EVA CABRAL

O Debate do Estado da Nação é uma medição de forças entre quem é Governo e quem é Oposição, e significa – ainda que simbolicamente – o fim do ano da Política, com os cidadãos eleitores e os protagonistas políticos a entrarem em férias estivais.

Este ano, o confronto entre esquerda e direita estava mais aceso do que nunca, uma vez que António Costa federou várias tribos de esquerda para fazer um Executivo, e o PSD e o CDS, apesar de terem desfeito a coligação com a queda do XX Governo, continuam a demonstrar que as sucessivas AD apenas representam uma solução natural para os respectivos eleitorados e dirigentes.

Para quem ouviu o Debate do Estado da Nação na última quinta-feira (mesmo que as atenções estejam este ano focadas no Futebol e nos Jogos Olímpicos), uma conclusão parece evidente: o estado da Nação está a degradar-se e a palavra “crise” vai marcar o regresso à realidade pós-férias, em Setembro.

O comunicado de Valdis Dombrovskis, vice-presidente da Comissão Europeia – divulgado à mesma hora a que o plenário da Assembleia se iniciava – refere que na recomendação enviada ao Conselho de Ministros das Finanças da União Europeia (Ecofin), a Comissão Europeia conclui que “a resposta de Portugal às recomendações do Conselho de 21 de Junho de 2013 foi insuficiente”.

Os dados avaliados, não pelo calor da refrega política, mas pelos nossos credores, são maus. “Portugal não resolveu o défice excessivo até 2015. O esforço orçamental fica significativamente aquém do que foi recomendado pelo Conselho”. Para Bruxelas, o défice orçamental em 2015 era de 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB) e ficaria acima do valor de referência (3,0%), mesmo considerando o impacto da resolução do Banif.

“O esforço orçamental estrutural acumulado durante o período 2013-2015 estima-se em 1,1% do PIB, o que é significativamente inferior aos 2,5% do PIB recomendados pelo Conselho”, salienta a recomendação ao Ecofin, acrescentando que, “após ter atingido um ponto culminante de 130,2% do PIB em 2014, a dívida pública continuava a ser elevada, situando-se em 129,0% do PIB em 2015”, segundo as previsões da Primavera.

Bruxelas considera ainda que as medidas de consolidação têm sido reduzidas, tendo-se chegado a um valor, no orçamento de 2015, de 0,6% do PIB, quando a meta traçada era de 2,7%.

Apesar disso, a Comissão Europeia reconhece que as reformas estruturais têm progredido. O esforço de luta contra a fraude e evasão fiscal é também apontado como ponto positivo, bem como a reforma do Sistema Nacional de Saúde, com vista a assegurar a sua sustentabilidade.

Mas a Comissão Europeia lançou mesmo processos de sanções a Portugal e Espanha, ao concluir que os dois países não tomaram “medidas eficazes” para corrigir os seus défices excessivos, passando a palavra aos ministros das Finanças da União Europeia.

Política e números

A avalanche de números em que se transformou a política em Portugal e nos restantes países europeus tem levado a uma desconfiança dos eleitores em relação aos partidos tradicionais.

Em Portugal, essa tendência é muitíssimo ténue e nas últimas legislativas a única novidade foi para o PAN, que elegeu André Silva. O partido de defesa dos animais teve uma ou outra intervenção autónoma em plenário, mas nas questões fundamentais – como as orçamentais – vota com a maioria de esquerda que compõe a geringonça.

Mas debates a preto e branco como o do Estado da Nação, em que se esgrimem números muitas vezes de difícil avaliação, podem levar a que também entre nós se venham a abrir brechas no xadrez político tradicional.

Para quem queira uma breve síntese do Estado da Nação visto pelos políticos, diga-se que o primeiro-ministro pensa que Portugal vive com maior paz social e normalidade institucional.

“Temos uma maioria parlamentar consistente na diversidade da sua identidade, coerente na execução das posições conjuntas que a fundaram e estável para o horizonte da legislatura. Cumprimos com o compromisso de que ultrapassaríamos o permanente sobressalto em que o nosso País vivia, construindo um clima de paz social e de normalidade institucional”, sustentou o primeiro-ministro, António Costa, na abertura do debate, que decorreu na Assembleia da República.

Já para o presidente do PSD, Pedro Passos Coelho, o Governo e a maioria parlamentar que o apoia fizeram tudo ao contrário e desperdiçaram uma “oportunidade histórica” de recuperação do País. Passos disse que não acredita que o Executivo socialista vá cumprir as metas orçamentais de 2016 e salientou que “até 2015 não há nenhuma justificação para que haja aplicação de sanções a Portugal”. O líder do PSD vincou que, sem as intervenções extraordinárias no sector financeiro, o défice em 2015 teria sido de 2,8% e não de 4,4%, como se verificou.

Assunção Cristas, do CDS-PP, acusou o primeiro-ministro de “falta de sentido de Estado” por não “ter mexido uma palha” para defender o défice de 2015.

O Bloco manifestou abertura para debater os termos de um referendo sobre a construção europeia, avisando que se as contas públicas forem afectadas por sanções não aceita aprovar medidas de austeridade.

Jerónimo de Sousa, líder do PCP, disse que é preciso combater “com clareza, determinação e muita coragem” a “ameaça permanente das sanções” e defendeu a libertação do País face aos “constrangimentos externos”.

O parceiro do PCP na CDU, o partido ecologista “Os Verdes” , pediu a Costa para manter o foco da política do Executivo na vida concreta das pessoas.

O solitário deputado do PAN, André Silva, manifestou preocupação com a possibilidade de a Comissão Europeia suspender alguns fundos comunitários no âmbito do processo de sanções, prejudicando o sector agrícola.

Trabalhos para casa

Os políticos em férias não deixam de ter aquilo a que se chama “trabalhos para casa” (TPC no jargão estudantil) que, tal como os dos estudantes, serão mais ou menos esticados consoante a sua situação concreta.

Durante as férias o Executivo vai ter de continuar a seguir bem de perto a evolução da economia. Já se estão a ver sinais de travagem nalgumas promessas. Exemplo disso: a redução de portagens nas auto-estradas do Interior estão já em “banho Maria”.

Cada um tem os seus problemas, mas já se sabe que a lucidez dos políticos em plena refrega política é sempre menor do que quem pode ver de fora.

Daniel Bessa, numa intervenção a convite da a Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) e do Porto Canal, foi estranhamente duro e claro: “Portugal é um sítio pouco recomendável. Muito bom em termos ambientais, qualidade de vida, segurança, alimentação, é dos melhores do mundo. Mas, na perspectiva de trabalho, rendimentos, fiscalidade, finanças públicas, carga fiscal e dívida, não é recomendável”.

O ex-ministro socialista acrescentou que, “com o crescimento medíocre, o aumento de dívida, a carga fiscal vai subir e tornar-se insuportável. Os filhos e os netos que partam para outros países, Austrália, Canadá ou Nova Zelândia, trabalhem, mas trabalhem para si”. E deixou um claro aviso: para este ano, o economista prevê uma “subida do IVA, porque é o único imposto com receitas imediatas”.