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2David Cameron ameaça a UE com a saída do Reino Unido. Os especialistas garantem que os cofres de Londres só ficariam a ganhar se o Reino Unido se livrasse da teia burocrática e do caos político de Bruxelas.

Um orgulhoso povo ilhéu, de boa saúde e com um historial prodigioso de auto-suficiência, artífice genial das artes mercantes, cioso das suas contas em dia, pagador rigoroso e cobrador implacável, vê-se um dia enleado num negócio ruinoso: para pertencer ao clube económico europeu, onde os ricos cobrem as contas atrasadas dos pobres, é obrigado a abrir mão de 40 milhões de libras em cada dia que passa.

É esse, segundo as fontes eurocépticas britânicas, o pesado contributo do Reino Unido para os “equilíbrios” numa Europa em desagregação. Para quê continuar na União Europeia?, perguntam muitos britânicos. Os custos, desde logo: o Reino Unido é o segundo país que mais contribui para os cofres europeus.

A propaganda anti-europeísta afiança que o país entrega todos os anos, em Bruxelas, mais de 14 mil milhões de libras; os números oficiais referem 11 mil milhões, o que em todo o caso é muito dinheiro. Mais ainda contribui a Alemanha: 17 mil milhões por ano.

O que ofende o espírito prático do britânico, porém, não é a enormidade do contributo do Reino Unido para o bolo europeu: é a aberração de não ter, em retorno, qualquer vantagem de monta.

A principal razão da adesão do Reino Unido à então Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1 de Janeiro de 1973, por sinal no tempo do governo conservador de Edward Heath, foi o aparente privilégio de passar a ter acesso directo aos mercados europeus.

Quarenta e dois anos depois, o argumento perdeu a validade: os mercados europeus tornaram-se desinteressantes, ou mesmo perigosos, ao mesmo tempo que as relações económicas do Reino Unido com países não pertencentes à União Europeia cresceu exponencialmente.

EFTA, a alternativa

1Entre 2002 e 2012, já cansado de uma União Europeia economicamente ineficaz e politicamente caótica, o Reino Unido virou-se progressivamente para os “mercados emergentes”.

Para trás ficou, cada vez mais, o mercado da Euro-Zona, que passou a ocupar um lugar modestíssimo no ‘ranking’ britânico de exportação de bens e serviços.

Ao longo dessa década, as exportações para a China cresceram mais de 500 por cento; para a Rússia, quase 400 por cento; e aumentaram também significativamente as vendas para a antiga colónia da Índia, para a Turquia, Singapura, Indonésia e Hong Kong.

Os primeiros anos do século XXI provaram, mais uma vez, que o Reino Unido não precisa do continente europeu para viver bem: é até possível que viva melhor sem dele.

Não surpreende, pois, que cada vez mais britânicos se perguntam se não fariam melhor em seguir o exemplo da Suíça, da Islândia ou da Noruega, economias de sucesso que encontraram na EFTA (European Free Trade Association) uma alternativa vantajosa à União Europeia – uma alternativa que, ainda por cima, lhes permite continuar a beneficiar do mercado interno da Euro-Zona.

Inferno burocrático

O mercado norte-americano é outro dos trunfos britânicos fora da União Europeia. A relação económica entre os dois países é forte e as exportações britânicas para os Estados Unidos cresceram cerca de 30 por cento na última década. Mas poderão crescer ainda muito mais se o Reino Unido voltar a ser uma economia independente, aliada preferencial de Washington na Europa.

Um recente estudo do Institute of Economic Affairs (IEA), de Londres, sobre as perspectivas de abandono da União Europeia por parte do Reino Unido salientava a necessidade de os britânicos “enviarem um sinal claro de que estão abertos a negócios, especialmente com os EUA”.

A União Europeia tem em vigor 8.937 regulamentos, 1.953 directivas, 15.561 decisões e 2.948 outras determinações legais

E o economista e diplomata Iain Mansfield, vencedor do “Prémio Brexit” da IEA, defende abertamente o regresso do Reino Unido à EFTA. Mansfield calcula que, se deixasse a União Europeia “a bem”, o país veria o seu produto interno bruto crescer pelo menos 1,3 mil milhões de libras, graças ao aumento dos negócios com novas economias e ao abandono das regras burocráticas de Bruxelas, que tanto espartilham a vida económica.

Iain Mansfield, que é conselheiro comercial da Embaixada britânica nas Filipinas e se tornou um dos mais destacados defensores do abandono britânico da UE, sustenta que o Reino Unido deveria procurar alternativamente acordos de mercado livre com a China ou até a Rússia, à semelhança do que recentemente fizeram a Suíça e a Nova Zelândia

Do seu ponto de vista, a única desvantagem de uma saída britânica (ou “Brexit”, como já se diz no jargão económico) seria a necessidade de o Estado ter de compensar a perda dos actuais subsídios comunitários à agricultura – mas essa compensação pouco pesaria no orçamento de Londres.

Para os agentes económicos, uma das enormes vantagens de uma saída da UE seria o fim do inferno burocrático que se abateu sobre os negócios do Reino Unido. Simplificadores por natureza, os britânicos exasperam por não poderem assinar um simples contrato de exportação sem passarem por um calvário de leis e regulamentos.

Honra nacional

5Segundo Robert Oulds, historiador e dirigente do Partido Conservador, a União Europeia tem em vigor 8.937 regulamentos, 1.953 directivas, 15.561 decisões e 2.948 outras determinações legais – uma desnecessária complicação burocrática que, desde os tempos da série televisiva ‘Yes, Minister’, foi inspiração para o anedotário londrino.

Para além disso, os países-membros estão obrigados a acatar 4.733 acordos externos celebrados pela UE e 52.000 “standards” internacionais. São aconselhados a respeitar ainda 4.843 outras determinações com força de lei e a jurisprudência de 11.961 sentenças do Tribunal Europeu. Não há inglês que aguente!

O Institute of Economic Affairs estudou três cenários de saída da EU. No pior cenário, o Reino Unido é “congelado” pelos vizinhos, seus antigos parceiros na União Europeia, as exportações para os Estados Unidos correm mal e não consegue fazer negócios com as economias emergentes. Neste caso, o país passaria a perder 40 mil milhões de libras anuais.

No cenário ideal, o Reino Unido manteria os seus acordos de negócio com os países da UE, estabeleceria novos acordos com grandes países como a Índia e a China e manteria os acordos com os Estados Unidos. Neste caso, o país estaria 16 mil milhões de libras anuais melhor do que está hoje.

Finalmente, no cenário que Iain Mansfield considera o mais provável, o Reino Unido consegue negociar um acordo de saída satisfatório com a UE, garante o acesso ao mercado da EFTA, mantém acordos de comércio livre com os actuais parceiros e alcança acordos com países de dimensão média, como a Austrália e o Brasil (enquanto prossegue negociações, necessariamente mais demoradas, com a China e a Rússia). Neste caso, o país beneficiaria em 1,3 mil milhões de libras anuais.

Contra o optimismo dos eurocépticos, não falta também no Reino Unido quem preveja uma “catástrofe” em caso de abandono da União Europeia. Um recente relatório do Centre for Economic Performance afirma que os britânicos enfrentariam um “choque financeiro” mais profundo do que o da grande recessão de 2008 – um mau agoiro que os eurocépticos desfazem facilmente lembrando que o Reino Unido nunca abandonou a sua moeda própria, a libra esterlina, o que lhe permite manter um controlo apertado sobre o mercado financeiro.

Campeão do abandono da UE é o líder do UKIP, Nigel Farage, que mantém o Partido Conservador de David Cameron, no poder, sob constante pressão pública para que se defina de uma vez por todas. Cameron, por seu turno, preferiria renegociar a permanência do Reino Unido na União Europeia, obtendo a redução do contributo para o orçamento comunitário, a eliminação de grande parte da burocracia e a garantia de maior autonomia política do Parlamento londrino. Mas não pode mostrar-se excessivamente “mole” face a Bruxelas, sob pena de perder votos do eleitorado conservador, geralmente eurocéptico.

Para já, um referendo sobre a questão está prometido por Cameron para 2017. As últimas sondagens indicam que, se o referendo se realizasse hoje, 47 por cento dos britânicos votariam pela saída da União Europeia, enquanto apenas 38 por cento votariam pela permanência. Somente 14 por cento dos inquiridos ainda se mostram indecisos.

Contudo, se Cameron conseguisse negociar melhores condições em Bruxelas, 35 por cento passariam a defender a permanência, mas 52 por cento afirmam que não faria nenhuma diferença no seu voto. Mas a verdade é que a mesma sondagem também mostra que apenas 19 por cento dos britânicos acredita que David Cameron conseguirá uma renegociação em Bruxelas que seja aceitável pelos britânicos.

Para estes, a permanência na União Europeia, mais do que um problema económico, é uma questão que desafia a honra nacional.