Olivais: a destruição de um bairro

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Manuel Silveira da Cunha

O Bairro dos Olivais teve a sua origem nos planos estabelecidos pelo GEU, gabinete de estudos urbanísticos da Câmara Municipal de Lisboa nos anos cinquenta. Integrava o último grande desenvolvimento da cidade, com mais de setecentos hectares, que deu origem aos bairros dos Olivais Sul, Norte e Chelas. Chelas ficou para o fim, e o resultado foi catastrófico, ao nível dos grandes desastres; Chelas, com quinhentos hectares, é desordenamento, má qualidade de vida, droga, degradação urbanística, maus transportes e serviços, um bairro que poderia ser dos mais belos do mundo, com vistas deslumbrantes sobre o Tejo e a outra banda, mas acaba como um monumento inacabado ao descalabro urbanístico pós-vinte-e-cinco-de-Abril.

Já os Olivais Sul, com 147 hectares, e Olivais Norte, com 40 hectares, previstos para populações de quarenta mil e de dez mil habitantes, respectivamente, foram extraordinários casos de sucesso e integração de população. Totalmente realizados em terrenos públicos, expropriados desde os anos 30, e promovidos pelo Estado através da Câmara de Lisboa, continuavam o sucesso das políticas implementadas em Alvalade. Seguiam princípios racionalistas, um modelo filosófico orientado para as pessoas, para a integração social, dando habitação de qualidade a quem necessitava desta. Os arquitectos seguiam a carta de Atenas de uma cidade aberta, arejada, fluida e ajardinada.

As habitações sociais constituíam 70% do plano, sendo os restantes 30% a preço livre. As habitações sociais dividiam-se em quatro categorias, de acordo com qualidade de construção e preço final. As construções encontravam-se dispersas numa malha interpenetrada que misturava classes sociais no mesmo tecido, o que resultou num ambiente algo tenso de início mas que, com o decorrer dos anos, se revelou extremamente inteligente: médicos, professores, juízes, polícias, militares, bombeiros, pedreiros, ladrões, comerciantes, escriturários e prostitutas, entre muitos outras profissões, viviam como vizinhos contribuindo para a coesão social.

A construção, esparsa, agrupava-se em núcleos onde funcionam serviços, bancos, escolas, mercados; a construção não era compacta, resultando uma cidade-jardim, exactamente o contrário de um dormitório ou do que aconteceu em Benfica, com o desenvolvimento de uma selva de cimento sem espaços intersticiais e de circulação. O bairro dos Olivais sempre foi um modelo de circulação, devido à forma inteligente como o espaço foi ocupado, e um modelo de vida para as famílias.

As amplas zonas intersticiais davam qualidade de vida à população residente, serviam para passeio e jogo, renovavam o ar e espaço vital, qualidade suprema numa cidade superlotada na zona central ou em bairros construídos sem planificação estruturada. Mesmo pensando que o núcleo central foi sendo adiado por muitos anos, os Olivais acabaram por ser um caso de sucesso.

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Com a administração Costa, na Câmara de Lisboa, a gestão dos mesmos espaços intersticiais, das zonas ajardinadas e das pracetas entre os prédios, que incluem muitos espaços de recreio para crianças, passaram para as Juntas de Freguesia, que ficaram também com a reparação das calçadas. Ficaram assim destinadas aos caprichos mais ou menos voláteis dos autarcas amadores, geralmente pouco cultos, do nível de Freguesia. Foi assim entregue a gente desqualificada a gestão de um plano que foi pensado por homens como Rafael Botelho e Carlos Duarte e arquitectado por gente do calibre do professor Manuel Tainha.

Os espaços ajardinados eram a espinha dorsal e o elemento unificador do bairro, o espaço de circulação pedonal privilegiado; mas hoje, governados por uma Junta de Freguesia desconhecedora e dominada por gente sem cultura e pouco inteligente, são abandonados ao mato. Não há, nos Olivais, qualquer gestão dos espaços ajardinados. Se antes a gestão se limitava ao corte de erva e regas absurdas intercaladas com podas selvagens das árvores e cortes arbitrários das mesmas, hoje em dia não existe nada.

O mato cresce por todo o lado; pulgas, ratazanas, carraças, baratas multiplicam-se de forma exponencial. As pessoas já nem sequer podem pôr o pé nos espaços intersticiais, nem brincar ou jogar com as crianças; a degradação de todos estes espaços nos Olivais é aviltante e a componente estrutural e matricial do bairro foi destruída. No entanto, a presidente da Junta, eleita pelo PS, realiza obras de fachada, auto-publicitadas no jornal da própria Junta, no meio de dezenas de fotografias da senhora em diversas poses, obras que incluem a sistemática impermeabilização do terreno sem cuidar da jóia preciosa que deu aos Olivais o seu carácter único no panorama do urbanismo português, os espaços ajardinados.

É caso para dizer que a Junta dos Olivais, em Lisboa, nem sequer sabe que tem uma jóia entre as mãos e que a única coisa que precisa de fazer é de cuidar, com meia dúzia de jardineiros e equipamento barato, de alguns poucos hectares de espaços que poderiam dar uma extraordinária qualidade de vida, única em Portugal, aos seus moradores.

Um pequeno investimento estratégico que consistiria apenas em cuidar do que já existe. Infelizmente, como dizia Einstein, pode haver limites para a inteligência mas não para a sua contrária…