Como um desespero sem sentido conjuga mal com um ego desmedido…

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JOÃO TITTA MAURÍCIO – Professor de Direito na Universidade Lusófona.

Estamos num “molho de bróculos” em que as ilusões egocêntricas de um líder com pouco sentido de estado poderá ter conduzido um partido estruturante para o regime. Ou, dito de outra forma, como o dr. Costa, num desesperado passo em frente, poderá ter “lixado” o PS e tramado isto tudo! 

E tudo porque começaram por, demagógica e irresponsavelmente, nem ao menos terem poupado os portugueses à infame e injusta atitude de se “ajuntarem” à campanha da minoria radical que, desde o início, pretendeu atribuir as consequências dos últimos quatro anos a decisões livres e voluntárias do Governo…

Será assim tão difícil recordar e reconhecer o que se passou há quatro anos? É assim tão complicado compreender que o Governo de um País sujeito a um programa de ajustamento não tem autonomia para a definição das suas políticas económico-financeiras?

Que essa ausência de autonomia foi ditada num Memorando de Entendimento pedido, negociado e assinado antes deste Governo ter entrado em funções – e antes ainda da realização das próprias eleições em que foi escolhido pelos portugueses (e em que 80% destes votaram naqueles que, arrogantemente, o PC definiu como a “troika nacional”)? Ou que as causas que motivaram o pedido de auxílio ocorreram durante o mandato anterior e por responsabilidade desse mesmo Governo?

E, no entanto, se até se poderia suportar a demagogia e irresponsabilidade da parte da minoria intolerante do costume – que, mesmo bem sabendo da situação grave em que o País se encontrava em 2011 e da necessidade urgente que tinha da ajuda do financiamento que a Troika veio a providenciar, preferiu recusar participar e optar pela estratégia do “quanto pior melhor”… –, do PS não se poderia imaginar tamanha falta de sentido de estado e falta de vergonha.

Pois, tendo sido seu o Governo “de plantão”, o PS havia sido, por um lado, o causador e o responsável pelos factos que justificaram a situação de (quase) bancarrota e, por outro, porque havia sido o PS (enquanto Governo) o único que poderia solicitar a ajuda externa e comprometer o País perante os credores a um Programa de Ajustamento.

Compromisso que condicionaria enormemente toda a política económica do Governo seguinte, independentemente do(s) partido(s) que o compusesse(m).

Passaram-se quatro duros e sacrificados anos. Muitas coisas aconteceram e nem sempre foram bem feitas. Porém, se perguntássemos qual foi a ajuda providenciada pelo PS, o melhor seria nem querer obter a resposta… Houve eleições e produziram-se resultados. Que permitindo que todos cantassem vitória, não contentaram ninguém. No meio disto tudo, surge claro uma evidência: de todos, só um partido não ganhou, o PS! E o dr. Costa, em vez de, como um homenzinho, o assumir, anda a ver se lhe calha algum…

E por causa disso, ao contrário do normal, iniciou-se uma estranha e muito heterodoxa ‘mise-en-scène’. Primeiro, apesar de só agora terem sido alcançados os resultados finais, o Presidente da República (PR) optou por não realizar a ronda de contactos formais com os partidos, mas de encarregar o líder da PàF de encontrar uma solução governativa. E fazia sentido: afinal o dr. Costa, apesar de se ter “lapizado” ao lugar, tinha dado sinais de que iria agir com sentido de estado, afirmando, no discurso da noite da eleições, que “respeitamos a vontade dos portugueses mesmo quando a vontade dos portugueses não se expressa como nós gostaríamos… [e] ninguém conte connosco para sermos só uma maioria do contra”.

E, no entanto, não obstante o público encargo em que Pedro Passos Coelho foi incumbido pelo PR, o dr. Costa, qual “bailarina em pontas”, desatou a percorrer as sedes dos partidos dos partidos da “extrema-esquerda” e da “esquerda revolucionária” como se fosse a ele que tivesse sido cometida essa função.

Não digo que estivesse impedido de o fazer. Claro que não! Mas, ao fazê-lo com a pompa e circunstância com que escolheu produzir as suas visitas às sedes do PCP e do BE, o dr. Costa sabia bem o que fazia: desafiava os resultados eleitorais e confrontava, desautorizando, o PR, tratando de promover um “faz-de-conta” de negociações que, apesar de tramar o PS (porque agrada e serve os interesses do PC e do BE)… lhe afaga – e muito! – o ego: possibilita a ilusão mediático-política de que existem dois possíveis indigitáveis para primeiro-ministro (PM) – e assim, o dr. Costa, que viu fugir-lhe a hipótese de ser PM, pode continuar a deitar-se sonhando que, por vontade da Catarina e do Jerónimo, se calhar ainda pode ser!

Como já disse, por princípio, nada tenho contra a hipótese de um Governo das esquerdas. A legitimidade formal e política dos governos não depende da sua cor política. Pois prezo muito o conceito Coerência, mas lido e interpretado ‘comme il faut’ e não “à moda canhota”, herdeiras das piores “maquiavelices mal lidas” e dos leninismos mais ensinados, para quem há uma diferença subjectiva na compreensão da Ética, e onde o Bem depende do sujeito autor do acto (se é um “vermelhusko”, leia-se, um “camarada”) ou do propósito (revolucionário ou do que assim foi decidido pelo colectivo da “vanguarda esclarecida”) com que o mesmo é praticado…

Apenas contesto o modelo seguido pelo dr. Costa. Pois que, na minha análise, ele apenas está a conseguir criar condições para que qualquer que seja a solução que sobrevenha deste imbróglio – que ele criou evidentemente apenas no desespero de tentar salvar a sua liderança do PS e que o PC e o BE estão a explorar com imensa habilidade política mas sem nenhuma expectativa ou vontade de governar – será sempre frágil e a prazo.

E, na minha opinião, paradoxalmente, o mais prejudicado de todos, será o PS. Ou seja, o resultado do acto de sobrevivência política em desespero do dr. Costa, poderá ser mais do que um “tiro no pé”… um verdadeiro tiro em cheio na cabeça do PS!

Por outro lado, porque seria a segunda vez (e, ainda por cima, consecutiva) em que a esquerda assumia o poder através de “manobras de bastidores” (e, para ajudar à festa, com argumentos perfeitamente antagónicos entre um e outro caso). Ainda há dias, Daniel Oliveira, pronunciando-se sobre a questão da legitimidade de um governo das esquerdas, escrevia que “o que é democrático e legitimo é que governe quem tem o apoio … maioritário dos eleitos”). Esta é uma posição racional e logicamente inatacável e não me custa nada publicamente dizer que concordo e que são afirmações relevantes e válidas – e com as quais eu, por coerência e seriedade intelectual, jamais poderia discordar. Porém, é por causa dessa mesma coerência e seriedade intelectual que eu não consigo calar a indignação intelectual por todos aqueles que, como ele, em 2005, apesar de estarmos a meio de um mandato, de existir uma maioria parlamentar de suporte a um Governo, ele (e tantos outros) ter(em) defendido e aplaudido que o PR houvesse exonerado o PM, dissolvido a AR e convocado eleições (sem sequer ter cumprido o preceito constitucional de previamente ouvir o Conselho de Estado) – isto para não falar do que todos aqueles, como ele, disseram durante estes últimos quatro anos (mas, já se sabe, as “incoerências políticas” fazem parte da dialéctica do “jogo democrático”, em que só se tolerem e desculpam as próprias, pois as dos outros, é claro, são… “mentiras”).

Além disso, o comportamento do PS para com a PàF – e da PàF para consigo própria, com uma inesperada e incompreensível falta de respeito e confiança.

Senão vejamos:

  • uma força que ganhou as eleições;
  • pela normalidade das coisas, a essa força que cabe organizar a solução governativa;
  • realiza-se uma reunião, e o partido que supostamente quer negociar, não se apresenta com a lista das condições que quer ver satisfeitas para poder suportar a solução governativa e “faz-se de parvo” dizendo que quem ganhou é que as tem de apresentar – e a PàF “engole”, pede desculpas, acaba humilhada e gozada em público e ainda cede?!? (está tudo doido!… mas adiante);
  • os “tontos” da PàF – desculpem-me mas, assim, “armados” em inocentes, deixaram que os tratassem como verdadeiros idiotas – apresentam propostas (quando deveria ser o PS a fazê-lo!) socorrendo-se das que constavam do programa eleitoral deste, no fundo sinalizando que poderiam ser aquelas que a PàF aceitaria (duplamente tontos: fizeram o que era suposto o PS fazer e assim este vai partir delas, tomando-as como já aceites, para pedir ainda mais!) E, ainda por cima, são gozados mais uma vez e acusados de plágio!?

A sério!? Mas está tudo doido ou já não há limites para a demagogia e para o vale tudo!?

O apego inebriante ao poder do dr. Costa é, de facto, uma evidente prova de desespero… e que pode custar muito caro ao PS enquanto partido político: temo que (depois das “rachas” causadas pelas candidaturas presidenciais de Manuel Alegre, mais as fracturas que os “socráticos” provocaram na união do grupo parlamentar durante a última legislatura e agora esta brincadeira do dr. Costa armado em “carochinha pisca-pisca”) possam vir a verificar-se violentas confrontações internas sejam qual for a decisão que venha a ser tomada.

Sinceramente, não o desejo! Não quero um governo sustentado por um grupo parlamentar de independentes saídos do PS!

Porém, é preciso ter a noção que há esse risco, se o dr. Costa de armar em “frentista”?

Assim como pode sofrer uma sangria por fracção à esquerda (uma nova versão de Manuel Serra, só que agora com reflexos no GP e, no fundo, seguindo algum exemplo, como a viragem ideológico do Partido Trabalhista) se “borregar” e não aceitar o evidente (não) convite do BE e do PCP?

Nunca anuirei ao vale tudo. Acredito e defendo que há formas correctas e adequadas para se fazerem as coisas.

Andar a queimar etapas só serve para se esconderem razões, intenções, compromissos. E permitir que se imagine muita sede de poder e poucos motivos sérios e nobres para o buscar.

E, no final, os resultados são quase sempre medíocres e “atamancados”.