No preâmbulo do Decreto-Lei nº 28/2023, que estabelece um aumento intercalar das pensões em 2023, pode-se ler a seguinte explicação do Governo:
“Para garantir que os pensionistas não perdiam poder de compra nos anos de 2022 e 2023 face à inflação registada em Portugal, o Governo criou o complemento extraordinário a pensionistas, correspondente ao valor de metade da pensão pago em Outubro de 2022, actualizando as pensões, em Janeiro de 2023, pelo valor remanescente. Assim, garantiu-se que até ao final de 2023 os pensionistas recuperam o poder de compra face à inflação de 2022, e que a sustentabilidade da Segurança Social não é posta em causa.
Neste contexto, o presente decreto-lei vem criar um regime de actualização intercalar das pensões, que passam a ter – a partir de Julho de 2023 – um valor igual ao que teriam caso não tivesse sido criado o complemento extraordinário a pensionistas, e caso tivesse sido aplicada a fórmula de actualização do valor das pensões”.
E acrescenta-se: “os pensionistas que receberam o complemento excepcional beneficiaram de um apoio extraordinário que acresceu de forma efectiva ao valor das suas pensões, numa percentagem acumulada de 10,19 % nas pensões de valor igual ou inferior a duas vezes o valor do IAS, de 9,85 % nas pensões de valor superior a 2 vezes o valor do IAS, até 6 vezes o valor do IAS, e de 9,25 %, nas pensões superiores a 6 vezes o valor do IAS, até 12 vezes o valor do IAS”.
Analisemos então se estas afirmações são verdadeiras ou se são mais uma tentativa de enganar os pensionistas como sucedeu no passado recente.
Entre Janeiro de 2022 e Dezembro de 2023 as pensões aumentam entre 8,5% e 9,7% enquanto os preços (inflação) devem aumentar 14%: os pensionistas da Segurança Social e da CGA vão perder poder de compra se entramos em conta com o valor das pensões base, que é aquele que os pensionistas têm direito de uma forma permanente, portanto excluindo, por um lado, o complemento extraordinário de meia pensão pago uma única vez em Outubro de 2022 e, por outro lado, considerando que o aumento das pensões em 2023 resultante da aplicação do Decreto-Lei 28/2023 é pago durante todo o ano de 2023 e não apenas sete meses (segundo este decreto o aumento só começa a ser pago em Julho de 2023 ), nos dois anos (2022 e 2023) o aumento acumulado das pensões varia entre 9,7% (para as mais baixas) e 8,5% (para as mais elevadas).
No mesmo período a inflação acumulado deverá atingir 14%. Portanto, a afirmação do Governo de que os pensionistas com estes aumentos não perdem poder de compra no período 2022/2023 não é verdadeira.
A perda de poder de compra acumulado em 2022/2023 varia entre -3,8% (pensões mais baixas) e -4,8% (pensões mais elevadas). Mesmo considerando o complemento extraordinário de meia pensão em 2022 e o aumento que resulta do Decreto-Lei 28/2023, que é só pago após Julho de 2023, mesmo assim a conclusão anterior não se altera como se prova nos pontos seguintes.
Mesmo com o complemento extraordinário de meia pensão que aumentou os rendimentos dos pensionistas em 2022 em 3,6 pontos percentuais (+3,6%), mesmo assim o aumento das pensões em 2022 varia entre 4,1% (para as mais baixas) e 3,8% (para as mais elevadas), portanto menos que a inflação em 2022 que foi, segundo o INE, de 7,83%. Em 2022, mesmo com a meia pensão, os pensionistas da Segurança Social e da CGA perderam poder de compra que variou entre -3% e -3,7%
É fácil de concluir que o aumento do poder de compra em 2023 (entre 0,7% e 1%) não compensa de maneira alguma a perda de poder de compra verificada em 2022 (entre -3% e -3,7%). Portanto, a afirmação do Governo constante do Preâmbulo do Decreto-Lei 28/2023, – “Para garantir que os pensionistas não perdiam poder de compra nos anos de 2022 e 2023 face à inflação registada em Portugal, o Governo criou o complemento extraordinário a pensionistas, correspondente ao valor de metade da pensão pago em Outubro de 2022, actualizando as pensões, em Janeiro de 2023, pelo valor remanescente” – não é verdadeira.
Os enormes saldos positivos da Segurança Social são uma afronta porque são conseguidos por meio de pensões de pobreza de milhões de pensionistas e de aumentos inferiores aos dos preços.
Em 2023, só até Abril, em quatro meses apenas, a Segurança Social teve um saldo positivo de 2102 milhões de euros, segundo a Direcção-Geral do Orçamento do Ministério das Finanças. Isto consta da “Síntese da Execução Orçamental de Abril 2023” que está disponível, para quem queira consultar, em www.dgo.gov.pt .
A manter-se este ritmo, a Segurança Social obterá este ano um saldo positivo de mais de 6000 milhões de euros, o que é uma verdadeira afronta aos milhões de pensionistas na pobreza e àqueles que têm tido as pensões congeladas ou aumentos de miséria, e revela uma total insensibilidade social deste Governo, pois as pensões médias de velhice, invalidez e sobrevivência estão abaixo do limiar da pobreza como mostrámos no nosso estudo anterior.
Mas é desta forma, à custa da pobreza dos portugueses e do país, que este Governo pretende reduzir o défice e a dívida a um ritmo que nenhum outro governo da União Europeia está a fazer, gabando-se disso, para poder brilhar e fazer carreira em Bruxelas. ■