Os debates do nosso descontentamento

“Nenhum dos políticos em questão apresentou uma estratégia devidamente estruturada para o desenvolvimento do país. Nenhum clarificou, no quadro europeu em que nos situamos, qual o papel próprio e específico que pretende para Portugal!”

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© shutterstock / Lightspring

Estão a chegar ao fim os debates entre os responsáveis dos diferentes partidos políticos representados na Assembleia da República e o balanço a efectuar é francamente confrangedor.
Os intervenientes têm, de um modo geral, evidenciado uma postura pessoal pouco edificante.
Ao nível verbal, a falta de respeito pelos adversários e pelos moderadores tem sido uma constante, bem como a utilização de uma linguagem nem sempre polida e que, por vezes, roça mesmo a falta de educação.
Ao nível gestual também não se pode dizer que a cortesia, o respeito pelo outro e a cordialidade tenham sido as tónicas dominantes.
Trejeitos de menosprezo, olhares de ódio e poses de altivez e arrogância têm-se evidenciado com frequência.
Os candidatos a representarem os portugueses no próximo governo e/ou no Parlamento têm estado manifestamente preocupados em menorizar os seus adversários, ao invés de se dirigirem aos eleitores, apresentando-lhes propostas concretas e distintivas, sem menosprezar as eventuais pontes de convergência com os seus oponentes.
O exemplo de urbanidade tem estado arredado dos debates, pelo que, no dia 10 de Março, qualquer comentário pós-resultado eleitoral destes políticos sobre um eventual nível elevado de abstenção será um puro acto de hipocrisia e estupidez.
Os intervenientes nos debates têm tido, em geral, uma fraca prestação, deturpando, omitindo e/ou mentindo descaradamente, sem apresentarem um real caminho novo para o país.
Propostas soltas, com um fito tacitamente eleitoralista, tem sido a pedra de toque dos debates.
Um cidadão mais atento e/ou exigente, tem sérias dúvidas sobre o futuro de Portugal nos próximos quatro anos!
Nenhum dos políticos em questão apresentou uma estratégia devidamente estruturada para o desenvolvimento do país. Nenhum clarificou, no quadro europeu em que nos situamos, qual o papel próprio e específico que pretende para Portugal!
Do que se tem conseguido depreender nos debates é que o país irá continuar a pedir dinheiro a Bruxelas para levar a cabo algumas mudanças ou iniciativas, mantendo-se ou mesmo reforçando-se a lógica da subsídiodependência face à UE.
Em concreto, eis aqui alguns domínios relevantes da vida do país que foram negligenciados ou mal aflorados:
– Energia – quais as soluções técnicas potenciadoras da independência do país e diminuição da factura dos cidadãos… voltar ao carvão, priorizar a energia verde ou tentar o nuclear?;
– Transportes – iremos manter um país com importantes capitais de distrito sem comboios? Qual o plano rodoviário para a ligação rápida dos três principais aeroportos ao interior do país? Beja continuará um elefante branco perante os interesses do
“lobby” das obras públicas?
– Água – qual a ideia para tornar o país menos dependente dos cursos de água com origem em Espanha? Para quando uma vincada aposta nos projectos de dessalinização com distribuição/irrigação subsequente?
– Reforma do Estado – para quando a diminuição drástica do número de concelhos e freguesias num país tão pequeno? E a eliminação de Institutos, Fundações e outras entidades inúteis, sugadoras do dinheiro dos contribuintes? Para quando o deferimento automático dos diferentes requerimentos dos cidadãos face à falta de resposta atempada dos diferentes serviços do Estado central e local?
– Saúde – qual a configuração a dar ao SNS? E a responsabilização real dos seus dirigentes políticos e operacionais? Para quando a uniformização do sistema de assistência? Aposta-se ou não em força no cheque-saúde ou similar, deixando ao cidadão a liberdade de escolha da sua opção assistencial?
– Educação – a recuperação do tempo de serviço dos professores agora prometida por todos (até pelos que sempre a negaram!…), se bem que mais do que justa e urgente, esgota a intervenção do Estado neste domínio? Aparte uma ou outra referência à necessidade de reposição da disciplina e da dignificação dos docentes, o que está na agenda dos candidatos em termos curriculares e de relação da Escola com o mundo real? Vai continuar a negligenciar-se o saber-fazer em prol dos muito discutíveis saber, saber-ser (ou “ser feliz”)?
– Justiça – vai continuar a saga da produção legislativa pelos grandes gabinetes de advocacia, clientes do sistema? Continuará a permitir-se que os cidadãos morram sem lhes ser aplicada ou reconhecida a justiça, tal é a sua inadmissível morosidade? Os mais poderosos irão poder continuar a usufruir de circunstâncias especiais? Haverá mão dura para os juízes que produzem sentenças “à la carte”? E para os procuradores que acusem sem o devido fundamento? E para os advogados litigantes de má-fé?
Em suma, o que mudará em Portugal nos próximos quatro anos? Que país teremos após o novo ciclo governativo, admitindo-se que o mesmo se cumpra?
Os políticos em campanha eleitoral, pese uma ou outra pontual excepção, não se comprometem com medidas vincadamente disruptivas, eventualmente inconvenientes para alguns sectores da sociedade, mas, a termo, estruturantes e potenciadoras de crescimento económico e do bem-estar social.
Aparte as acusações que fazem uns aos outros, o que os move verdadeiramente? O poder pelo poder? Ou o poder servir?
Os debates em curso, muito ao estilo dos “donos da bola”, poderão ser televisivamente bons para as audiências, mas têm sido de um vazio completo de ideias e soluções consequentes. ■