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Quando as nossas empresas públicas contraíram empréstimos junto do banco espanhol Santander, nunca pensaram que poderiam vir a ter de pagar juros da ordem dos 100% – mas é isso mesmo que aconteceu. Esta é a história de um erro crasso da “era Sócrates” que nos vai custar a todos 1,8 mil milhões de euros.

O caso remonta a 2007, quando José Sócrates governava à tripa-forra e os “swaps” ainda se encontravam no auge da sua popularidade. Esta aplicação financeira prometia resguardar os financiamentos da variação da taxa de juro, e um conjunto de empresas públicas assinaram contratos deste tipo com vários bancos.

Como hoje sabemos, os “swaps” apenas funcionavam a nosso favor dentro de um conjunto de variáveis estáveis, que desapareceram assim que se instalou a crise internacional em 2008. Em 2013, já com novo Governo, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, deu ordens para que fossem anulados 69 destes contratos, visto que estavam a deixar várias empresas públicas à beira da falência. Em troca de um pagamento compensatório de mil milhões a vários bancos, esses contratos “swaps” deixaram de pesar nas contas do sector empresarial do Estado. Por caro que nos tivesse custado o cancelamento, ainda assim valeu a pena: o valor dos famigerados “swaps” era três vezes superior à compensação que Portugal aceitou pagar.

Bomba
Os “Swaps” do Santander são uma bomba financeira prestes a rebentar…

No entanto, um dos bancos não aceitou este acordo: o Santander Totta, o único entre outros grupos financeiros de renome como, por exemplo, o famoso Goldman Sachs. Como forma de tentar fazer valer os seus direitos, o banco espanhol fez o Estado português responder perante um tribunal londrino competente para julgar o pleito – e a iminência da sentença paira sobre Portugal como uma espada de Dâmocles.

Os espanhóis alegam que o Estado Português deve cumprir o contrato assinado, o Estado dizia que não, pois alegou que os responsáveis pela contratação dos empréstimos não tinham conhecimentos para avaliar o que estavam a aprovar, nem sequer estavam autorizados a fazê-lo. Em causa estão 1,5 mil milhões de Euros mais 300 milhões de euros em juros, que vão ser pagos pelos contribuintes, visto que o Estado é por inerência o “fiador” de todos os empréstimos contraídos por empresas públicas.

[td_text_with_title custom_title=”O que são os “swaps”?”]

have no money

Os “swaps” são contratos que servem, teoricamente, para proteger os financiamentos da variação da taxa de juro. Em Portugal, tanto as empresas públicas como centenas de empresas privadas recorreram a este produto financeiro para se protegerem de uma hipotética subida descontrolada da taxa Euribor. Em inglês, o termo “swap” significa literalmente “troca”, pois estes instrumentos permitem substituir uma taxa variável por uma taxa fixa.

Quando os juros estão altos, situação existente antes da crise económica mundial, as empresas podem sair a ganhar com estes produtos. Mas num cenário de juros baixos, como o actual, as empresas podem perder, pois acabaram por negociar uma taxa de juro acima do que se regista na actualidade. Quando os “swaps” incluem cláusulas de juro cumulativo, ou seja, no qual o valor do juro vai aumentando com o passar do tempo, são considerados contratos “snowball”, literalmente “bola de neve”, pois uma bola de neve vai aumentando de tamanho conforme rebola pela montanha abaixo, até que se torna uma avalanche. No caso das nossas empresas, a avalanche pode estar perto de nos cair em cima.

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Casino financeiro

O pior exemplo de “swap”, considerado por um analista financeiro como “candidato ao pior negócio de sempre”, é o do Metro do Porto, que contraiu um empréstimo de 89 milhões junto do banco Santander e poderá agora ter de pagar 500 milhões de euros caso o tribunal inglês dê razão ao grupo espanhol. Como foi possível chegar-se a este patamar? Com uma aposta no escuro, feita com o nosso dinheiro.

Em 2007, o Metro do Porto estava a pagar juros de 4,79 por cento sobre um empréstimo de 89 milhões de euros e, para reduzir a taxa de juro, contraiu um “swap” sobre o mesmo empréstimo, o que lhe reduzia a taxa de juro para 1,76 por cento. Um refinanciamento muito vantajoso, mas com uma condição: apenas se aplicava enquanto a taxa Euribor se mantivesse entre dois e seis por cento. Os responsáveis do Metro do Porto fizeram, portanto, uma aposta em como a Euribor não subiria ou desceria abaixo do valor, o que até parecia uma aposta razoável, visto que a Euribor raramente desceu abaixo dos 2 por cento. No entanto, não deixou de ser uma aposta feita com o nosso dinheiro.

Durante dois anos, o contrato parecia ter resultado, ao reduzir a pressão sobre as contas da empresa. Mas em 2009 o Metro do Porto perdeu finalmente a aposta: a crise financeira levou o BCE a descer a taxa Euribor para perto do zero. O banco activou a cláusula especial do contrato. Mas nem todos leram bem as fórmulas apresentadas pelos banqueiros, as quais especificavam sem margem para dúvidas a complicada aritmética usada para calcular o novo juro.

Desafio - consegue descodificar o que está escrito nesta clausula_ Então sabe mais do que um gestor publico.

Em termos simples, o documento explicava que a nova taxa de juro seria o valor inicial, 1,76 por cento, mais a diferença entre o valor da Euribor e os 2 por cento a dobrar, e este novo juro seria “cumulativo”, palavra-chave para todo o problema. No primeiro trimestre, em que a taxa Euribor esteve abaixo do valor acordado, foram adicionados 0,68 por cento ao valor total, perfazendo uma nova taxa de juro de 2,12 por cento. No segundo trimestre subiu para 4,58 por cento, e aumentou para mais de seis por cento no trimestre seguinte, e depois para oito, e continuou a subir, pois a taxa Euribor não mais voltou a estar acima dos 2 por cento. Em 2013, quando o Metro do Porto interrompeu o pagamento ao banco Santander, a taxa de juro atingiu os 40,6 por cento. Caso as condições económicas se mantiverem, a taxa de juro será de 100 por cento em 2018.

Por agora, o Estado, que assumiu a gestão do problema, deve 459 milhões por causa de um empréstimo de 89 milhões, e este valor ainda poderá aumentar mais caso o tribunal não decida a favor de Portugal. Uma aposta que correu muito mal. E este é apenas o caso mais assustador. Outros “swaps” desastrosos deste género foram contraídos pela Carris, pelo Metro de Lisboa e pela Sociedade de Transportes Colectivos do Porto.

Portugal no banco dos réus

O julgamento teve lugar em Londres e segundo a lei inglesa, pois contratualmente ambas as partes concordaram com esta jurisdição. Em Portugal, o Supremo Tribunal de Justiça já invalidou vários “swaps” do Santander referentes a empresas privadas. Num dos casos, em que a empresa Fábrica de Papéis Cunhas assinou um “swap” com o Santander, o banco foi obrigado a devolver 2,2 milhões de euros à empresa (ou seja, todo o juro pago até aí), pois o nosso Supremo classificou o contrato como um “jogo de azar”, de natureza especulativa, e chegou ao patamar de considerá-lo uma “ofensa importante à ordem pública”. A nível internacional, uma cidade italiana e uma empresa pública alemã conseguiram anular os seus “swaps” alegando falta de informação aquando da assinatura do contrato.

Os argumentos usados por Portugal baseiam-se na alegada falta de informação, pois considera-se que o contrato era um jogo de azar. Alega-se, ainda, que os gestores não podiam ter comprado este tipo de produto financeiro sem autorização do Estado. A equipa jurídica que representa o nosso País considera que, à luz da lei portuguesa, os gestores públicos apenas estão autorizados a empreender as acções necessárias ao cumprimento da sua função e que, por serem especulativos, os “swaps” não se inserem nesta categoria.

Declarado culpado, o novo Governo vai ter de arranjar “espaço” no novo orçamento para acomodar mais 1,8 mil milhões de euros de despesa, o valor total que terá de ser pago ao Santander.