Juros colocam Portugal sob alta pressão

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EVA CABRAL

Portugal começou 2017 com um clima de alta pressão sobre os juros da dívida a dez anos. E logo na primeira semana do ano estes ultrapassaram os 4%, uma fasquia complicada que deixou os investidores em alerta.

Se Teixeira dos Santos, o ex-ministro das Finanças de José Sócrates, colocou em 2011 como fasquia dos juros da dívida a 10 anos a taxa de 7 % – barreira a partir da qual o País teve de pedir um programa de assistência para evitar a bancarrota –, a DBRS tem referido os 4% como uma barreira para o Portugal de 2017. Barreira esta ultrapassada na quinta-feira da semana passada, colocando um novo pedido de ajuda no horizonte.

A agência de ‘rating’ canadiana, a única que mantém Portugal acima da classificação de “lixo”, veio agora abrandar o “valor simbólico dos 4%”. De acrescentar que logo na sexta-feira os juros portugueses baixaram marginalmente dessa fasquia, sem que isso desse garantias acrescidas aos mercados, que continuam muito voláteis. O economista-chefe da DBRS referiu que não existem números “mágicos”, mas o certo é que os olhos dos investidores estão assestados em Portugal.

A DBRS apressou-se a dizer que não está virada para as oscilações diárias das taxas das obrigações. Fergus McCormick, economista-chefe da DBRS, questionado sobre as consequências das taxas de juro acima de 4%, adianta: “Não há um limite mágico nos juros ou qualquer outro activo que possa desencadear uma revisão de rating”. E acrescentou que a agência “analisa centenas de variáveis” antes de alterar um determinado ‘rating’.

Mas declarações deste tipo, que contrastam com as feitas em meados do ano passado ao ‘Observador’, não asseguram confiança aos investidores. E, em matéria de aplicação de dinheiro, a palavra confiança é mesmo a chave que explica muitas opções. Ou seja, a fasquia de 4% era o nível que a agência DBRS tinha assumido como ponto de desconforto em relação a Portugal, e nos radares das casas de investimento é esse o número que está em cima da mesa numa altura em que as perdas dos últimos anos, e os sucessivos escândalos financeiros, aconselham prudência.

Refira-se que Portugal vai ser avaliado pela DBRS novamente no dia 21 de Abril, e que McCormick adianta que “um aumento gradual dos juros não é suficiente para causar uma pressão descendente nos nossos ratings sobre Portugal”. E justifica esta pressão no mercado com o Banco Central Europeu (BCE):“A desaceleração das compras líquidas de activos do Banco Central Europeu estão a causar algumas deslocações nos mercados obrigacionistas europeus, incluindo em Portugal. Isto é esperado”, explica o economista.

Mas rompida a barreira dos 4%, e com o BCE a ser pressionado pela Alemanha para retirar os estímulos à Economia, Portugal está objectivamente em maus lençóis.

Na próxima reunião do BCE, agendada para dia 19 deste mês, é natural que a Alemanha reforce a sua pressão, tanto mais que a sua taxa de inflação está muito perto dos 2%, pelo que já não se justificam estímulos do Banco Central Europeu. Estes factos conjugados podem ser uma tempestade perfeita para Portugal – que, depois da Grécia, é a economia com maiores fragilidades.

Forum para a Competitividade

Muitos economistas vinham avisando para a possível deterioração dos juros. O Forum para a Competitividade, na sua análise de Dezembro, tinha avisado claramente para o risco de subida de juros em Portugal.

Segundo frisava então, “o resultado das diversas eleições na Zona do Euro deverá levar à subida dos partidos anti-Euro e à concomitante subida dos diferenciais de taxa de juro entre o centro e a periferia. Além disso, o BCE vai abrandar a compra de obrigações, de 80 para 60 mil milhões de euros mensais, embora prolongue este programa até Dezembro de 2017. No entanto, o mais relevante é que manteve as restrições de compra de 33% do total de títulos elegíveis de cada país. No caso de Portugal, estima-se que esse limite seja alcançado no Verão, pelo que, mesmo antes de ele ser alcançado, os mercados deverão antecipar as suas consequências e conduzir a uma subida das taxas de juro, que poderão atingir níveis preocupantes”.

As dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida portuguesa estavam já em causa, mesmo com o ‘rating’ da DBRS seguro, e mesmo com as compras do BCE a decorrer. Na verdade, há quem (como o faz o analista David Schnautz, do banco alemão Commerzbank) tenha muitas dúvidas de que o Estado consiga emitir os 16 mil milhões de euros em dívida de longo prazo que quer emitir em 2017.

Com a vitória de Donald Trump a tornar provável, aos olhos dos investidores, uma pressão sobre as obrigações e, de certo modo, o fim do ciclo de juros baixos dos últimos anos, Portugal poderá ter a vida complicada. E esta primeira semana começou muito mal.

A Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) indicou que tenciona colocar 16 mil milhões de euros em obrigações em 2017. A tarefa ficou, claramente, mais difícil com os últimos desenvolvimentos”, disse David Schnautz.

Estímulos do BCE

A subida dos juros portugueses era uma constante dos últimos dias, tendo o 5 de Janeiro ficado marcado pelo facto de se ter atingido o valor mais alto desde 12 de Fevereiro de 2016, quando a ‘yield’ tocou nos 4,444%.

A tendência de agravamento verificou-se na generalidade dos países do Euro, numa altura em que as perspectivas de uma subida mais acelerada da inflação na região da moeda única estão a alimentar os receios de que o Banco Central Europeu (BCE) pondere uma retirada antecipada dos estímulos à economia.

A subida dos juros verificou-se igualmente em países como Espanha ou Itália, e até na Alemanha. Só que o risco associado à dívida portuguesa é muito superior e o País poderá resvalar para uma situação muito complicada.

Mas o que pode levar o BCE a retirar os estímulos, ou seja, a abrandar ainda mais a compra de dívida nos países do euro?

No início da passada semana, o Eurostat revelou que a inflação na Zona Euro subiu 0,6%, em Novembro, para 1,1% em Dezembro, em boa medida em consequência do aumento dos combustíveis, tendo ultrapassado a fasquia de 1% pela primeira vez desde Setembro 2013. A estes dados somou-se o facto de a inflação na Alemanha ter subido para 1,7%, um nível já próximo da meta de 2% do BCE.

Esta evolução dos preços está a levar vários economistas alemães a pressionar a autoridade monetária a aumentar o preço do dinheiro, avançou a Reuters. “É tempo de normalizar [a política monetária]”, defende o economista-chefe do DZ Bank, Stefan Bielmeier, em declarações ao jornal ‘Bild’, acrescentando que agora é “realizável” uma alteração nas taxas de juro.

O debate sobre a dívida

Com Portugal a pagar cerca de 8.5 mil milhões de serviço da dívida, a subida dos juros pode não só aumentar a factura como dificultar, ou mesmo impedir, a ida aos mercados. Daí que a doutrina do Governo se incline para a necessidade de uma solução europeia para o endividamento.

No dia em que se passava a barreira dos 4%, o ministro dos Negócios Estrangeiros português reiterou que os países da Zona Euro devem discutir o problema do endividamento excessivo, mas remeteu esse debate para depois das eleições na Alemanha, previstas para Outubro.

“É muito importante percebermos todos que o peso da dívida não é um problema deste ou daquele país, muito menos de um País chamado Portugal”, referiu Augusto Santos Silva. O governante frisa que “há um problema de endividamento excessivo que aflige a zona euro, em particular, e várias das economias mais fortes da Zona Euro” e considera que “os Estados-membros devem discutir esse problema, quando for o momento político adequado”.

Na sua intervenção na abertura do Seminário Diplomático, Santos Silva defendeu que é incontornável a Europa debater o endividamento excessivo, que “penaliza tantas economias”, considerando que “falta momento e impulso político” para discutir as propostas que já existem.

Apesar do turbilhão, António Costa mantém o optimismo. De partida para uma visita à Índia, o primeiro-ministro garantiu estar a acompanhar a evolução em alta dos juros de Portugal, mas manifestou-se confiante numa inversão dessa tendência, alegando que os mercados irão progressivamente “percepcionando a realidade da economia portuguesa, designadamente no que respeita à execução orçamental, à redução da dívida líquida e ao facto de termos um dos maiores saldos primários da União Europeia”.

Resta saber se o optimismo de Costa, que Marcelo considera ser algo irritante, não se esvai pressionado pela realidade.