Como explicar a atracção fatal dos portugueses por aparelhos sofisticados de última geração? Telemóveis que são computadores e aparelhos de cozinha que “fazem tudo” estão entre as nossas maiores tentações…

“Portugal gosta de brinquedos caros”, escrevia o embaixador norte-americano em Lisboa num relatório que só veio a público devido ao escândalo ‘wikileaks’. Neste caso concreto, o que estava em causa era a despesa portuguesa com as suas forças armadas: os americanos achavam curioso Portugal ter gasto milhares de milhões a adquirir tanques, caças e submarinos caríssimos (mas de utilidade muito discutível), ao mesmo tempo que a infantaria continuava armada com a velha, pesada e obsoleta G3 do tempo da guerra do Ultramar e faltavam (e ainda faltam) navios de patrulha oceânica. A razão apontada pelo embaixador: “complexo de inferioridade”.

Tivesse ou não razão nas suas observações técnicas, o diplomata punha o dedo na ferida ao referir-se a “brinquedos caros” – ou, por outras palavras, a “luxos de rico”. É precisamente nesses luxos que muitos portugueses perdem a cabeça quando, a uma outra escala, gastam o que têm e o que não têm para parecerem ser o que não são: ricos, modernos e poderosos.

Os telemóveis são um exemplo flagrante dos nossos dias. Às portas das lojas da especialidade formam-se filas de compradores impacientes sempre que são lançados modelos novos, tal é a vontade de consumir que tem de ser satisfeita. Não, não estamos a referir-nos aos tradicionais aparelhos com teclado numérico e que servem simplesmente para telefonar: falamos dos “smartphones”, o último grito da moda em telemóveis que podem também ser usados como computadores.

São produtos caros: alguns rondam os 700 euros, o ordenado mensal de muitos portugueses. Mas, tal como sucedeu no início deste século XXI, quando os portugueses se tornaram um dos povos do mundo com mais telemóveis per capita, os consumidores nacionais de “smartphones” estão mais do que determinados a adquirir um, façam que sacrifícios fizerem.

De facto, embora as vendas de telemóveis “comuns” (o primo barato do “smartphone”) tenham caído, as vendas de “smartphones” subiram significativamente: só no primeiro trimestre de 2013 venderam-se mais 29% unidades do que no mesmo período do ano anterior.

Dois milhões de “smartphones”

Curiosamente, as vendas de computadores a sério, máquinas que podem ser usadas para trabalhar, caíram. Em 2012, as vendas de computadores portáteis desceram 30%, mas as vendas de “tablets”, pequenos acessórios electrónicos que são manuseáveis com o dedo, dispararam.

No total, foram vendidos mais de 2 milhões de “smartphones” durante todo o ano de 2013 – um custo de milhares de broken-72161milhões de euros para os consumidores, e por arrasto para a economia, visto que todos estes aparelhos são importados. Ao longo desse ano, os portugueses gastaram 400 milhões de euros somente em manutenção destes equipamentos.

O telemóvel continua a ser um símbolo de status, e quem não tem o modelo mais recente é considerado “pobre”. Na internet e fora dela travam-se debates intensos, com insultos à mistura, sobre quem tem o melhor telefone. Chega-se ao ridículo de discutir sobre que sistema operativo será melhor, quando até o modelo mais modesto vem já equipado com funcionalidades que nunca chegarão a ser utilizadas. Quem sabe como estaria Portugal se esta dedicação ao debate fosse aplicada aos problemas nacionais?

Quem fica bem, no fim, são as operadoras de telecomunicações. Apesar de termos menos de metade do poder de compra dos norte-americanos, pagamos bem mais pelo uso dos telefones. As receitas médias por utilizador são mais elevadas do que no país do Tio Sam, o que rende uma margem de lucro bem generosa às operadoras. Uma chamada por minuto em Portugal custa 0,07 euros, enquanto nos EUA custa 0,02.

O factor Bimby

Enquanto os orgulhosos donos de telefones inteligentes discutem quem tem o melhor, existe um produto que sozinho domina um sector do mercado: a Bimby.

Portugal é, a nível mundial, um dos melhores mercados para este robot de cozinha. O fenómeno é de tal forma surpreendente que chamámos a atenção aos norte-americanos: o sisudo ‘Wall Street Journal’ chegou a publicar um artigo sobre como os portugueses são viciados na máquina produzida na Alemanha. Não era uma reportagem inocente e desprovida de crítica: os jornais americanos, especialmente os conservadores, tendem a apenas falar em Portugal quando nos encontramos no meio de profundas crises financeiras.

Portugal ainda se encontrava no meio de um resgate financeiro, mas em 2012 mais de 35 mil cidadãos despenderam o equivalente a dois salários mínimos para comprar uma Bimby. Foi esta discrepância, um país resgatado cujos cidadãos tanto protestam pela sua miséria para depois comprarem milhares de acessórios caríssimos, que chamou a atenção dos jornalistas do outro lado do atlântico.

E realmente a discrepância é interessante. Vários relatórios assinalam que os portugueses se tornaram mais frugais nuns aspectos, ao mesmo tempo que gastam fortunas em outros. As viagens para destinos de férias voltaram a aumentar, mas ao mesmo tempo passámos a viajar menos para visitar a família. De novo lemaos a marmita para o trabalho, de forma a pouparmos na comida, mas depois compramos telefones e acessórios de cozinha de milhares de euros. Há de facto há muita fome… mas de cultura.

Taxa medieval

Nas prioridades de compra dos portugueses não há livros, não há espectáculos de teatro ou dança. Somos o pior país da Europa neste aspecto, batidos por todos os Estados da União Europeia, segundo dados do ‘eurobarómetro’.

Mas vemos muita televisão, e também aqui não fazemos a coisa por pouco: as vendas de televisores de preço muito elevado continuam a subir de ano para ano. O dinheiro parece não ser a única causa do problema…

No caso da televisão, e chegados ao século para o qual se previa a “democratização” final e total das comunicações, os portugueses têm ainda de pagar pelo privilégio de a receberem em casa, qual taxa medieval para se atravessar uma ponte. Em vez de carregarmos num botão e encontrarmos gratuitamente o mundo no ecrã, em Portugal a “portagem” inclui caixas digitais e facturas da operadora do serviço. Facturas que, por sinal, são das mais altas do mundo.

Sim, talvez o diplomata norte-americano fosse certeiro ao falar de “brinquedos caros”. Que estamos dispostos a sacrificar muito para os ter, disso não restam dúvidas…