O PS não perdeu tempo a espalhar cartazes com a frase “2,1%: o défice mais baixo da nossa democracia” para propagandear a suposta “boa gestão” socialista do erário público. Só que José Sócrates vangloriou-se exactamente do mesmo em 2008. Nessa altura, os números reais estavam mascarados por medidas temporárias e truques estatísticos, e apenas três anos depois Portugal entrou em bancarrota. Os sinais, hoje, tal como então, são preocupantes.
Corria o ano de 2008, e José Sócrates, então primeiro-ministro de Portugal, proclamava de forma triunfal no Parlamento que os números das contas públicas eram “bons resultados, muito positivos e que superam todas as melhores expectativas”. Na boca do então líder socialista, o défice de 2,6 por cento representava “o valor mais baixo da democracia portuguesa”, concluindo que “ainda está para nascer um primeiro-ministro que tenha feito melhor no défice”. Na realidade, o número verdadeiro, sem truques estatísticos, encontrava-se acima dos 3 por cento, mas só se descobriu depois.
Uma década mais tarde, outro Governo socialista anuncia com pompa e circunstância que conseguiu alcançar “o défice mais baixo da nossa democracia”, tendo até espalhado cartazes com esse “facto” por todo o País, coincidentemente em ano de eleições autárquicas.
Mas o teatro político que estamos a ver representado à nossa frente não é novo. O Governo socialista liderado por Sócrates passou anos seguidos em confronto com a oposição, com os economistas e com o FMI sobre os números reais do défice. Em 2009, ano de eleições, a promessa começou por um défice de 5,9 por cento, valor que pouco após o sufrágio foi revisto para 8,7 por cento, e depois para 9,3 por cento. Somente em 2011, quando o Governo da coligação de direita e o FMI abriram os ‘dossiers’ do Governo socialista, é que descobriram o valor correcto: uns catastróficos 9,8 por cento.
Em inícios de 2011, Sócrates dirigiu-se às televisões para anunciar de forma triunfal “dados que superam as nossas expectativas” e que, segundo ele, iriam permitir ao défice de 2010 “claramente ficar” abaixo dos 7,3 por cento e que o apuramento preliminar lhe permitia “concluir que não há grandes desvios”. Concluiu mal, pois o défice subiu até aos 11,2 por cento, o maior buraco das contas da história do actual regime, e mesmo de quase todos os regimes que governaram Portugal.
Hoje, enquanto o PS celebra nas ruas o seu “défice histórico”, já a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) fez a primeira revisão em alta, prevendo que o valor real do défice se situe verdadeiramente nos 2,3 por cento. E veremos se será este o valor definitivo.
Ignorar quem avisa
Apesar de todos os problemas económicos, as “cassandras” de serviço, no entanto, nunca beneficiaram de apoio popular, mas no fim tiveram a infelicidade de ver os seus receios tornarem-se realidade. Bagão Félix, ministro das finanças de Durão Barroso, afirmou que não acreditava na veracidade dos números do défice de Sócrates, e que se arriscava a dizer que “um défice actual de oito por cento equivale, em termos comparáveis, a um défice de 11, 12 ou 13 por cento há 15 anos”. Estava certo, até mesmo no exemplo sugerido, mas mesmo assim a população, sempre hipnotizável pelas melodias da moda, ofereceu um segundo mandato a José Sócrates em 2009.
Para esconder o défice, Sócrates deu uso a um conjunto de medidas orçamentais criativas, como transformar serviços públicos em “entidades públicas empresariais”, e cujas despesas não apareciam no défice, ou então adicionava os fundos de pensões privados à Segurança Social. Outros “truques” envolveram a alienação de património, muitas vezes vendido a empresas do Estado, que depois arrendaram espaços… ao Estado, ou o infame abuso das Parcerias Público-Privadas.
Hoje, os avisos da oposição e dos especialistas são similares, estimando que o número real do “défice mais baixo da nossa democracia” se situa na verdade acima dos três por cento declarados por Costa e Centeno. Estando as contas sob um maior escrutínio das entidades europeias, o actual primeiro-ministro recorreu a medidas excepcionais como o atraso do pagamento aos fornecedores das escolas e dos hospitais (dinheiro que terá de ser pago, mais tarde ou mais cedo) e um “perdão fiscal”.
A presidente do Conselho de Finanças Públicas, Teodora Cardoso, foi a primeira a colocar algum travão na festa socialista: “O problema está em que isto não é sustentável. Estes tipos de medidas não são sustentáveis”. A economista sublinhou que os mercados têm noção de tal facto, e que é essa a razão pela qual os juros da dívida não descem dos quatro por cento a dez anos, o que impede que o ‘rating’ de Portugal seja elevado do seu actual estatuto de “lixo”.
Mas Costa não se mostra preocupado, e afirma que os mercados vão começar a aperceber-se da “realidade da economia portuguesa, designadamente no que respeita à execução orçamental, à redução da dívida líquida e ao facto de termos um dos maiores saldos primários da União Europeia”.
Sócrates também não considerava que as suas políticas tivessem algo a ver com a subida dos juros, simplesmente considerando em 2010 que a astronómica taxa de juro de 6,4 por cento se devia apenas “a motivos especulativos em torno do Euro e não têm nada a ver com Portugal”, apesar das sucessivas revisões da dívida pública e do défice a pedido da UE revelarem um buraco orçamento cada vez maior.
Eduardo Catroga chegou a afirmar que “o Governo não sabia qual era o défice de 2010 e 2009” e que “José Sócrates vivia num mundo irreal, sem consciência de que o financiamento fácil tinha acabado e, mais mês, menos mês, teríamos uma crise de liquidez e de finanças públicas”.
No dia 5 de Abril de 2011 os investidores já exigiam juros de nove por cento para comprarem dívida portuguesa, um valor absolutamente insustentável. A dívida pública já superava os 100 por cento do PIB, valor que apenas seis anos antes se encontrava nos 60 por cento. A economia, estagnada, caminhava para uma longa e profunda recessão.
Apenas três anos após anunciar em triunfo o défice mais baixo da história da III República Portuguesa, no dia 6 de Abril, às 20:38, José Sócrates, ainda primeiro-ministro de Portugal, anunciava à Nação que era necessário fazer um humilhante pedido de ajuda externa para o Estado não ficar sem dinheiro para pagar pensões e salários.