Com um sonho na bagagem

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Pirandello em Portugal

JOÃO VAZ

Em 1931, o sr. Pirandello andou por Portugal. Do Estoril a Viana, passando pelo Porto, Coimbra ou Curia, Nazaré, Alcobaça e Caldas da Rainha, numa verdadeira antecipação do grandioso ‘hit’ “pelos caminhos de Portugal”. Foi a propósito do 5.º Congresso Internacional da Crítica, realizado no nosso país graças à capacidade de iniciativa de António Ferro, que em poucos meses conseguiu colocar de pé o dito, acompanhado de um variado programa turístico-cultural que, a crer nos documentos em anexo que acompanham esta obra, terão agradado aos visitantes – pelo menos a alguns.

O sr. Pirandello foi, portanto, o convidado de honra do evento. Bernard Shaw, outro nome grande anunciado, desculpou-se com o cansaço da viagem efectuada recentemente à URSS. Talvez estivesse ainda abalado pelas mistificações que lhe tinham oferecido durante as viagens ao país dos sovietes, ao nível dos melhores encenadores. Assim sendo, o centro das atenções acabou por ser o dramaturgo italiano. E com razão, pois nesta altura era já um dos maiores da literatura mundial.

E é sobre esta visita de dez dias que se debruça esta obra. Mas é também sobre muito mais. Desde logo sobre a peça “Um Sonho (mas talvez não)”, estreada em Portugal nessa data. Que era um país atrasado – dizem –, mas conseguia realizar estas coisas sem necessidade de financiamentos externos ou manobras diplomáticas. Uma estreia que, naturalmente, cativou a intelectualidade indígena da altura, pouco habituada à cultura italiana. Ou a qualquer outra que não a francesa (substituída mais tarde pela inglesa, com igual proveito e deslumbramento provinciano).

Mas é também de outras artes e outros nomes que se faz “Com um sonho na bagagem”, o livro de Maria José de Lencastre que temos aqui em mão. O cinema de Manoel de Oliveira, que teve no sr. Pirandello um espectador interessado. Ou o drama estático de Fernando Pessoa, e seus paralelismos com a produção pirandelliana. Ou a crítica nacional e a presença do Mestre nas salas de teatro portuguesas antes de 1931. E ainda uma entrevistazinha com aquele e que serve, sobretudo, para nos dar a conhecer as suas opiniões acerca da literatura da época.

Enfim, um trabalho original e valioso, numa área que não é caracterizada propriamente pela quantidade de títulos. Refiro-me aos estudos italianos, pois.