O turismo que destrói e corrói

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Manuel Silveira da Cunha

O turismo não salva países, o turismo não melhora a qualidade de vida dos locais, o turismo é o negócio do servilismo e da criadagem.

Nota-se nas cidades portuguesas um apetite insaciável pelo turista, recheado de euros, libras, dólares, ienes ou yuans, o turista de pé descalço ou mais abastado, que no nosso país, inculto e selvagem, é tratado como a galinha dos ovos de ouro.

Quando, recentemente, a câmara de Lisboa quis taxar os turistas com um euro por dormida, foram inúmeros os políticos que se alevantaram e usaram a expressão. No parlamento Pires de Lima insurgia-se, os autarcas vociferavam, Paulo Portas a 11 de Novembro de 2014 veio dizer “não matem a galinha dos ovos de ouro”, os industriais do sector protestaram veementemente.

O que é certo hoje em dia é que o turismo e o turista estão a matar as cidades e o problema é cada vez mais agudo, começando a tornar-se uma espécie de tragédia. Porto e Lisboa arriscam-se a tornar-se cidades em que o habitante é hostilizado na sua própria cidade.

As lojas históricas e o verdadeiro comércio local desaparecem, os restaurantes, na maioria miseráveis casas de pasto travestidas e com preços exorbitantes, devido à localização e procura turística, proliferam, é ver a rua Augusta em Lisboa ou a ribeira do Porto. Qualidade miserável e preços altos são o mote. Os “hostels”, nome que nem sequer é português, proliferam em zonas residenciais, destruindo o sossego aos bairros outrora pacatos, incomodando moradores e impedindo o descanso.

Clubes antigos, discotecas, algumas de má fama e que parecia que não faziam falta nenhuma, como as do cais do Sodré, afinal são dos poucos lugares de culto em que uma geração se reconhecia, locais de encontro e pertença que estão prestes a ser sacrificados no altar do todo sagrado negócio vigente do turismo. Os habitantes, muitos deles frágeis e idosos, são despejados para albergar turistas.

A câmara de Lisboa, diferindo radicalmente do Porto, ataca o automóvel e quer transformar toda a Lisboa central numa espécie de parque gigante para os turistas, depois de escorraçar para sempre os lisboetas. Quem virá fazer compras ao centro, se nem sequer as poderá depois transportar de carro? Os mais pobres, com carros mais antigos, são postos à margem como leprosos: usem a miserável carris e os machibombos mal cheirosos ou o decadente metro lisboeta, em que estações cheiram a mijo, estão pejadas de grafitis, as escadas rolantes não funcionam ou em que de todas as escadas possíveis, rolantes ou não, como nos Olivais, apenas uma funciona. Um escândalo sem protestos por parte da câmara que, todo-poderosa, destrói a vida dos cidadãos em favor do turista que rende dinheiro aos amigos dos aparelhos partidários.

É evidente que se impõe uma taxa turística, o turista selvagem tem de ser travado. O turista desgasta as nossas cidades, expulsa o contribuinte (que paga os impostos) das suas vias públicas. O turista defeca nos sistemas públicos de esgoto e não paga a respectiva taxa! O turista usa a protecção civil lisboeta e não paga a taxa, o turista desgasta e sobre-carrega o nosso sistema de saúde e não o paga com os seus impostos, o turista sobre-carrega passeios, estradas e largas dezenas de toneladas de lixo por ano sem que contribua um mínimo para a sua remoção. O turista ocupa espaço. O turista é porco. O turista é inimigo do verdadeiro desenvolvimento. O turista, pior do que tudo, contribui para a desertificação das nossas cidades, contribui para a perda de qualidade de vida dos cidadãos das nossas cidades e nada dá em troca a não ser aos negócios da hotelaria, aos negócios do servilismo.

É tempo de fazer o turista pagar para o aumento da qualidade de vida dos lisboetas, e aos autarcas é tempo de os cidadãos os fazerem pagar caro pelo desplante com que tratam dos negócios esquecendo as pessoas. É tempo de colocar alcatrão e penas nos autarcas que destroem a qualidade de vida dos cidadãos e é tempo de colocar os turistas a pagar dez euros por cada dormida passada em Portugal.