas consideram mesmo que o euro não conseguirá sobreviver sem esta uniformização.

E, no entanto, esta é uma das poucas políticas que o gigante teutónico não conseguiu ainda implementar na Europa. A razão é que a Alemanha nunca forçou verdadeiramente nada na Europa sem o consentimento de alguns países-chave, alguns dos quais pequenos mas que “batem” acima do seu tamanho.

Países que aprovaram o austero memorando apresentado a Portugal em 2011 sem qualquer problema e, posteriormente, deixaram a Alemanha ficar como o único mau da fita. Esses mesmos países bloqueiam qualquer possibilidade de se lhes estragar o esquema.

Em alguns dos casos, a burocracia e a falta de liderança europeias chegam ao limite do ridículo, visto que um dos principais bloqueadores é o Reino Unido, que não pertence à Zona Euro e não se decide se prefere ficar ou ir embora da UE. Outro dos bloqueadores é a Suíça, que não pertence sequer à União, embora tenha, por razões algo inexplicáveis, acesso a quase todos os benefícios de lhe pertencer.

E depois há o Luxemburgo, que tem a mesma população da cidade de Lisboa, mas um poder enorme, em muito devido ao “esquema” com o qual a Alemanha quer acabar.

Não se pode, mesmo, “tirar o olho do burro” – ou ele desaparece para uma “offshore” sem darmos por isso…