Essa Faculdade, como logo de seguida acrescenta, “em dois grandes grupos se dividia” – “liderado um por Teixeira Rego, que podia ter sido bom matemático e físico – ouvi-o propor a teoria da luz de Broglie antes de Broglie — e ensinava filologia, pois ainda se não tornara ciência ou moda ser pedante em linguística…”; “o outro por Leonardo Coimbra, que podia também ter sido matemático e campeão remador, como Rego de ténis, e ensinava filosofia, ou antes, que isso era o certo, vivia filosofia, com muita agudeza e saber, como mestre, e muita angústia e caminhos torcidos, como homem, dando nota boa a quem se interessava e a quem se não interessava pela matéria — tive distinção na turma destes, pois que era o indo-europeu de Teixeira Rego meu pasto favorito —; tudo no Café Majestic, como o filólogo na [Livraria] Lelo.”.
Eis, aqui, um testemunho confirmado por muitos outros: Agostinho da Silva sempre se sentiu mais próximo de Teixeira Rego, mas, apesar de nunca ter sido “leonardesco”, como chegou a dizer, bastas vezes evocou o magistério de Leonardo Coimbra – daí, nomeadamente, estas suas palavras: “Era a largueza de espírito do Leonardo que tinha formado aquela Faculdade. Ali se percebia por que razão uma instituição universitária não é tão importante como, muitas vezes, se julga. Ele confiava nalguma outra coisa que não eram os regulamentos, as notas, as pautas e essa trapalhada toda” (in Jornal de Letras, 12 de Janeiro de 1987). Ao longo da vida, irá, com efeito, reiterar que essa “era uma Faculdade sem uma organização rígida e em que se dava muito mais atenção a quem elaborava perguntas do que a quem fornecia as respostas que vinham nos manuais” –, nunca esquecendo não só Leonardo Coimbra – “um boémio do pensamento (…), um homem capaz de atitudes que os catedráticos não tomam” – como, sobretudo, Teixeira Rego – “uma das pessoas mais inteligentes que conheci” (ver, a esse respeito, a nossa obra: Perspectivas sobre Agostinho da Silva, Lisboa, Zéfiro, 2008, p. 62).
Ora, é precisamente nesse contexto estudantil que Agostinho da Silva evoca o seu colega – apenas dois anos mais novo: “Nunca vi ninguém estudar tanto e tão seriamente como Casais naquela Biblioteca Municipal do Porto, que conservava no acervo e na atitude a lembrança de um Herculano, de um Rocha Peixoto, de um Martins Sarmento ou de um Sampaio (Bruno), este último educador do próprio Teixeira Rego, que fisicamente acabara por se parecer com seu Mestre. Já era o Casais daquela altura e daquela longa cabeça que o Brasil veio a conhecer, mas quase ficava oculto pelas pilhas de livros que requisitava de cada vez e que lia com voracidade e velocidade, muito antes de terem aparecido os métodos americanos de correr num segundo as páginas pares e adivinhar por elas as páginas ímpares; que lia, entendia e digeria em alimentação própria, sempre com um belo jeito de não ter grandes notas, como que a reservar-se para dar a sua medida na grande e difícil vida que o esperava.”. ■
Agenda MIL – 20 de Dezembro, na sede da SEDES: I Encontro do Observatório SEDES da CPLP/ VIII Congresso MIL da Cidadania Lusófona, com Entrega do Prémio MIL Personalidade Lusófona 2022 a Jorge Carlos Fonseca (ex-Presidente de Cabo Verde).