Os palcos desertos

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Entre semanas tempestuosas que fizeram cair números-recorde de autarcas, secretários de Estado, ministros e demais solenes figuras, numa sucessão de eventos que nos catapultaram para o podium da ausência de vergonha à escala planetária, destacou-se porém a suprema coragem de pequenos grupos insurgentes que vieram manifestar-se publicamente no âmbito de uma problemática, porventura a única, capaz de superar semelhante feito.

Quantos de nós poderão a isto permanecer insensíveis quando as evidências são a tal ponto que se torna impossível não reconhecer tão gritante número de escolhas erradas, erros de ‘casting’ grosseiros e assumidas preferências de natureza vil e tendenciosa a corromper de forma cabal os processos de selecção dos membros do elenco das peças do Teatro São Luiz?

Deixou de ser opção continuar a fingir que nada disto acontece. Sobretudo pela sua flagrante recorrência.

Temos demonstrado especial condescendência com relação a tudo a quanto nos pretendam submeter, passando esta a ser, a par com a nossa curta memória, a característica que mais nos destaca entre os nossos pares.

Foi-nos pedida resiliência…  lá a acatámos.

Foram pedidos sacrifícios… assim os aceitámos.

Foi-nos pedido que confiássemos… assim fizemos.

Foi-nos pedido que encerrássemos os nossos negócios se preciso fosse… assim colaborámos.

Foi-nos pedido que deixássemos de visitar pais e avós… lá seguimos à risca as recomendações de quem sempre mais não quis do que o nosso bem.

Foi-nos pedido que suportássemos aumentos intoleráveis de impostos sobre tudo o que mexe e tudo o que não mexe… assim acedemos sem protestar.

Foi-nos pedido que não paríssemos no Verão… tudo fizemos para esperar pelo Outono, e quando ainda assim não o conseguimos, tentámos não sobrecarregar os serviços de  maternidade que, ainda que quiséssemos, já não estariam disponíveis.

Aguentámos tudo e quanto mais nos pedissem.

Agora isto… isto não.

Senão vejamos.

Que importância poderá ter o facto de o nosso actual ministro da Defesa ser sócio maioritário de uma sociedade imobiliária partilhada com um outro condenado por fraude fiscal?

Que mal pode vir do facto de o nosso actual ministro das Finanças ter assinado enquanto autarca da maior câmara do país uma nomeação para prestação de serviços agora alvo de investigação, que terá motivado as recentes buscas pela Polícia Judiciária na Câmara de Lisboa por suspeitas de corrupção, participação económica em negócio e falsificação?

Que a secretária de Estado da Agricultura tenha diversas contas arrestadas, na sequência de uma investigação que visa o marido, ex-presidente da Câmara de Vinhais, e esteja envolvida em toneladas de processos duvidosos?

Que o actual ministro das Infraestruturas esteja a ser investigado e o seu antecessor tenha estado envolvido através da participação nas empresas do pai em mais de duas dezenas de contratos assinados com o Estado que o beneficiaram em mais de 1 milhão de euros?

Que se tenha esquecido de que validou o pagamento de uma indemnização paga pela TAP para a saída de uma administradora que calhou logo a seguir vir a integrar o Governo como secretária de Estado do Tesouro?

Que a ministra da coesão seja casada com um Sr. que detém empresas beneficiadas por fundos comunitários, e um sócio chinês condenado a pena de prisão (mesmo suspensa) por corrupção no caso dos «Vistos Gold»?

Nada disto, estimados leitores, se compara ao dano irreparável que representou o facto de não ter sido escolhido um actor transgénico, perdão, transgénero para representar (não sendo esse o papel esperado de um actor) uma personagem também ela transgénero, pois pasme-se… «Transfake é Transfóbico», grita-se em febril delírio às portas do São Luiz, sendo esta a palavra de ordem.

Onde não se grita, pois não se reconhece motivo para tal indignação ou peixeirada, é às portas de São Bento.

Por ali o palco está exactamente à altura dos distintos actores que actualmente o integram e que representam hoje e por mérito próprio o papel perfeito na peça para que nasceram.

Por lá se vai lendo, freneticamente pelos corredores, o guião supremo dos desígnios do País que todos nós escolhemos, ou deixámos escolher…

«Governo de ladrões, burlões e aldrabões… o papel da nossa vida».