2023: pensar Portugal

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Para a esmagadora maioria dos portugueses, a probabilidade é que 2023 seja um mau ano, num contexto nacional e internacional pouco favorável, em que escapa aquela secretária de Estado cujo despedimento da TAP lhe valeu 500.000 euros. Talvez que o Novo Ano possa trazer a outros membros da família socialista igual fortuna, mas para nós, simples cidadãos, a probabilidade de nos sair a sorte grande é pequena.

Não teria de ser assim, Portugal tem os recursos suficientes, a localização ideal e as condições humanas e políticas suficientes para vencer a crise e os erros da governação. Mas para isso precisamos de uma estratégia e de um sentido de direcção claro, de uma liderança forte e determinada, além de políticas consequentes. Também precisamos de chamar os portugueses para a missão de salvar Portugal, em vez de os enganar com as conhecidas manhãs que cantam. Apenas com a determinação dos portugueses 2023 poderá ser um bom ano, mas, para isso, temos de ensinar muitos portugueses a pescar em vez do Estado lhes dar o peixe.

A Educação de um novo modelo é a via certa para ensinar a pescar, modelo que implica um programa exigente e prioritário para as creches e o ensino pré-escolar de elevada qualidade, com instalações luxuosas, educadores licenciados, boa alimentação e transporte, este a fim de disciplinar a frequência das crianças e favorecer as famílias de menores recursos. Trata-se de garantir que todas as crianças quando chegam ao ensino obrigatório, aos seis ou sete anos, chegam com iguais condições de obter sucesso nas fases seguintes do ensino, a caminho de um ensino universitário exigente e de elevada qualidade.

É hábito dizer-se que o futuro reside nas crianças, mas nunca tiramos dessa convicção as necessárias consequências, porque convivemos com uma realidade de que hoje as crianças das famílias mais pobres, que vivem em más casas, ou casebres, sem livros, que não conhecem um teatro, que não frequentam a natação ou a escola de música, chegam aos sete anos marginalizados relativamente aos seus colegas das famílias com maiores recursos. E se não podemos mudar isso numa geração, acabando com a pobreza e a ignorância de milhões de famílias, podemos, pelo menos, mudar numa geração as condições de formação das nossas crianças, de tal forma que quando essas crianças cheguem a adultos saibam que não querem ser pobres e ignorantes e possuem para isso as ferramentas necessárias.

Esta deve ser a grande missão do Estado e é nessa missão que devem ser gastos os fundos que nos chegam de Bruxelas, porque é com esse investimento que se realiza a verdadeira mudança e se criam as condições para todas as outras mudanças. O que implica uma educação que não se limita a fornecer os conhecimentos como hoje acontece, para passar a fornecer igualmente comportamentos e competências. Chegar a horas é um comportamento, saber nadar é uma competência, é disso que se trata.

Mas não podemos pensar apenas nas crianças, temos ainda a obrigação de pensar nos seus pais e mães que sobrevivem com recursos mínimos de baixos salários e para isso apenas a Industrialização os pode salvar, através do trabalho competente e valorizável que apenas a indústria pode dar com a dimensão necessária. Porque apenas a indústria tem postos de trabalho com funções repetitivas que podem ser ensinadas com relativa facilidade, mas que abrem o caminho a uma outra valorização do trabalho, o qual envolve os conceitos de produtividade, de qualidade e de competitividade, conceitos pouco desenvolvidos nas centenas de milhares de pequenas empresas existentes em Portugal, na esmagadora maioria comerciais, turismo incluído.

Dou o exemplo da “Autoeuropa”. Os trabalhadores da empresa, na sua maioria, não eram qualificados quando lá chegaram, nem sabiam como montar um automóvel de forma competitiva, mas rapidamente aprenderam a fazê-lo e com isso ganharam o direito a melhores salários e a uma vida decente. São empresas industriais como a “AutoEuropa”, desse ou de outros sectores, que exportam produtos devidamente valorizados, que podem salvar o excesso de trabalhadores que existem nas nossas pequenas empresas, em feiras e mercados, em pequenos restaurantes e cafés, cabeleireiros, minimercados e afins a saírem desse meio de feroz concorrência, que não permite a prática de preços compensadores e uma vida decente à maioria dos seus empresários e trabalhadores. Além de pouco contribuírem para o crescimento da economia portuguesa, cujas exportações são as mais baixas de todos os países europeus da nossa dimensão, isto é, os países com pequenos mercados internos.

O Governo espanhol compreendeu de forma clara esta realidade e está a usar a maioria dos fundos do seu PRR na missão de atrair para Espanha grandes investimentos industriais. Já foram anunciados dois grandes investimentos para a região de Valência no valor de vinte mil milhões de euros, ambos do sector automóvel, de carros movidos a energia eléctrica. Infelizmente, o nosso PRR está a dispersar o dinheiro para fazer aquilo que o Estado não fez em tempo útil e a dispersar de tal forma o efeito dos dinheiros investidos que nada mudará com alguma consequência.

Uma palavra para clarificar a questão do investimento nacional em empresas que se baseiem em novas tecnologias. Ninguém pode ser racionalmente contra esses investimentos, mas devemos ter a consciência de que não serão essas iniciativas que no curto prazo mudam o panorama económico e social português. Seja porque muitos desses investimentos são em meros “call centres”, que também praticam baixos salários, seja porque não temos ainda os trabalhadores qualificados em número suficiente, seja porque temos ainda milhões de trabalhadores com baixas qualificações a sobreviverem em pequenas empresas comerciais a exigirem um futuro melhor.

Em resumo, as duas palavras chaves para Portugal sair da cauda da Europa são Educação e Industrialização, no contexto aqui descrito. O papel do Estado de subsidiar a sobrevivência de muitos milhares de famílias é certamente socialmente útil, mas devemos ter a consciência de que isso não altera em nada o futuro do nosso país.