Entre Eduardo Lourenço, José Marinho e Agostinho da Silva (I)

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Sendo, desde logo, o nosso descentramento de cariz espacial, geográfico – daí a nossa “situação finistérrea” –, ele é também, senão sobretudo, um descentramento de cariz temporal, histórico. Como escreveu José Marinho, esse descentramento histórico é de tal modo acentuado que “nos pensadores de maior consciência teorética ou especulativa, emerge o pensamento português alheio ao tempo da modernidade”.

Para muitos, justifica-se esse desfasamento pelo nosso proverbial “atraso”. Para esses, estranho seria, aliás, que, estando Portugal “atrasado” em relação aos mais “avançados” países da Europa nos mais diversos domínios, não o estivesse também no domínio da filosofia. Para esses, a par de um défice económico, social e político, deve pois mencionar-se um défice cultural, senão mesmo civilizacional, que, por sua vez, se consubstancia num alegado défice filosófico. Eis, em suma, a opinião mais generalizada e, dir-se-ia, a mais “sensata”.

Não propriamente por ter “prazer em discordar” – prazer esse que, aliás, assumiu não ter – não é essa, contudo, a visão de Marinho. Daí, desde logo, esta sua dúvida, esta sua interrogação: se Portugal, enquanto essa “região espiritual, a mais agudamente cristã da Europa, que os nossos ‘inteligentes’ desde Luís António Verney vêm considerando a mais atrasada, a mais improgressiva (…), não será, noutro sentido, a mais adiantada, a que primeiro tentou a grande aventura da terra, esgotou os caminhos e ficou à espera que a experiência humanista chegasse à nova encruzilhada”.

Ensaiemos aqui defender essa perspectiva. Não porque, em certos domínios, a situação de Portugal não seja de “atraso”, ou, pelo menos, de “desfasamento”. No entanto, esse “desfasamento” pode, desde logo pela distância que gera, fazer emergir uma visão mais funda. Eis, ainda, o que José Marinho expressamente defende – nas suas palavras: “Separados dos caminhos da Europa, o que não é coisa a lamentar liricamente ou a verberar polemicamente, os portugueses têm por vezes sinais inequívocos do que pelo mundo vai.”. Nessa medida, esse nosso “desfasamento” não tem, pois, que ser visto como uma “insuficiência” ou como uma “impotência”, mas como algo que nos pode – sublinhe-se, o “pode” – fazer ver mais fundo, mais longe…

Agenda MIL – 27 de Maio: Colóquio de Homenagem a António Quadros nos 100 anos do seu nascimento, em parceria com o ICEA: Instituto de Cultura Europeia e Atlântica (para mais informações: www.movimentolusofono.org).