RAÚL BRAGA PIRES

Centro de Investigação Desenvolvimento e Inovação da Academia Militar

Depois das visitas oficiais ao Egipto e à Turquia, o soberano saudita regressa a casa com mais terra, mais mar, petróleo e com um posto avançado para infernizar os israelitas à saída do Golfo de Aqaba.

No início de Abril, o Rei Salman da Arábia Saudita efectuou uma visita oficial ao Egipto e à Turquia. Desde logo, tratou-se de uma afirmação do detentor dos lugares santos do Islão perante os seus mais directos competidores. Falo da disputa pela liderança da Ummah sunita, a Nação Islâmica. Se por um lado o Egipto, maior país árabe do Mundo, se autoproclama Umm al-Dounia, a “Mãe do Mundo”, a Turquia representa a sede do último Califado e a ponte entre Oriente e Ocidente.

O que fica desta visita ao Egipto são promessas de apoio mútuo entre duas lideranças que se sentem ameaçadas dentro dos seus próprios países. Sissi foi o escolhido para Presidente do Egipto, por se tratar do General mais “chico-esperto” e vaidoso, o mais fraco, portanto, no seio do Conselho Supremo das Forças armadas (CSFA), segundo Mohamed Soudan, responsável das Relações Internacionais da Irmandade Muçulmana, exilado em Londres. Este quadro islamista augura vida curta ao General Sissi, dizendo que em breve será destronado pelos seus pares.

Outro sinal de desespero dos regimes decadentes é a aposta nas obras públicas megalómanas. Foi anunciada a construção de uma ponte sobre o Mar Vermelho, que unirá a Península do Sinai à Península Arábica. Para tal será criado um Fundo de Investimento no valor de 16 mil milhões de dólares. O objectivo é também povoar e animar parte significativa do gigantesco Sinai, onde os redentores do califado se têm estado a instalar e onde, pelo inóspito do local, terão todas as condições para “criar chão” e avançar sobre a Cidade. Será criada uma Zona Franca em toda a Península e haverá apoio saudita para a construção de habitações e projectos agrícolas.

O negócio das ilhas

O assunto de debate entre egípcios, desde o final desta visita, tem sido a alienação por parte do Egipto de duas ilhas no Estreito de Tiran, no Mar Vermelho, que agora passam para soberania saudita. O assunto sempre foi polémico entre os dois países. Egípcios comprovam com documentos que as mesmas sempre estiveram sob soberania egípcia e sauditas invocam que as ilhas Tiran e Sanafir mantiveram desde 1950 até agora um estatuto de leasing. À época, a Arábia Saudita não tinha Marinha de Guerra para as proteger e delegou no Egipto a defesa das mesmas, com medo de que os israelitas, independentes em 1948, viessem por aí abaixo. A verdade é que o Presidente Sissi, sendo o mais “chico-esperto”, poderá ter caído num logro “influenciado” pelos tubarões do CSFA, pelo nível de contestação que a população tem demonstrado desde então.

Talvez Soudan tenha razão e o fim possa estar próximo, já que não são raras as vezes em que o nível do protesto e da rejeição ao actual Presidente consegue ser transversal a toda a sociedade, profundamente bipolarizada entre apoiantes de Sissi e de Morsi, o Presidente deposto. Prova dessa rejeição transversal foi a sintonia criada entre islamistas da Irmandade Muçulmana lado-a-lado com os laicos do Movimento 6 de Abril, na organização dos protestos e mobilização das populações.

O engodo, para Sissi, para além do grau de legitimidade que esta visita lhe confere, foi o pacote económico que a Casa de Saud lhe apresentou e que lhe permite respirar fundo e continuar a sentir-se seguro de si. Foram assinados 21 acordos económicos, no valor de 25 mil milhões de dólares, para além dos 16 mil milhões já mencionados. A saudita Aramco assinou com a egípcia General Petroleum Corporation um contrato de 23 mil milhões de dólares, no qual os sauditas se comprometem a fornecer 700 mil toneladas de produtos petrolíferos por mês, durante os próximos 5 anos.

A mudança que o Rei saudita propôs ao aliado Egipto é que o financiamento deste dependa de investimentos viáveis do sector privado saudita e não da ajuda directa, como sempre foi política do antecessor Abdullah bin Abdul-Aziz Al Saud. O actual monarca regressa a casa com mais terra, mais mar, petróleo e com um posto avançado para infernizar os israelitas à saída do Golfo de Aqaba, ou, melhor ainda, com um precioso trunfo a jogar no momento certo!

Visita à Turquia

Duas lideranças esquizofrénicas que, pela frente, combatem o “estado islâmico” e por trás deixam a porta entreaberta para o vírus alastrar, ou não fossem as Casas de Saud e do “Novo Sultão” adeptas da Teocracia islâmica, apesar de ambas combaterem feroz e historicamente a única existente, o Irão, xiita e considerado herético por ambos. Este é mais um ponto comum e de alinhamento.

Erdogan fez todas as vénias ao seu convidado, já que a coligação contra o terrorismo e contra Bashar al-Assad também, nas perspectivas de Ankara e Ryiad, liderada pelos sauditas, desde Dezembro que ameaça colocar “botas na areia” no confronto à “Internacional Terrorista”. A Turquia pretende manter as melhores relações com os sauditas, para estar na linha da frente deste Exército e, dentro de um quadro legal internacional, poder combater os curdos dentro do seu próprio território.

A prioridade da política interna e externa da Turquia é a questão curda e nunca o “estado islâmico”, os refugiados, a adesão à União Europeia, ou as tensões que mantém com o Egipto, a propósito da deposição de Mohamad Morsi, assunto aliás que o Rei saudita também tentou amenizar nesta visita, e juntar as três maiores potências sunitas em sintonia e sob a sua liderança. A conjuntura regional a isso obriga, com a Síria e o Iraque desmembrados por um epifenómeno equivalente ao do Entroncamento e o Irão reintegrado e em confronto (in)directo com a coligação sunita, através da guerra no Iémen.

O Rei Salman Al-Saud regressou a casa reforçado na sua liderança regional, enquanto o “Novo Sultão” Erdogan redefine alianças, no sentido do reforço do seu papel de Presidente-Executivo, o que provavelmente levará o regime a um velho-islamismo-novo, já que se tornará ainda mais autocrático e de costas voltadas para a Europa. Quanto ao resto, vai-se gerindo!