…Fado?

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Vem, asa de gaivota!, e desenha o que puderes… O céu só tem a cor dos dias que compuseres e se é azul, vermelho, a roxo cintilado depende tão-só do rastro, do esquisso, de um voto alado que possas enfeitiçar, desenhar, cumprir no ar. Vem, asa de gaivota!, e desenha o que puderes que neste céu já não há nem sequer saber… Entre o viver e o morrer é tudo um recomeçar, um ir devagar, um evitar morrer, um desenhar que se possa. Vem, asa de gaivota!, canta, lança-te, sem medo, sem mistério nem segredo, sem quereres saber o fim. Desenha-te só assim, sem perguntas nem respostas. Não importa se entendes nem sequer se é o que gostas: és asa – voa, revoa, mas segue sem te deteres. Vem, asa de gaivota!, e desenha o que puderes…

Cantou-se. Outros diriam que cumpriu-se. Outros, talvez, que alguém ressurgiu. São vozes, meu amor. São vozes. Que ouves e não ouves. Mas nada importa: sussurros e ruídos na sombra de jardins, na cauda de cometas, alaridos. Plasmo-me ou invoco-me, sempre sem meio termo. Entre sóis e luas, há quem conte planetas e estrelas. Outros, oásis ou os mais ermos desertos. Não importa. Cantou-se. Outros diriam que cumpriu-se.

(Viro o Universo do avesso. Com o cuidado de não deixar as mangas amarrotadas, mal dobradas, desconfortáveis à vista e ao vestir. E quando se canta, meu Deus quando se canta!, não há alinhavo que resista, bainha que permaneça em estado inócuo, virginal, “rematado”. Mas é só avesso o Universo que viro mas que afinal é o meu. Resta saber de que lado. E já não sei se sou eu quem vira o Universo do avesso ou se o meu Universo é mesmo este avesso sem verso, nem rima, nem medida. Mas como se cantou! Mas como se espraiou em todos os meus horizontes! Mas como se cumpriu! E agora? – … um resíduo de espuma na areia ainda traz um canto de gaivota, um grito de tempestade, um resquício qualquer da verdade deste avesso.)

São vozes, meu amor, são vozes. Tricoto a noite a duas mãos. Estranhamente, a uma cor apesar das vozes. Que ouves e não ouves. Mas nada importa. À minha volta, um espaço. Fluido, quase real. Neste avesso tremendamente universal, quantas vezes o vazio não é só traço? Ambiguidades de avesso. E a pergunta será sempre, sempre a mesma: é tudo fim? é tudo recomeço?

Alguém ressurgiu. Num silêncio profundo, no outro lado de um estertor nauseado, numa solidão raiada de presenças mas nem por isso menos saudade nem menos ausência. Alguém ressurgiu. Um esboço de asa de gaivota resistiu e voou. Ah como voou! Sem se preocupar em saber sequer se era avesso, cosmos, caos ou tropeço no inebriamento simples de um simples renascer. Cantou-se, meu amor. Anunciou-se. Há uma asa nova com sede do mar todo.