[avatar user=”venturini14″ size=”thumbnail” align=”left” /]Jalal, o bom, ocupava-se do seu elefante Jamal, o belo, desde que este ficara órfão, apesar de ter toda uma vasta família com muitas irmãs, tias e primos com quem continuara a conviver.
Mas o certo é que se tinham afeiçoado muito, talvez porque Jamal tivesse sentido no seu imenso coração o afago das lágrimas que Jalal chorara abraçado a ele, junto da sua mãe, subitamente ali caída, sem apelo nem agravo. E Jamal, o belo, percebera o quanto Jalal, o bom, o entendia, tendo também ele sido privado de colo em idade tenra demais para discernir a catástrofe que lhe acontecera.
Fosse como fosse, mal o sol corria o cortinado de bruma e desafogava o horizonte, lá chegava o Jamal no seu passo apressado, solto e alegre, num frenesim de urros, alertando o amigo da sua chegada, e o Jalal desestremunhava-se de olhos acesos, antecipando as cabriolices que o dia lhes traria.
Os anos foram passando e ninguém na aldeia já estranhava ver ao longe o Jamal em longas e pacientes sestas enquanto o Jalal estudava, nem as longas ausências dos dois quando o jovem era convidado para algum passeio da grande família.
Nas redondezas e mesmo nas aldeias mais longínquas, as gentes falavam do guardador de elefantes que viam passar no horizonte, como uma esfinge erguida sobre um vasto trono cinzento e ondulante. Não tardaram a surgir contos e lendas pois os guardadores de elefantes eram raros naquelas regiões e aquele mais parecia ser guardado do que guardar.
Diziam que Jalal sabia falar a língua deles, que comunicavam à distância e que a tribo jejuava quando ele adoecia, fazendo vigílias às portas da aldeia. Contavam até que quando lhe morreu o pai, desfilaram diante da sua casa, num silêncio surdo e rouco de terra tremente, saudando-o no seu luto.
Quando chegou a hora de Jamal, o belo, ir deixando a família, Jalal, o bom, interrogou-se. O companheiro de há doze constantes anos iria ser um jovem solitário como tantos ou reunir-se-ia a outros adolescentes, criando para si uma nova vida noutras paisagens? Talvez devesse afastar-se para que ele se sentisse completamente livre para tomar a sua decisão. Não tinha acabado a época seca e já ele percebera que o Jamal decidira pelos dois.
Os anos continuaram a desdobrar-se por longas derivas entre riachos e lagos, por conversas que só eles entendiam e por breves separações – o Jamal ia deixar o Jalal à sua aldeia quando chegava a hora de ir tratar da sua vida. Depois, de longe, avisava-o do seu regresso e o mundo voltava a ser só deles.
Quando o Jalal casou, já as separações eram mais longas, mas sempre tinham reencontro. Um dia convidaram-no para um lugar como professor na cidade grande – um belo ordenado, casa e até jardim.
O Jalal lembrou-se da história maravilhoso de um outro Jalal e de um outro Jamal. Limitou-se a sorrir e a responder: “Sou o guardador de um elefante. Se não houver lugar para o elefante, como poderá haver lugar para o guardador?”