Um conflito latente por Diogo Gil Gagean
Os recentes acontecimentos em França devem-nos fazer reflectir sobre a forma como encaramos a emigração em massa e a posição da sociedade face aos mesmos problemas quando perpetrados por diferentes pessoas.
Ponto prévio, a polícia agiu de uma forma completamente desproporcional relativamente ao “crime” que estava a ser praticado. O jovem de 17 anos, Nahel, deveria ter parado quando recebeu ordem para tal, ao não obedecer à ordem dada desencadeou uma reacção intempestiva e irreflectida por parte do agente de autoridade. Claro que a maioria de nós pára quando é ordenado pela polícia, mas o castigo pela desobediência não pode ser a morte.
Não sabemos, neste momento, o que passou pela cabeça do agente. Num país fustigado por diversos atentados, o polícia francês poderia julgar estar a evitar um mal maior.
O que aconteceu como consequência do acto policial foi o caos e a França viu-se inundada de protestos, na sua maioria praticados por jovens de origem árabe. A questão da integração de muçulmanos em França é complexa e multifacetada. Muitos imigrantes de origem árabe em França enfrentam dificuldades económicas, como as altas taxas de desemprego e pobreza. Essas condições socioeconómicas precárias levaram à marginalização e à exclusão social, dificultando a sua integração na sociedade francesa.
As diferenças culturais e religiosas desempenharam um papel na falta de integração.
As políticas de esquerda, de braços abertos a todos os imigrantes, sem acautelar a sua integração, foram gerando este conflito latente entre os franceses “tradicionais” e os que vieram da zona do Magrebe. A França historicamente adoptou uma abordagem de assimilação em relação aos imigrantes, esperando que eles abandonassem suas identidades culturais e se tornassem “franceses” no sentido tradicional. Essa abordagem criou uma pressão para os imigrantes muçulmanos abandonarem ou ocultarem sua identidade religiosa e cultural, o que pode dificultar a sua integração e gerar sentimentos de marginalização.
Em alguns casos, grupos radicais ou extremistas aproveitaram-se dessas situações para incitar tumultos como uma forma de avançar nas suas próprias agendas políticas ou religiosas.
A onda geral de indignação que a morte de Nahel gerou não justifica que se sequestrem padres que acabam despidos e agredidos, que se queimem igrejas e se destruam edifícios públicos, como bibliotecas históricas que contêm um património riquíssimo.
A grande maioria de pessoas que vimos nas pilhagens e ataques à propriedade privada foram jovens entre os 12 e os 18 anos. Invariavelmente, atacam principalmente as lojas de grande luxo e o retalho. Mas o pequeno comércio, que milhares de franceses se esforçam por manter anualmente, também é sobejamente atacado. Quando incendeiam as viaturas dos seus vizinhos quem é que eles acham que prejudicam?
Esta visão de milhares de jovens nas ruas é também uma demonstração de uma vitória da extrema-esquerda na nossa sociedade; ao acabar com a instituição da família na nossa sociedade, estes jovens já não têm referências ou temor reverencial. Onde andam os pais destes jovens?
É também uma demonstração da falha do sistema de ensino francês. Quando os jovens destroem um memorial do Holocausto, destroem também a memória daqueles que sofreram para eles terem a liberdade.
É também engraçado de ver na nossa comunicação social que os franceses que decidiram defender a sua família, propriedade e comércio serem apelidados de extrema-direita. Agora um cidadão já não pode defender a sua comunidade sem ser espartilhado logo numa qualquer gaveta ideológica. Os bandidos que atacaram um autarca e a sua família na sua casa, que tentaram queimar os mesmos vivos, foram descritos como desestruturados e desintegrados da sociedade francesa. Temos urgentemente de acabar com esta romantização da bandidagem.
Imaginem se a direita francesa viesse para a rua quando uma jovem de 12 anos, francesa tradicional, foi raptada, torturada, violada e depois morta e escondida numa mala num apartamento em Paris. O que seria da França se os franceses tivessem reagido violentamente quando, há duas semanas, um refugiado Sírio apunhalou vários bebés e crianças que se encontravam num parque infantil. ■
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O Nahel por José Guilherme Oliveira
Nahel M. era um adolescente de 17 anos, cidadão francês com ascendência argelina e marroquina. Era filho único e estava a ser criado apenas pela mãe nos subúrbios da capital francesa. Queria ser mecânico e jogava numa equipa de râguebi local, a “Ovale Citoyen”.
O Nahel era novo demais para morrer.
É tudo verdade, só que a verdade não acaba aqui.
O Nahel, às 7:55h, conduzia um carro que não era seu e foi mandado parar por uma patrulha da polícia numa rotunda de Nanterre, na periferia de Paris. Nahel, que não tem carta de condução, não parou. Hábil a conduzir, conseguiu escapar por várias ruas, apesar de perseguido pela patrulha em automóvel que alertou a polícia motorizada na zona. Esteve quase a ser apanhado num semáforo vermelho, mas voltou a conseguir fugir. Adiante, um engarrafamento permitiu aos polícias apanharem o carro em que seguia Nahel e mais dois rapazes. Nahel, ao volante, voltou a tentar fugir. Um dos polícias disparou e matou-o. O carro imobilizou-se numa floreira. O Nahel, que tinha um registo criminal limpo, estranhamente era um velho conhecido da polícia devido a um lastro de pequena delinquência.
Ninguém pode ser morto por uma infracção de trânsito, por mais grave que seja, mas… e se Nice se repetisse?
Não acho que o polícia que disparou seja um frio assassino, antes e também vítima das circunstâncias que precipitaram o terrível desenlace.
A eventual ligeireza no gatilho só foi ultrapassada pela rapidez com que o Procurador atira com a acusação de homicídio voluntário.
O triste acidente provocou uma onda de violência em Paris como nunca se viu.
Para quem estivesse atento ao que se passa na Europa, não estranhou. A Europa tornou-se um barril de pólvora.
É-me sempre penoso assistir que a generalidade das pessoas que falam ou escrevem sobre o tema o façam sempre tendo como ponto de partida partes da verdade e dos factos.
A extrema-direita afirma agora que a culpa é dos pais do jovem, do sistema judicial e até do próprio Nahel. A extrema-esquerda fala em violência excessiva da polícia, discriminação e racismo. É tudo verdade, mas é muito mais do que isso.
O oportunismo anda à solta e a desgraça do Nahel tornou-se um instrumento político.
Sejamos claros, o drama de Nanterre revela, antes de mais, a falência dos Estados.
Governos fracos, dominados por agendas que não controlam, laxistas, reactivos. Paris, tal como outras cidades europeias, é um vulcão prestes a “eruptir”. Existem bairros onde a polícia não entra e há uma reacção confrontacional com tudo o que representa o Estado por grande parte dos cidadãos que vivem nestas periferias. O Estado falha na integração desta gente que, por sua vez, é resistente ao processo. Há, evidentemente, um antagonismo cultural, civilizacional e muitas vezes religioso que é a acendalha desta violência, mas vivemos numa sociedade onde há coisas que não se podem dizer, nem se podem discutir.
Ai de quem se preocupe com a entrada desordenada de imigrantes ou com o radicalismo religioso crescente e escancarado e aspira a alguma ordem, logo será apelidado de siamês do Zemmour.
Entretanto, as ruas de Paris eram saqueadas por bandos de garotos de 13 e 14 anos, que fintavam a polícia, recorrendo às redes sociais, usando tácticas mais condizentes com criminosos de alto coturno, varrendo tudo o que aparecia, mas fazendo da memória do infeliz Nahel, que se vivo estaria entre eles, uma revolta selectiva, pois dirigida a lojas de marcas e de “gadgets” tecnológicos e, ao mesmo tempo, o Emmanuel Macron assistia ao concerto do Elton John.
O Nahel não devia ter morrido, é uma vítima, mas não é um mártir.
Termino com um apelo à coragem e à decência, qualidades que falham numa Europa que definha, decadente.
Alguém que me desminta. ■