A crise política de que se fala, resultante da desavença entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, segundo eles a primeira, tem tudo para ser uma boa crise. Porque a verdadeira crise, a má, é a do país e dos portugueses que, ao longo dos últimos sete anos, empobreceram e vivem cada vez mais da caridade do Estado e dependentes da assistência social providenciada pelo Governo, de acordo com os seus critérios eleitorais: os funcionários públicos primeiro e os reformados depois, mas onde os verdadeiros protegidos pelo Estado são os representantes da grande família socialista. O caso de João Galamba é tão só um indício, a passividade perante o amiguismo e a corrupção representa o verdadeiro saque aos recursos do Estado. A TAP, as parcerias público-privadas, o sistema financeiro e os fundos comunitários são o que consome os maiores recursos distribuídos pelo PS através do Governo.
Entretanto, esta crise dos palácios tem a ver com a credibilidade e a autoridade do Estado, como afirmado por Marcelo Rebelo do Sousa, cuja falta resulta essencialmente da má qualidade pessoal, profissional e política da gente que rodeia António Costa. São geralmente videirinhos, profissionalmente incompetentes, incapazes de terem posições próprias e cuja razão para serem os escolhidos é a sua canina devoção ao chefe, que não ao país. Apesar de tudo, o PS teria ainda gente suficiente para formar um bom Governo, o problema é que António Costa não quer. Talvez o faça, se o deixarem, dentro de algum tempo e em desespero de causa, para manter o poder, que é o seu único objectivo. Para isso usa o que pode, o PCP e o Bloco de Esquerda antes, o Presidente da República depois e André Ventura agora. Até o PSD será usado no caso de o partido concordar em vista dos possíveis resultados em futuras eleições.
A importância política do caso TAP resulta de estar a ser investigado na Assembleia da República, mas outros casos teriam as mesmas consequências se investigados. A lista é longa: BES, venda do Novo Banco, Banif, “Kamov” e Siresp. Apenas estes se esquecermos todos os outros casos e processos pendentes na Justiça herdados de José Sócrates ou já resultantes da governação de António Costa. Mas vejamos apenas o caso TAP.
Nacionalização – resultou do acordo com o PCP para criar a “geringonça” e não por qualquer outra necessidade especial. Por força da crise do Covid, o Governo poderia ter feito o mesmo que os restantes países europeus, sem a nacionalização. Emprestaria o dinheiro necessário e manteria a direcção profissional que tinha feito crescer a TAP, desenvolvido o “hub” de Lisboa e conseguido viver sem greves. Mas nacionalizou e António Costa iniciou o processo TAP, no princípio com a entrada em cena de um seu amigo pessoal que apareceu e desapareceu sem se saber bem porquê, depois com a sucessão de casos que são a razão de ser da comissão de inquérito.
Christine Ourmièrs-Widener – o grande defensor em público da nacionalização, o ministro Pedro Nuno Santos, decidiu que não havia ninguém em Portugal com as qualificações necessárias e decidiu-se pelo objectivo de ter um dirigente estrangeiro. Nada de mal, a senhora, apesar de todas as interferências do Governo na gestão da empresa, dos esperados problemas sociais e das greves, da entrada na administração da empresa dos habituais amigos do PS, foi despedida com a empresa a produzir resultados positivos. O despedimento da senhora, feito pela televisão em horário nobre pelos ministros Fernando Medina e João Galamba, foi uma bravata ignorante e vergonhosa para superar o escândalo público da indemnização, porventura excessiva, da administradora Alexandra Reis. Todavia, a indemnização tornou-se um escândalo real apenas porque os ministros Fernando Medina e Pedro Nuno Santos decidiram manter a senhora a trabalhar para o Estado, primeiro na NAV e depois como secretária de Estado do Tesouro. Ora a CEO da TAP não teve nada a ver com isso e com toda a certeza irá receber em tribunal uma avultada indemnização.
Ministério das Infra-estruturas – é um caso de estudo e não apenas pelas últimas cenas de João Galamba, do secretário de Estado Hugo Santos Mendes e do adjunto de Galamba, Frederico Pinheiro, mas principalmente pelos sucessivos desastres resultantes de anteriores decisões erradas na ferrovia, na linha circular do Metro, no aeroporto e, em parte, na gestão da CP. Neste último caso vai ser interessante saber porque depois de vários meses de greves, em que condições João Galamba realizou o milagre de, em apenas dois dias após a sua demissão/recondução, ter obtido o acordo dos sindicatos. Todavia, é o caso da ferrovia e a ideia de manter a bitola ibérica para evitar a concorrência internacional que transformou Portugal numa ilha ferroviária, o facto que deveria dar prisão por crime contra o interesse nacional de três ministros: Pedro Marques, Pedro Nuno Santos e João Galamba, para além de todo o Conselho de Ministros que aprovou o crime.
SIS, Serviços de Informações de Segurança – o envolvimento desta instituição numa cena de crime comum inventada pelo ministro, resultou do amiguismo existente no Estado pela mão do PS. João Galamba, aterrado com a ideia de ser tornado público o conteúdo do computador do adjunto, tratou o assunto, como habitualmente, recorrendo aos amigos ministros e não ministros e alguém lhe terá dito que o SIS seria o local adequado a recorrer secretamente. Assim se fez, mas quando se verificou que o tema era público por iniciativa do assessor, não havia alternativa a usar as polícias, mas já depois do amiguismo ter dado bom resultado e o computador já estar nas mãos do SIS. Por uma vez foram rápidos.
Fernando Medina e João Galamba – que estes dois socialistas sejam ministros de dois ministérios com a importância das Finanças e das Infra-estruturas é um milagre só possível porque António Costa apenas pretende controlar todos os cordões do poder e não tem nenhum respeito pelo interesse nacional. Para compreender isto mesmo, pensem os leitores o que seria António Costa ter como ministro das Finanças um Salgado Zenha, um Henrique Medina Carreira, um Hernâni Lopes ou um Sousa Franco. Estão os leitores a compreender a diferença?
Marcelo Rebelo do Sousa – tenho sido muito crítico do Presidente da República, porque sendo os governos de António Costa um evidente desastre do ponto de vista do interesse nacional, o Presidente tenha ao longo dos anos alimentado expectativas a esse respeito, que obviamente eram erradas e apenas contribuíram para continuar o atraso de Portugal no contexto da União Europeia e o empobrecimento do país. Fiquei, por isso, satisfeito com a recente mudança de rumo e apenas desejo que o Presidente da República passe a emitir opiniões fundamentadas sobre as grandes questões nacionais, como a necessidade de investimento na Educação – creches e pré-escolar – e na indústria exportadora, denuncie a política ferroviária do Governo, combata a corrupção e a impotência da Justiça, promova a democratização do regime e a revisão das leis eleitorais. Para isso não pode falar de tudo todos os dias, mas fazer da palavra do Presidente da República o símbolo de uma nova fase de afirmação do pensamento livre dos portugueses. Era o que eu teria feito.■