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É uma piada comum entre o povo brasileiro: “O Brasil é o país do futuro – e sempre o será…”.  Tendo em conta as sucessivas oportunidades que passaram ao lado da maior nação da América Latina, não é de estranhar o desencanto dos brasileiros, sistematicamente ludibriado por uma classe política venal. As últimas décadas são uma prova disso: Lula da Silva e o seu Partido dos Trabalhadores estão no centro da desgraça e da corrupção que assola “o país do futuro”.

É uma história digna de Hollywood. Talvez ainda um dia venha a ser filmada a narrativa de como um líder sindical formou um partido marxista, que virou radicalmente para o centro, ganhou umas eleições presidenciais após 16 anos a tentar, e ainda deixou uma sucessora para lhe “aquecer” o lugar. Hoje, uma sucessão de escândalos abala o Brasil, a economia está estagnada e o futuro desta enorme nação parece estar em risco.

Dilma Russeff, a “Presidenta” recentemente derrubada tem, certamente, a sua quota-parte de culpa neste drama. Mas é preciso ir mais fundo, ao pecado fundador. Dilma não era a presidente durante uma boa fase em que o “Petrolão” decorreu, mas sim Lula. E antes do Petrolão houve o Mensalão, envolvendo o mesmo partido.

O livro “O Chefe”, de Ivo Patarra, é tudo o que Lula menos desejava: revela-nos um mundo sórdido de troca de influências, de uma presidência pronta a tudo fazer para manter o poder. Para se compreender Dilma, para se compreender a era das esquerdas populistas no poder, que abrangeram também o Portugal de Sócrates, a Venezuela de Chávez, a Argentina de Kirchner, é necessário compreender Lula, pois ele foi, e há quem diga que ainda é, “O Chefe” do Brasil.

Quem é, verdadeiramente, Lula da Silva?

Democracia e oportunismo

Portugal e o Brasil partilham uma curiosidade histórica comum: os actuais regimes, num país e no outro, descendem de regimes híbridos de ditaduras militares com toques de parlamentarismo.

No caso português, o regime militar estabelecido a 25 de Abril de 1974 foi relativamente “suave” mas, mesmo assim, o Conselho da Revolução serviu como “Senado” e tribunal supremo, com o poder de declarar a lei marcial no País a qualquer momento. Portugal só transitou calmamente para a democracia em 1982.

No caso do Brasil, a democracia chegou pouco depois, e também de forma gradual. Os militares tinham dado o seu golpe em 1964, e agora estavam a abrir mão do poder. Apesar de o poder executivo estar centrado no “conselho da revolução” local, manteve-se a existência de um congresso, apesar de apenas ter sido permitida a existência de dois partidos, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) que era a favor do regime militar, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), composto pela oposição.

Foi dentro deste movimento que foi incubado o Partido dos Trabalhadores, bem como o seu líder, Lula da Silva. De índole marxista, o PT sempre se conotou como oportunista, adaptando-se conforme lhe dava jeito.

Ainda se aproximou da URSS e da China, mas quando estes “comunismos” começaram a não ser tão populares, passaram a defender um socialismo de “terceira via”, ideologia vaga e populista que andou na moda pela América Latina do início do Século XXI.

A conquista do poder

Mas Lula ainda viria a sofrer desaires antes de conquistar o poder. Logo nas primeiras eleições directas para Presidente da República, realizadas em 1989, perdeu para Fernando Collor de Mello. Derrotado, mas não batido, tentou de novo, e o seu partido seguiu-o lealmente. Foi novamente derrotado, desta vez de forma estrondosa, por Fernando Henrique Cardoso.

Diz-se que à terceira é de vez, e o PT novamente seguiu o seu líder para mais uma corrida ao poleiro. À terceira não foi de vez, foi novamente derrotado por Cardoso, novamente à primeira volta, novamente por uma enorme diferença de votos.

A mensagem era clara: o povo não queria o marxismo do PT, e Lula compreendeu bem o que era preciso fazer. E avançou para a sua quarta, e inédita, candidatura a Presidente do Brasil. Para surpresa de muitos, assinou e publicou a sua “Carta aos Brasileiros”, em que prometia que, caso eleito, não alteraria a política económica do país. Uma enorme mudança para o líder de um partido que apenas 13 anos antes defendia a transição para uma economia socialista pura e dura.

Venceu: após 13 anos de espera, Lula era agora o Presidente da República Federativa do Brasil. Ainda a procissão ia no adro.

O caminho para o Mensalão

“O governo Lula é o mais corrupto de nossa História” – quem o disse foi Roberto Unger. Pouco depois, estava a ser convidado para participar nesse mesmo governo, como ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos.

E aceitou.

Este pequeno episódio revela a forma como Lula da Silva e o seu Partido dos Trabalhadores geriram quem se lhes opunha, e como geravam apoio: quando não conseguiam silenciar a oposição, simplesmente compravam-na.

No sistema parlamentar brasileiro é quase impossível um único partido alcançar uma maioria absoluta em qualquer das duas câmaras do Congresso Federal. Aliás, o PT só recentemente ultrapassou o Partido do Movimento Democrático Brasileiro como maior partido, e mesmo assim só conseguiu 17% dos assentos da Câmara dos Deputados.

Para governar, e como o Petrolão vem a revelar, Lula da Silva precisava de uma base sólida de apoio no congresso. Em favor dos seus planos militava uma circunstância especial: Lula tinha-se tornado Presidente de um país cuja classe política não é conhecida pela sua honestidade.

No dia 14 de Maio de 2005, um funcionário dos correios, empresa pública sob controlo do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), foi filmado a colocar uma soma significativa no bolso. A imprensa começou a investigar a origem do dinheiro, bem como o seu destino: começava o infame Mensalão, termo que tem origem na palavra “mesada”.

Esta “mesada” era paga a todos os deputados e senadores que votassem a favor das medidas introduzidas pelo poder executivo. O dinheiro estava escondido em dois bancos, um deles estatal, gerido na altura por Lula, e agora por Dilma, o Banco do Brasil, e o outro um banco privado, o Banco Rural, entretanto já liquidado, servido o seu propósito.

Do Mensalão ao Petrolão vai uma pequena distância, visto que o dinheiro usado para pagar aos congressistas provinha do contribuinte, como não podia deixar de ser. Em parte retirado das empresas públicas e, alegadamente, em parte recebido do governo cubano, este dinheiro era “lavado”, levantado em notas e entregue aos congressistas. Sabe-se que o PT chegou a prometer 150 mil reais, algo como 50 mil euros na altura, pelos votos favoráveis do Partido Trabalhista do Brasil (PTB).

O caso adquiriu contornos “hollywoodescos” de comédia, como foi o caso dos 100 mil dólares em notas (cerca de 100 mil euros na altura) encontrados nas cuecas de um assessor do PT, detido no aeroporto. Noutro caso foi encontrado um dos “centros operacionais” da quadrilha política num hotel da rede Íbis: no quarto estavam 1,7 milhões de reais (algo como meio milhão de euros) em notas de reais e dólares, prontos para serem usados pelo PT para comprar um dossier com informação confidencial sobre os políticos da oposição.

Noutro caso, sabe-se que o dinheiro era distribuído através de prostitutas, que trabalhavam numa mansão de Brasília chamada “A Casa dos Prazeres”. Numa cena que relembra a famosa novela “Gabriela”, os “coronéis” juntavam-se para as “festas” enquanto que as meninas lhes passavam envelopes contendo 50 mil reais (algo como 15 mil euros) de cada passagem pelo estaminé. Para elas ficava outro tanto, por “outros serviços prestados” e pelo silêncio. A ironia de o político corrupto e da prostituta receberem o mesmo não ficou perdida nos muitos programas de humor brasileiros.

As quantias era formidáveis, e o dinheiro provinha de todos os cantos, alegadamente até dinheiro veio de Cuba, cerca de 3 milhões de euros, escondidos em caixas de bebida, para financiar a campanha de Lula. No total, estima-se que podem ter estado envolvidos 100 milhões de euros só em subornos.

Mais tarde, várias figuras centrais, em especial o Presidente, alegaram desconhecimento de todos estes casos, o que levou Delúbio Soares, tesoureiro do PT tornado bode expiatório, a comentar ironicamente: “Não sei de onde imaginavam que o dinheiro viria – se do céu, puxado por renas e conduzido por um senhor vestido de vermelho – e menos ainda me recordo de que alguma preocupação com a origem desses recursos me tenha sido transmitida”.

Impunidade

Algumas das figuras mais poderosas do Brasil foram derrubadas por este escândalo. José Dirceu teve de abandonar o poderoso cargo de ministro da Casa Civil (o equivalente ao nosso ministro da Presidência do Conselho). Era visto como o possível sucessor de Lula, em vez de Dilma.

Outra figura de peso, forçada a demitir-se, foi o presidente da Câmara dos Deputados. O presidente do Senado, outro aliado de Lula, foi envolvido. No total, oito ministros do governo de Lula da Silva foram envolvidos nesta operação mafiosa, entre eles a ministra da Assistência e Promoção Social, o ministro da Previdência Social, o ministro das Minas e Energia e o referido José Dirceu, poderoso líder do Casa Civil.

E, no entanto, Lula escapou quase incólume. O ‘impeachment’ (ou seja, a remoção do cargo do Presidente) esteve iminente, mas os tentáculos da corrupção estavam por todos os lados. A oposição teve receio de lançar o país no caos, os partidos que apoiavam o governo recearam que os seus esqueletos no armário também fossem descobertos.

Lula mostrou “qualidades” que José Sócrates também já mostrou ter. Por um lado, alegou total inocência por desconhecer o que os seus subordinados e amigos andavam a fazer (mesmo que as suas acções o favorecessem imenso); por outro, passou ao contra-ataque, acusando os seus opositores de lançarem uma campanha negra contra si. Chegou a afirmar que a culpa da queda do presidente da Câmara dos Deputados não se devera à corrupção, mas sim a uma conspiração por parte da “elite paulista e do Paraná”.

Lula ainda era popular nesta altura, a economia do Brasil continuava a crescer, o povo ainda andava deslumbrado com o seu “herói”. Apenas a classe média parecia verdadeiramente interessada no que estava a acontecer, mas essa ainda era demasiado pequena para ter um impacto significativo.

Em 2010, Lula entregou os rumos do país a Dilma Rousseff, a sua chefe da Casa Civil, que havia substituído José Dirceu, entretanto caído em desgraça. Lula escapou-se, e até se murmurava que voltaria quatro anos mais tarde. Existem dúvidas de que alguma vez tenha saído.

Vinte e quatro pessoas foram condenadas a penas de prisão pelo seu envolvimento neste escândalo, oito das quais já foram libertados.

O livro “O Chefe” revela como o mundo sórdido da corrupção política funciona, como uma figura populista pode corromper todo o sistema institucional de uma nação, e como as suas acções podem continuar a ter impacto muito depois de deixar o poder.

Enquanto figuras como Lula o governarem, o Brasil nunca deixará de ser uma promessa, a superpotência de origem lusitana que falta cumprir. O futuro fica sempre para “a próxima vez”.