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O “défice democrático” da União Europeia já é discutido há muito, mas a total incompetência da UE para lidar com a grave crise económica, o elevado desemprego e a invasão imigratória colocou a legitimidade da organização em causa. 

Os políticos e burocratas de Bruxelas deixaram o povo demasiado tempo de lado. Durante largas décadas a União Europeia tem evoluído com pouco ou nenhum consentimento popular. No entanto, os Estados-Nações da Europa ainda não são Estados federalizados sujeitos a uma autoridade central, como o Governo federal dos Estados Unidos da América, e têm o poder de ordenar que se realizem referendos às decisões da UE, algo que Bruxelas detesta.

A incompetência da União para gerir a crise imigratória, a crise económica e a crise política significa que a confiança dos cidadãos europeus nas decisões de Bruxelas é muito baixa. A primeira tentativa de inverter uma decisão europeia com um referendo popular aconteceu no último Verão na Grécia, quando os esquerdistas radicais do Syriza convocaram um referendo sobre as condições do novo pacote de resgate.

No entanto, numa táctica comum da esquerda radical, jogaram sem cartas nem trunfos, e a Europa “venceu”, aplicando um pacote de resgate com termos ainda mais ríspidos e dolorosos para o povo grego.

De uma certa forma, no entanto, foi uma vitória de Pirro: no momento do triunfo, a decisão de impor termos draconianos significa que a imagem que ficou foi a de uma organização implacável e vingativa: no eurobarómetro de Dezembro de 2015 já se registavam vários casos de países onde a opinião negativa sobre a União Europeia superava a positiva, entre os quais o Reino Unido, a Áustria e a República Checa.

A ideia do referendo como uma arma de arremesso contra o eixo Berlim-Bruxelas ficou nas cabeças dos governantes nacionais e dos militantes anti-UE que, ao contrário dos radicais de esquerda da Grécia, têm alguns ases na manga.

Bruxelas impopular

Em Dezembro do ano passado, os dinamarqueses infligiram mais uma derrota aos eurocratas quando votaram contra a proposta de cedência de mais soberania em questões policiais e judiciais. Contados os votos, viu-se que 53 por cento votaram contra. O Governo dinamarquês pode agora recusar a aplicação de directivas da União Europeia nesta área, bem como acórdãos do Tribunal Europeu. Nas ruas, o sentimento anti-UE sobrepôs-se às vozes catastrofistas do costume vindas de Bruxelas.

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“A quem é que eu telefono se quiser falar com a Europa?” – perguntou em tempos o antigo secretário de Estado dos EUA, Henri Kissinger. Continuamos sem saber, não por o posto não existir, mas sim por existirem postos políticos a mais na bizantina estrutura da UE.

Quem lidera a organização? O certo é que existem três presidentes da União Europeia: o Presidente do Conselho Europeu Donald Tusk, o Presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker e o Presidente do Parlamento Europeu Martin Schulz. Tecnicamente, o Presidente da Comissão é o elemento mais poderoso, mas o Presidente do Conselho Europeu é descrito como sendo o representante da UE no cenário mundial. No entanto, existe uma figura na UE que tem exactamente o mesmo papel, o Alto Representante dos Negócios Estrangeiros e Segurança da União. E o Presidente do Parlamento Europeu, por sua vez, também tem a missão de representar a União no estrangeiro, e teoricamente é a figura mais alta na hierarquia da EU. Mas não a mais poderosa.

Portanto, não se sabe bem o que cada um dos Presidentes faz, especialmente o do Conselho. O que sabemos é que cada deles recebe um principesco ordenado de 25 mil euros por mês e tem direito a carro com condutor, a um generoso subsídio de habitação e a uma equipa completa de burocratas para o auxiliarem. Quem diz que a UE não cria empregos bem remunerados?

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O certo é que o slogan “Mais UE, não, obrigado” se tornou estridente. Esta não é a primeira vez que os dinamarqueses travam uma medida de Bruxelas, visto que também recusaram o Euro no ano 2000. Os portugueses nunca tiveram direito ao mesmo. Aliás, ao longo desta “democrática” III República, os portugueses nunca tiveram direito a votar sobre qualquer assunto europeu. Erro que a Polónia está decidida a não cometer, sendo que o novo governo considera que é vital que os polacos votem sobre se querem entrar no Euro ou não. Em tempos considerados um dos povos mais pró-UE, os polacos torceram o nariz à eurocracia, e não é certo ainda que se queiram juntar ao Euro. 

A moeda única, nos últimos anos, está associada a desemprego e austeridade, não à prosperidade que nos foi prometida. Na Finlândia está em processo a realização de um referendo popular à saída do país da moeda única, depois de uma campanha de assinaturas ter conseguido levar a questão ao parlamento. O Governo não pode recusar o sufrágio popular, visto que o segundo maior parceiro da coligação no poder (sem o qual o Executivo não pode continuar), o Partido dos Finlandeses, é de matriz eurocéptica e anti-UE. O seu líder, Timo Soini, afirmou recentemente que “a Finlândia não devia ter aderido ao Euro”.

Embora a permanência na moeda única ainda tenha o apoio da maioria dos finlandeses, esse apoio tem vindo a cair a pique nos últimos meses. A maioria dos habitantes deste país nórdico consideraram, em sondagens recentes, que a Finlândia ficaria melhor se saísse do Euro. O apoio à moeda única caiu para mínimos históricos.

Até assuntos que noutras épocas não seriam controversos estão a ser chamados a referendo como forma de molestar os eurocratas em Bruxelas. Os holandeses foram às urnas no dia seis de Abril para decidir se aprovavam um acordo comercial da UE com a Ucrânia que está a ser negociado desde 2012. O referendo foi convocado após um pequeno ‘blog’ político com uma forte componente satírica ter conseguido o incrível feito de reunir quase meio milhão de assinaturas na sua petição. 

Se não for ratificado por todos os Estados, então o acordo não entrará em vigor, mas os holandeses decidiram bloquear o acordo ao votar não. Num estudo de opinião, descobriu-se que a maioria dos eleitores não tinha noção do conteúdo do acordo em si, mas ia às urnas com o desejo de mostrar que a pequena Holanda ainda tem o poder de pensar por si e cancelar as medidas da União Europeia. 

Crise imigratória complica contas

A imagem da UE ficou ainda mais manchada devido à crise imigratória que ainda decorre. A Alemanha decidiu abrir unilateralmente as suas portas, apesar de a maioria do bloco não o querer fazer, e depois ainda exigiu que os imigrantes fossem distribuídos pelos restantes países. 

A Hungria, que já se encontrava em desacordo com a UE num conjunto de questões, vai realizar um referendo em que o povo decidirá se quer receber alegados refugiados ou não. É quase garantido que o plano da UE será rejeitado por uma larga maioria do eleitorado. 

“Existe uma terrível tensão entre o que as pessoas querem para a Europa nas questões de imigração e moeda, e o que as elites querem” – afirmou Thierry Baudet, da organização europeia Forum pela Democracia, que considera que quando se chega a este patamar de impopularidade é “quando o sistema começa a quebrar”. 

Do lado da UE, a resposta foi a mesma de sempre: o referendo era “ilegal” por causa de uma qualquer regra burocrática que a maioria do povo não entende. “Temos alguma dificuldade em perceber como é que este referendo se encaixa no processo de decisões acordado por todos os Estados-membros, incluindo a Hungria, à luz dos tratados da EU”, afirmou Natasha Bertaud, porta-voz da Comissão Europeia. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria, Peter Szijjarto, por sua vez retorquiu: “Nós apresentámos uma queixa sobre as quotas em tribunal e acreditamos firmemente que esta decisão desrespeita as regras da UE”. E notou que o actual Governo acredita que “o povo húngaro tem o direito de dar a sua opinião sobre qualquer intenção ou decisão futura que ponha em prática esta decisão sobre as quotas migratórias”. 

Caso este acordo falhe, o próximo alvo dos activistas anti-UE será o infame acordo transatlântico que está a ser negociado com os Estados Unidos, e que permitirá, quando aprovado, que os investidores processem judicialmente os Estados quando considerarem que os seus investimentos foram prejudicados. Foi já com base nesta “lógica” que empresas de tabaco processaram países que aprovaram legislação anti-tabagista.

Os referendos com R grande

Mas o sufrágio que coloca tudo em questão é mesmo o referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE, no qual o povo rejeitou a União por completo. 

Os eurocratas tinham de convencer os britânicos a aceitar continuar na UE, mas o seu recurso a ameaças caiu muito mal no orgulho nacional – em especial, a ameaça velada de que o acordo de abandono da União Europeia iria ser negociado de forma a prejudicar directamente o Reino Unido. Ou seja, ficou a ameaça de uma vingança de Bruxelas contra Londres, tal como foi feito contra Atenas. 

No entanto, é convicção generalizada que a perda da segunda maior economia da Europa, e uma das poucas que ainda cresce de forma saudável, pode ser um golpe fatal no complexo europeu. É possível que a saída do Reino Unido impulsione a saída da Dinamarca, que é extremamente eurocéptica, e a seguir incentive os finlandeses a sair do Euro. 

Em 2017 os franceses votam, e Marine Le Pen, que quer a saída da França do Euro e da própria União Europeia, lidera as sondagens da primeira volta, e encontra-se numa boa posição para disputar a segunda volta. Caso o Reino Unido saia, terá uma posição reforçada para vencer as eleições.

O fim das ilusões

Os pontos de vista sobre o tema dos referendos estão longe de ser consensuais, os seus defensores chamam-lhes “democracia directa”, Bruxelas chama-lhes “populismo” e “chantagem”. No geral, a UE encontra-se fragilizada por um grande défice democrático, e por uma enorme impopularidade, fruto de quase uma década de políticas de austeridade ordenadas por Berlim.

A Islândia, que chegou a querer juntar-se, retirou em Março do ano passado a sua candidatura, considerando que não tinha nada a ganhar em ser membro da UE. O primeiro-ministro da Sérvia, um país que é candidato a entrar na organização, afirmou que pertencer à UE “já não é o grande sonho que era no passado” quando soube que uma fatia alargado do seu povo tencionava votar contra a entrada da Sérvia na União Europeia que, segundo o mesmo, “perdeu o seu poder mágico” de aspiração a um futuro melhor.

O momento é crítico: ou a União Europeia reconquista o apoio público e faz reformas no sentido de se tornar mais democrática, ou irá entrar em colapso, como há muito é ameaçado.