Costa passou a fronteira do optimismo para o irrealismo

1
3707

EVA CABRAL

No caso da TSU, o líder do PS Costa passou visivelmente a fronteira entre o optimismo (que o Presidente da República já qualificou de irritante) e o irrealismo que o levou a ter de negociar com o PCP, PEV e o BE medidas para lhe salvarem a face perdida perante os parceiros sociais quando a medida foi chumbada no Parlamento.

Depois do chumbo à redução da TSU, o primeiro-ministro António Costa protestou contra a posição do PSD, mas teve de encontrar de imediato uma nova medida que o PCP e o BE deixassem passar. Optaram pela redição do PEC, imposto que já tinha sido revisto em baixa no Orçamento de Estado para 2017 quando tinha descido de 1.000 para 850 euros. Agora levou mais uma facada de 100 euros e patrões e UGT parecem confortáveis com a nova medida de substituição da TSU.

Mas, com o caso TSU, o PS sentiu que está refém dos partidos à sua esquerda, com o PSD a utilizar o seu peso de maior partido no hemiciclo para votar sem condicionamento os vários diplomas agendados, e reafirmar mais uma vez que o PS só pode contar com os seus parceiros de ‘geringonça’.

Dentro da maioria parlamentar de esquerda, esta saída em falso do PS de Costa foi vista como um verdadeiro tiro no pé. Onde pensava que podia alargar pontualmente a sua base de apoio viu esta reduzida apenas à ‘geringonça’, o que pode ser uma limitação grave num ano de 2017 que se prevê de riscos acrescidos por factores nacionais mas também internacionais.

Para já, sabe-se que o PSD vai continuar a estratégia de desgaste da maioria de esquerda, optando por rejeitar ou esmiuçar as propostas legislativas avulsas, e preferindo alargar o debate à política do respectivo sector. Um rolo compressor para o Executivo PS.

O incómodo de Costa com este dossier da TSU foi total; e se encontrou rapidamente um plano B, tal ficou a dever-se ao facto de se tratar de um chumbo anunciado. No último debate quinzenal, o primeiro-ministro deu nota do seu desespero ao atacar fortemente o PSD. Considerou que o PSD demonstrou “irrelevância” política e que “não conta para nada no País”, já que falhou na tentativa de minar a concertação social e de fragilizar a maioria que suporta o Governo. Falando depois de o deputado independente da bancada do PS Paulo Trigo Pereira ter aberto o debate quinzenal, numa intervenção cuja parte final se destinou a criticar o PSD por ter chumbado, ao lado do PCP, Bloco de Esquerda e PEV, a descida da Taxa Social Única (TSU) dos empregadores em 1,25 pontos percentuais, o mau perder de Costa foi evidente: “Não será graças ao PSD que os trabalhadores verão aumentado o salário mínimo nacional, nem será graças ao PSD que as empresas verão diminuídos os seus custos fiscais. Se o País dependesse do PSD, os salários continuariam a não subir e a carga fiscal continuava a não diminuir”, declarou.

A resposta de Passos Coelho não se fez esperar. O líder do PSD lembrou que António Costa só conseguiu atingir a meta de défice fazendo “exactamente aquilo que disse que não ia fazer”. Ou seja, cortes no investimento. Mais: “Não tem a coragem de vir ao Parlamento dizer onde fez os cortes”, acusou o ex-primeiro-ministro.

Para o líder social-democrata, António Costa não reage bem quando o PSD se propõe “desmascarar a fantasia, a demagogia e o populismo” do actual Governo. Pedro Passos Coelho referia-se ao facto de o primeiro-ministro não ter objectivamente respondido à pergunta: “Está em condições de dizer qual foi o saldo orçamental corrigido de medidas extraordinárias?”.

Acusando Costa de estar “a renovar as fantasias com que tem governado”, Passos fez as contas que Costa recusou apresentar. Adiantou que os números do défice apresentados por António Costa não têm em conta o corte de 956 milhões do investimento que estava planeado, o encaixe extraordinário com o PERES e outros factores extraordinários. Estima que, feitas as contas, o défice seria na verdade de 3,4% do PIB. “Este seria o défice de 2016 se excluíssemos as medidas extraordinárias que eu anunciei”, afirmou Passos. É a política do “faz de conta” dos socialistas.

Passos acusa, pois, António Costa de procurar “rebaixar o debate”, sem respeitar o Parlamento. A terminar, deixa uma certeza: o PS e o Governo contarão “por princípio com a oposição do PSD”. Mas, se alguma vez precisar do apoio dos sociais-democratas, o líder do PSD deixa um desafio: “Quando precisar do PSD para alguma coisa importante, primeiro peça”.

A crispação que o Presidente da República rejeita voltou, assim, ao debate político, e o caso da TSU poderá ser replicado noutras matérias como as PPP da Saúde ou no diploma sobre o caso da UBER, mas também em muitas outras iniciativas levadas ao Parlamento.

Globalmente, as perspectivas económicas e políticas não são de molde a deixarem grandes razões para o primeiro-ministro sorrir em 2017. Desde sempre se sabe que existe um mar de diferenças ideológicas entre o PS e o BE e o PCP. Em suma, o debate está mais ideológico e menos propício a optimismos.

PCP e a saída do Euro

Se no caso da TSU o incómodo do PS foi total, algumas iniciativas dos seus parceiros de esquerda são difíceis de engolir e criam engulhos na relação de Portugal com a Europa. Os comunistas saíram do seu Congresso de Dezembro com a intenção de lançar uma campanha a partir de Janeiro para discutir as consequências da moeda única e a “libertação da submissão ao Euro”. Ao mesmo tempo, os comunistas vão aproveitar um conjunto de acções de grande visibilidade para exigirem a renegociação da dívida pública e também o controlo do sistema financeiro.

A campanha comunista – que está atrasada mas vai ser concretizada, como tudo o que o PCP planifica – vai durar seis meses, de Janeiro a Junho de 2017, e o seu objectivo é “ampliar o esclarecimento da insustentabilidade dos constrangimentos e imposições da União Europeia, e a mobilização de vários sectores da sociedade para a necessidade e possibilidade da libertação da submissão ao Euro, pela produção, o emprego e a soberania nacional”.

Recorde-se que a iniciativa foi anunciada por Jerónimo de Sousa durante a conferência de imprensa sobre as conclusões do recém-eleito Comité Central do PCP. Os comunistas não esclareceram, no entanto, em que consistirá exactamente esta campanha: se em debates organizados, conferências ou propostas a levar ao Parlamento.

Recorde-se que o PCP tem defendido com insistência que Portugal deve estar preparado para sair da moeda única. Foi essa, de resto, a nota dominante do XX Congresso Comunista, onde vários e destacados dirigentes comunistas defenderem que o país deve estar preparado para deixar o euro, seja por iniciativa própria, por expulsão ou por implosão da estrutura europeia.

Com o País debaixo do escrutínio das instituições credoras, estas iniciativas do PCP criam instabilidade, por mais que Costa garanta a intenção de cumprir todos os compromissos europeus.

Jerónimo não se cansa de repetir que o PCP só está na ‘geringonça’ enquanto esta distribuir/devolver rendimentos cortados na fase da troika, mas que mantém a intenção de instaurar aquilo a que chama “um governo patriótico e de esquerda”, o que é manifestamente incompatível com a pertença de Portugal no projecto europeu.

Do lado do Bloco de Esquerda, a defesa da renegociação da dívida surge como uma verdadeira obsessão discursiva. Outro tema incómodo, quando a dívida portuguesa é a segunda mais elevada do espaço do Euro e as taxas de juro a dez anos estão no patamar dos 4% – bem acima da média do ‘stock’ da dívida portuguesa, o que deixa preocupados os credores numa altura em que as “ondas” vindas dos EUA e a prevista saída da Grã-Bretanha levantam preocupações acrescidas.

As agências de ‘rating’ não parecem estar inclinadas para uma revisão em alta da notação que atribuem a Portugal. Esta é a prova de fogo de que as medidas do Governo da ‘geringonça’ não convencem os credores.

Pressão no rating

A agência Fitch, que no ano passado deixou de atribuir uma perspectiva “positiva” ao nosso ‘rating’, recorda que Portugal é “um dos países mais endividados do mundo”. Federico Barriga Salazar, director da Fitch, foi claro durante a conferência que a agência realiza anualmente em Lisboa: para que o ‘rating’ suba e saia de “lixo”, terá de haver “mudanças estruturais”.

O analista responsável pela notação de risco de Portugal avisa que a agência estará atenta a qualquer solução para a banca (Novo Banco, crédito malparado) que afecte as contas públicas.

“A ligação entre o sector bancário e a dívida pública é muito importante. Estaremos muito atentos a qualquer solução que se encontre para o sector bancário que tenha impacto na dívida pública”, afirmou o analista, lembrando que não pode falar muito sobre Portugal porque está iminente uma nova decisão sobre o ‘rating’ de Portugal, que será conhecida a 3 de Fevereiro.

Ainda assim, Federico Barriga diz que Portugal “é dos países mais endividados do mundo, fica mal na fotografia na comparação com quase todos os países do mundo”. Esta é uma referência não só à dívida pública mas, também, à dívida no sector privado (empresas e famílias). Em Portugal “tem de haver mudanças estruturais para que mudemos o nosso ‘rating’”, explica o analista.

Quanto à Zona Euro, a Fitch acredita que o Banco Central Europeu (BCE) vai continuar numa atitude de estímulo monetário, mas a Zona Euro enfrenta riscos sobretudo políticos (populismo, eleições em vários países europeus, as negociações do Brexit).

Muito do que a Fitch decidir sobre o ‘rating’ de Portugal está dependente dos desenvolvimentos no sector bancário. E as perspectivas da agência para as entidades financeiras não são muito animadoras.

Em matéria de banca, “há fraquezas no sistema, os rácios de capital são baixos, os activos problemáticos são altos e a rentabilidade é baixa”, sintetizou Roger Turró, o analista da Fitch que acompanha os bancos portugueses durante a conferência de Lisboa.

Roger Turró refere que os aumentos de capital da Caixa Geral de Depósitos e do BCP aliviam um pouco a pressão, mas que ainda assim a preocupação sobre o capital dos bancos nacionais irá manter-se.

É que, além dos problemas que os bancos portugueses atravessam ao nível da rentabilidade e da qualidade dos activos, as exigências regulatórias são mais difíceis de contentar. E os níveis de capitalização dos bancos portugueses são dos mais baixos da Europa.

“Num contexto de mais requisitos de capital, isso significa que os bancos podem ter que ir ao mercado. O capital continua vulnerável e continua a haver pressão sobre a geração de capital”, referiu Roger Turró.

A Fitch afirmou que também do lado da qualidade dos activos, o sector bancário português apresenta um dos níveis mais baixos da Europa. E Roger Turró sugere que se avance para um novo enquadramento legal nas insolvências, que ajude a “acelerar as recuperações e a reduzir os activos problemáticos do balanço dos bancos”.