As “injustas” críticas ao governo

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Éfrequente chegarem-me aos ouvidos críticas oriundas de membros do Partido Socialista, de entre os mais racionais, de que sou um exagerado nas críticas que faço ao partido, ao Governo e a António Costa. Felizmente não dizem que minto; e quanto ao exagero talvez pudessem descrever onde e quando exagero. Por exemplo, quando o país inteiro pede, ou exige, esclarecimentos no caso da TAP, ao ponto de ter sido necessária a criação de uma comissão de Inquérito no Parlamento, qual a razão de o Governo não esclarecer os portugueses da verdade, uma vez por todas?

Por exemplo, tendo o computador de Frederico Pinheiro tão importantes segredos do Estado, qual a razão de o não terem retirado do gabinete do assessor logo que o ministro João Galamba o despediu pelo telefone e esperaram que ele, com a ajuda da PSP, o levasse do Ministério? Ou qual a razão porque não interveio a segurança do Ministério e os funcionários presentes se esconderam na casa de banho, perante um perigo tão evidente da perda do computador? Ou qual a razão das câmaras de segurança estarem desligadas? Ou qual a razão da chefe de gabinete ter telefonado ao SIS e não à PSP, nomeadamente quando os polícias que estiveram no Ministério saíram com o computador sem qualquer problema, nem mesmo um protesto dos funcionários presentes?

Infelizmente, as dúvidas não se ficam por aqui. Qual a razão porque o ministro, avisado da saída do computador, e sabendo onde se encontrava, não recorreu simplesmente à PSP ou à Judiciária e desatou a telefonar para o primeiro-ministro, para o ministro da Administração Interna, para a ministra da Justiça e para o secretário de Estado António Mendonça Mendes, aparentemente de forma tão desesperada? Ou porque, tendo a coragem de prometer dar três socos ao assessor, que é uma das versões, porque não foi ele próprio buscar o computador? Ou, finalmente, qual a razão do plano de reorganização da TAP ser tão secreto, dado que era conhecido dos vários funcionários da União Europeia que o discutiram em inúmeras reuniões com os funcionários portugueses? Ou por que razão o plano tem de ser escondido dos portugueses que andam a pagar a sua execução?

Ou ainda qual a razão do igualmente atarantado primeiro-ministro ter acusado Frederico Pinheiro do roubo do computador, quando este já prometera a sua entrega, como realmente aconteceu, mandando às urtigas o tão proclamado princípio de à Justiça o que é da Justiça e à política o que é da política? Ou qual a razão do Governo, que teria todo o interesse em manter fora do radar público tão insólitos acontecimentos, que levou o ministro João Galamba, ele próprio, a informar tudo e todos da sua versão rocambolesca sobre o que se passara?

Ou quais foram as razões para o ministro das Finanças e o ministro das Infra-estruturas terem despedido a CEO da TAP pela televisão e não o terem feito calmamente através dos meios próprios da Assembleia Geral da empresa? Ou qual a razão para evocarem um documento oficial que afinal não existia? Ou qual a razão de arriscarem pagar na Justiça uma forte indemnização à demitida senhora? Ou qual a razão porque, tendo sido escolhida a senhora francesa pelo Governo, como uma vantagem para a boa execução do programa de restruturação, a demitiram de forma tão gravemente inexplicável, para mais no momento em que a TAP teve resultados positivos e com as naturais implicações nacionais e internacionais?

Finalmente, qual a razão porque o primeiro-ministro considerou o que se passara naquela noite fatídica no Ministério das Infra-estruturas como um espectáculo deplorável, logo da responsabilidade do ministro, mas não aceitou a sua atempada demissão e colocou em causa o interesse nacional através de uma desnecessária ofensa pessoal e pública ao Presidente da República e ao normal funcionamento das instituições?

É ainda neste contexto que não posso deixar de notar que os senhores deputados da comissão de inquérito insistem todos em fazer as mesmas perguntas, afunilando por essa via a conclusão óbvia de que estes acontecimentos não são o resultado de um mero erro, que inclui naturalmente o erro dos responsáveis do SIS, mas o resultado do amiguismo pré-existente na grande família socialista e da visível incompetência do Governo dirigido por António Costa. Ou seja, não se trata de um ou de vários acidentes de percurso, mas a demonstração da incapacidade do Partido Socialista de originar Governos capazes de colocar o interesse nacional e o desenvolvimento económico do país à frente da defesa dos seus próprios interesses, seja os que resultam da corrupção, seja os da manutenção do poder a qualquer preço.

Também porque estando o país a viver uma invulgar desordem na Saúde, na Educação, na Justiça e no PRR, ou até na gestão da próxima vinda do Papa a Portugal, os partidos da oposição ainda não apresentaram um programa, uma estratégia, ou propostas globais sobre as alternativas em presença. Pode compreender-se que, em vista da continuada degradação do Governo do PS, exista a tentação de valorizar os casos e casinhos, mas essa não é a forma de mostrar aos portugueses e ao Presidente da República que existem alternativas.

Ainda qual a razão do Governo, passado apenas ano e meio de execução do PRR, já estar a alterar aquilo que decidiu antes e, infelizmente, sem lhe dar o foco necessário para que possa constituir a necessária alteração das políticas, nomeadamente económicas, do Governo? E por falar de economia, não posso deixar também de me surpreender perante uma certa incapacidade das oposições de mostrarem aos portugueses que o chamado sucesso económico de um crescimento de 2,6% em 2023, proclamado pelo Governo, é mais uma falácia, nomeadamente em vista das mais de duas décadas de estagnação económica e do consequente atraso em relação aos países de maior dinamismo da União Europeia.

Os Governos de António Costa já estão no poder há mais de sete anos, tempo em que os partidos da oposição não ultrapassaram ainda a fase das críticas, mesmo que justas. Ora, já é tempo de as oposições mostrarem uma verdadeira estratégia para o crescimento económico e para a resolução dos graves problemas sociais existentes, bem como para a mera gestão dos diferentes sectores da governação. Talvez seja tempo de o PSD mostrar ao país um Governo Sombra, no caso de serem capazes de escolher pessoas que mostrem uma clara diferença de qualidade relativamente às presentes incompetências do PS e não apenas os habituais membros do aparelho que abundam em todos os partidos. De preferência pessoas com provas dadas nas empresas, nas universidades e na economia, quer no país, quer no estrangeiro.

Nota: já depois de ter escrito este texto, li no jornal “Público” de sábado 3 de Junho dois excelentes textos que mostram de forma ainda mais clara o que aqui se diz. Trata-se de um texto de António Barreto que glosa a defesa preferida dos acusados pela justiça de que têm “a consciência tranquila” e um segundo texto do jornalista João Miguel Tavares, que de forma um tanto humorística retrata a capacidade de efabulação dos diversos intervenientes.