Estado Islâmico abre guerra em Moçambique

O Estado Islâmico está a atacar em Moçambique, na região de Cabo Delgado, massacrando a população, parte dela em fuga descontrolada. Vivem-se momentos de verdadeiro terror causado por um grupo ‘jihadista’, especialmente depois de terem sido encontradas jazidas de petróleo e gás na costa. Em Lisboa, o ministro Gomes Cravinho garante que Portugal está pronto para prestar auxílio ao antigo território ultramarino.

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O primeiro SOS foi lançado pelo Bispo de Pemba, D. Luiz Fernando Lisboa, que em tom desesperado relatava que os grupos ‘jihadistas’ armados, de cara tapada, “queimam casas, matam pessoas e decepam cabeças”. Em entrevista ao jornal ‘Plataforma’, D. Luiz descreveu o terror na província moçambicana de Cabo Delgado, onde em pouco mais de dois anos grupos armados já mataram mais de 1.100 pessoas, e existem mais de 200.000 deslocados que precisam de ajuda humanitária.

“O que a população está a sofrer é uma coisa inominável, muito difícil mesmo”, diz o Bispo de Pemba, que a partir do teatro de guerra dá a voz por uma população que foge das suas aldeias e procura abrigo em centros urbanos, passando dias no mato, sem saber onde se esconder. O Prelado pediu a todos os missionários e freiras que abandonassem a região, tendo ele ficado para coordenar a ajuda humanitária e dar voz à denúncia.

D. Luiz frisa que o “medo” comanda a vida em Cabo Delgado. Refere que os ataques tiveram início há cerca de dois anos e meio, mas ultimamente ganharam ritmo e dimensão assustadores, com “vários ataques em simultâneo”, em aldeias distantes umas das outras, “o que dificulta ainda mais” a acção da polícia e dos militares moçambicanos, explica D. Luiz.

“Desde o começo”, a violência dos ataques praticados pelos grupos armados, de cara tapada, “demonstra que, mais do que conquistar território pela força das armas, estes homens lançam o pânico, com o objectivo de fazer com que as pessoas fujam e abandonem as aldeias onde vivem” frisa.

Face a esta situação, o Bispo de Pemba lançou ao Mundo um apelo para que se reforce a ajuda humanitária e a solidariedade internacional. A referência do Papa Francisco à “grave crise humanitária” que se vive Cabo Delgado, feita na bênção Urbi et Orbi do último Domingo de Páscoa, é encarada como natural pelo Bispo de Pemba, que considera que o Sumo Pontífice veio dar maior visibilidade à tragédia que se vive naquela província do Norte de Moçambique.

Novos confrontos

O último fim-de-semana ficou marcado por novos confrontos armados na vila de Mocímboa da Praia, em Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, que implicaram mortos e voltaram a provocar a fuga da população, três meses depois de uma invasão por guerrilheiros islâmicos.

Os militares moçambicanos combateram grupos armados que se supõe serem os mesmos que em 23 de Março ocuparam a vila costeira durante um dia, numa acção depois reivindicada pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico.

Este foi o maior confronto de que há relato em Cabo Delgado desde a ocupação por insurgentes da vila de Macomia, entre 28 e 30 de Maio, e consequente confrontação com as forças de defesa e segurança moçambicanas.

Mocímboa da Praia é uma das principais vilas da província, situada 70 quilómetros a sul da área de construção do projecto de exploração de gás natural conduzido por várias petrolíferas internacionais e liderado pela Total.

A violência armada dos últimos dois anos e meio já terá provocado a morte de, pelo menos, 1.100 pessoas e uma crise humanitária que afecta mais de 200.000 residentes. As Nações Unidas lançaram, no início de Junho, um apelo de 35 milhões de dólares (30 milhões de euros) à comunidade internacional para um Plano de Resposta Rápida para Cabo Delgado para ser aplicado de Maio a Dezembro, mas o mesmo ainda está a marcar passo.

Portugal apoia

Face a esta situação, Portugal está disponível para ajudar na crise de Cabo Delgado. O ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, já admitiu o apoio de Portugal a Moçambique face à ameaça dos grupos armados no Norte do país, mas qualquer acção portuguesa depende de um pedido do Governo de Maputo.

“Não existe na União Europeia (UE) e na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) qualquer ideia de uma intervenção de apoio, mas isso poderá vir a justificar-se se houver impulso nesse sentido da parte do Governo de Moçambique”, afirmou João Gomes Cravinho numa recente audição parlamentar na Comissão de Defesa.

Na comissão, dois deputados, do CDS (João Gonçalves Pereira) e do PS (Manuel Afonso), colocaram perguntas sobre a “situação complexa” em Moçambique e questionaram, pela segunda reunião consecutiva, o ministro da Defesa sobre a posição portuguesa face aos acontecimentos de Cabo Delgado.

“Logo que possível”, o titular da Defesa assegura que irá a Moçambique “com essa preocupação em mente”, além de outros pontos na agenda, e que Portugal tem “a disponibilidade para apoiar, na medida que os moçambicanos considerem que é possível e útil”. E “poderá incluir o apoio diplomático” a Moçambique “no seio da União Europeia e CPLP”, concluiu.

Como já afirmara durante uma reunião da Comissão de Defesa em Maio, João Gomes Cravinho afirmou que a situação no Norte de Moçambique “é delicada”. Há, descreveu, “um envolvimento muito significativo de forças ‘jiadistas’, que estão a aproveitar-se das fragilidades da capacidade de resposta do Estado moçambicano e das conflitualidades que existem na região de Cabo Delgado, e que foram intensificadas em função da descoberta de petróleo e gás na costa” daquela província.

Outra questão fundamental, para o Ministro da Defesa, é o “profundo respeito pela soberania” de Moçambique, e que “qualquer iniciativa ou proposta”, “qualquer desenho” de apoio internacional tem de contar “com a liderança” do Governo de Maputo.

À espera de
Moçambique

O ministro João Gomes Cravinho recordou que o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, já disse ser “importante ter o apoio de parceiros internacionais, sem pormenorizar”. Por outro lado, em Maio passado, e face a ataques de alegados grupos associados ao Estado Islâmico, o Ministro da Defesa português foi cuidadoso ao referir que “aquilo que se passa no Norte de Moçambique não tem ainda contornos muito claros”.

Refira-se que Moçambique ainda não tomou uma posição definitiva sobre a situação em Cabo Delgado. Em Janeiro, pouco depois de tomar posse como ministro da Defesa, Jaime Neto pediu aos moçambicanos “confiança” na capacidade das forças de defesa e segurança no combate aos ataques armados nas regiões Centro e Norte de Moçambique. 

Em 15 de Maio, o Ministro do Interior de Moçambique, Amade Miquidade, também disse que as forças de defesa e segurança moçambicanas foram obrigadas a adaptar a sua estratégia e meios para enfrentarem os grupos armados que atacam no Norte do país. O MAI de Moçambique também não deu mostras de que o país vá avançar, pelo menos para já, com um pedido internacional de ajuda para a resolução da situação de Cabo Delgado.

Refira-se que Cabo Delgado é uma região onde estão a ser implantados megaprojectos para a extracção de gás natural, o que faz com que a zona tenha assumido um interesse estratégico acrescido.

O objectivo ‘jihadista’ parece claro. Falta apenas esclarecer: quem arma e financia as brigadas assassinas?■