Para Xanana Gusmão

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A justiça não é para mim o valor mais insuperável e por isso não subscrevo o princípio clássico: ‘Fiat iustitia, etsi caelum ruat’ (faça-se justiça, mesmo que desabe o céu).

Lembro-me de, há já alguns anos, ter tido um desacordo (amigável) com o então responsável da Amnistia Internacional em Portugal (Pedro Krupenski), com quem o MIL estabeleceu um protocolo, a respeito do que estava a acontecer em Timor-Leste no rescaldo do conturbado processo da independência.

A Amnistia Internacional, legitimamente, reclamava o julgamento de todos aqueles que, não tendo aceite o resultado do referendo, se precipitaram numa vingança sanguinária. As autoridades timorenses, de forma igualmente legítima, defenderam um “perdão geral”, em prol de uma mais rápida pacificação geral da sociedade.

Tendo consciência dos prós e dos contras de cada uma das posições, apoiei então a decisão das autoridades timorenses. Nalguns casos, essa cisão interna atingiu inclusive núcleos familiares. Um “perdão geral” pareceu-me a decisão mais inteligente, por mais que fosse aos olhos de alguns – e de facto foi – uma decisão injusta.

Caso muito diferente é, porém, aquele que levou à recente expulsão, “no prazo de quarenta e oito horas”, de oito funcionários judiciais: sete portugueses e um cabo-verdiano. Seja qual for o ângulo de análise, se é difícil vislumbrar nela alguma nesga de justiça, impossível é nela ver um pingo de inteligência.

Foi, em absoluto, em decisão estúpida, mesmo admitindo a tese mais conspirativa: a de que estes funcionários estariam a expor casos de corrupção que envolveriam personalidades várias, incluindo membros do Governo timorense, liderado por Xanana Gusmão.

Admitamos a tese mais benévola para Xanana Gusmão: ele não tem nada a ver pessoalmente com toda essa corrupção, mas considera que, dada a fragilidade do regime timorense, não seria benéfico levar a julgamento membros do próprio Governo. Esta posição até poderia ser, no limite, compreensível (e que ninguém aqui se escandalize – poderia referir diversos casos similares a este, dentro e fora de Portugal).

Mas a forma como Xanana Gusmão geriu todo este processo é que já não é, de todo, aceitável, mesmo nessa oblíqua lógica de “encobrimento da corrupção”. Ao ter expulso com todo o estrondo esses oito funcionários judiciais, Xanana Gusmão adensou as piores suspeitas sobre o nível dessa corrupção e, por arrasto, da cada vez maior “influência” australiana em Timor-Leste.

O que é mais lamentável, porém, é o dano causado nas relações com Portugal – e não falo aqui como cidadão português; falo, ou procuro falar, como cidadão lusófono, que me orgulho de ser. Pretendendo abortar todos os processos judiciais em curso (e admitindo, por um instante, que isso fosse legítimo), Xanana Gusmão poderia tê-lo feito salvaguardando, sem grande esforço, as relações diplomáticas com Portugal.

Não que o dano seja irreparável – como aconteceu também recentemente na relação com Angola, a genuína fraternidade entre os povos lusófonos tem superado sempre a absoluta estupidez de alguns gestos dos nossos Governos.

Apesar do gesto absolutamente estúpido de Xanana Gusmão, os povos português e timorense continuarão a ser, no que mais importa, dois povos irmãos. Disso estamos certos.

Post Scriptum – próximos lançamentos da “Nova Águia”: 20.11.14 – 19h00: Casa da Liberdade – Mário Cesariny. 21.11.14 – 12h00: Universidade Nova de Lisboa. 24.11.14 – 15h00: Escola Secundária do Restelo.