Há ainda quem se mantenha fiel à ideia, ou à afirmação, de que o amor da liberdade, ou o seu triunfo, provém da Revolução Francesa, que, afinal, naquilo que teve de bom, apenas traduziu os Evangelhos, por vezes em calão de baixo coturno. Outros transferem tal origem para a Revolução Russa, para o “5 de Outubro”, ou para o “25 de Abril”.
Outros mais, actualmente quase todos, na ignorância plenária característica dos tempos que correm, a qual, por desgraça, nem poupou muitos constelados de mercês, até universitárias, já não cuidam das origens, ou da razão, seja do que for; salvo do que possa proporcionar-lhes vantagens materiais fartas e imediatas. No meio dessa ignorância plenária, aparecem escrevinhadores, blasonando de eruditos, que, na sua busca de antecedentes remotos e ilustres para instituições recentes, vão repetindo que os regimes democráticos já foram adoptados nas antigas cidades gregas, sábias e prósperas.
Esquecem-se esses mesmos escrevinhadores que, naquelas cidades, as votações e outras participações nos governos e na administração respeitavam exclusivamente aos membros das comunidades políticas activas, cujo ingresso era concedido aos supostos descendentes dos fundadores das próprias cidades. Em consequência, essas democracias acabavam por incluir apenas núcleos aristocráticos, pelo modo de viver e pelo dever de servir, ligado à participação nos corpos armados e nas magistraturas.
Mesmo assim, segundo os escritos da época, esses regimes, limitadamente democráticos, costumavam perder-se em discussões estéreis, sendo substituídos por ditaduras. E os celebrados sábios da Grécia, reduzidos à escravidão, foram distribuídos pelas famílias romanas, como secretários dos seus chefes ou como preceptores dos seus meninos.
Felizmente, o amor da liberdade, ou das liberdades possíveis, conservou-se, através de inúmeras adversidades, e com algum sucesso, sempre que a autoridade e a ordem souberam servir esse ideal constante dos povos, em conformidade com as imposições da natureza. Sob rótulos democráticos ou sem eles, no escrupuloso respeito da legitimidade do poder político e das suas justas limitações.
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