O Natal que se aproxima é uma data penosa para centenas de milhões de cristãos chineses. Um enorme número de convertidos nos últimos anos está a transformar a China na maior Nação da Cristandade – mas, tal como nos dias da Roma Antiga, os cristãos têm de praticar a sua fé escondidos das autoridades. O regime comunista, assustado com a força que ajudou a derrubar a tirania marxista na Europa, procura um acordo com o Vaticano para que este lhe reconheça o controlo da Igreja no país, de forma a conseguir amordaçar melhor os católicos. A assinatura desse acordo está iminente, mas os cristãos chineses apelam ao Papa para que não aceite os desígnios de Pequim.

Enquanto se acotovelam em compras de Natal que muito pouco têm de consentâneo com os ensinamentos de Jesus Cristo, os cristãos ocidentais não se apercebem do verdadeiro privilégio que é poderem manifestar a sua fé de forma livre. E, certamente, poucos pensarão naqueles que ainda hoje estão proibidos de o fazer. Parece não faltarem, mesmo, cristãos portugueses mais do que dispostos a receberem dinheiro de um regime que oprime diariamente outros cristãos.

Questionar-se-á o leitor: por que razão é o caso chinês mais importante do que qualquer outro dos numerosos casos de perseguição de cristãos no mundo? Afinal, fora do Ocidente, os cristãos são a minoria religiosa mais perseguida do planeta (ler caixa, nestas páginas). Na verdade, a China assume um papel decisivo no futuro da fé a nível global, visto que será brevemente a maior Nação da Cristandade. Estima-se que existam, à data desta publicação, algo entre 80 e 200 milhões de cristãos na República Popular da China. E se a actual taxa de conversão se mantiver, a China terá muito em breve o maior número de cristãos no mundo. Cristãos esses, no entanto, que vão permanecer sob a bota da repressão comunista que reina naquele país.

Até mesmo determinar o número certo de cristãos na China é uma tarefa difícil, pois o regime afirma que apenas existem 20 milhões de praticantes dos ensinamentos de Jesus Cristo na China. Mas o número de exemplares da Bíblia vendidos conta outra história. Apenas uma editora religiosa, a “Amity Printing” (à data desta edição, a última empresa que ainda tem permissão estatal para reproduzir a Bíblia na China), anunciou recentemente que tinha produzido 150 milhões de cópias, e que metade tinha sido editada para consumo interno.

As aplicações para telemóvel com o texto supremo dos cristãos tornou-se também imensamente popular entre as gerações mais novas, especialmente porque pode ser apagada caso o “comissário” do Partido se aproxime. E este número não engloba as inúmeras cópias ilegais, muitas transcritas à mão ou fotocopiadas, que enchem as igrejas clandestinas no país. Se o número de cristãos na China fosse aquele que as autoridades pretendem, então quem estaria a adquirir tantas cópias da Bíblia?

Segundo reportagens de jornalistas da BBC, muitos entretanto expulsos do país, este tipo de Igreja prolifera de forma anónima nos sítios mais inusitados, onde for possível organizar uma missa. Armazéns, cafés, caves, sótãos, tudo serve.

Comunismo impopular

Para o regime comunista, a ascensão do Cristianismo representa um desafio directo ao seu poder. Considera-se que a expansão da fé cristã no país, apesar da pesada repressão, se deve em grande parte ao falhanço do regime em providenciar uma boa qualidade de vida aos seus cidadãos, especialmente em comparação com a República da China, vulgo “Taiwan” ou “Taipei chinesa”. Outras medidas especialmente desumanizantes, como a desagregação forçada de famílias, os abortos forçados, ou a política de repressão da natalidade levaram muitos chineses a procurarem o conformo do cristianismo. Muitos foram os trabalhadores de fábricas forçados a ter de deixar as famílias para trás: o regime permite migração laboral sazonal, mas não permite que os habitantes rurais se mudem para as cidades sem um dispendioso visto.

Mas, para muitos jovens chineses, a adesão ao Cristianismo representa algo mais: a vontade de se ocidentalizarem, democratizarem e atirarem o regime velho e velhaco para o caixote do lixo da história – o que faz da luta anti-cristã das autoridades comunistas uma verdadeira cruzada política e ideológica.

A História não desmente essa leitura. João Paulo II apoiou as forças da liberdade contra os regimes que oprimiam metade da Europa, nomeadamente a sua pátria, a Polónia, onde o falecido Papa (canonizado em 2014) é considerado um herói nacional. Antes mesmo de ser eleito Papa, Karol Wojtyła apelou em 1975 a que os católicos portugueses saíssem à rua para enfrentar a tirania do PREC. “Os católicos têm de sair à rua, e já!”, terá afirmado ao então Bispo de Aveiro, incentivando-o a organizar as célebres manifestações dos católicos desse ano.

Pequim apercebeu-se dos perigos que o Cristianismo, mensagem de libertação por excelência, representa para o regime despótico e anti-espiritual de Pequim. Em 2015, o Partido Comunista demoliu 1500 igrejas só na província de Zhejiang, noutras os comissários andaram de casa em casa a confiscar as cruzes e Bíblias dentro dos edifícios.

Os fiéis ainda procuraram apelar aos tribunais, mas o facto de o advogado mais proeminente nestes casos, o doutor Zhang Kai, ter sido detido pela polícia secreta durante meses — sem direito a visitas ou representação legal — tendo só sido libertado em Março deste ano, mostra que o assunto é prioritário para Pequim.

Muitos padres e activistas cristãos não tiveram a mesma “sorte” que Kai. Thaddeus Ma Deqin, o Bispo Auxiliar de Shanghai, não é visto desde 2012. Ao que tudo indica, estará sob prisão domiciliária por ter rejeitado publicamente o controlo comunista da Igreja. Recentemente, numa manobra de propaganda que está a tornar-se habitual, surgiu uma “notícia” suspeita na Internet em que Ma Deqin aparentemente rejeitava as suas corajosas afirmações iniciais, afirmando ter sido influenciado por “pressões externas” e enaltecendo a liderança comunista do país… Quem teria colocado aquele ‘post’ na Internet? Por certo não foi o Bispo Auxiliar de Shanghai, que continua incomunicável, e portanto impedido de contactar os fiéis da sua Diocese.

Outro elemento do Clero chinês, o influente padre Pedro Yu Heping, que operava na clandestinidade no nordeste da China, foi recentemente encontrado morto a boiar no rio. A polícia decidiu de forma célere que a causa da morte foi suicídio.

Cristianismo com características comunistas

O conflito religioso no país intensifica-se por existirem, efectivamente, “duas igrejas” para cada credo: a versão oficial comunista e a versão clandestina. A Igreja Católica no país encontra-se sob o controlo directo do aparelho comunista desde os anos 50, tendo assumido o nome “Associação Católica Patriótica Chinesa”. É Pequim quem nomeia os bispos no país, e não o Papa, embora não seja raro um bispo nomeado pelo regime ir ao Vaticano pedir o perdão e a bênção do Sumo Prontífice. Mas também é comum existirem nomeados por razões políticas. A normalidade é o nomeado não aceitar o “privilégio”, ou Pequim não se dignar sequer ao trabalho de procurar um candidato. Cerca de 70 Dioceses no país encontram-se sem bispo. Adicionalmente, existem pelo menos mais de uma dezena de “bispos clandestinos”, mas assumir essa posição é arriscar uma longa estadia na prisão, ou pior.

Porém, o regime agora quer mudar um pouco o “modus operandi”, visto sentir que está a perder a batalha pelo coração dos chineses. O partido que em tempos tentou abolir a religião, quer agora alterar a mesma para a tornar “compatível com o caminho socialista do país”, conforme se reconhece num comunicado oficial dos comunistas. O Presidente Xi declarou, durante um discurso, que a religião cristã tem de “aderir à liderança do Partido Comunista Chinês e apoiar o sistema socialista com características chinesas”, notando que o Cristianismo deve “fundir doutrinas religiosas com a cultura chinesa”. De facto, uma comissão nomeada pelo Partido Comunista chinês trabalha neste momento na redacção de uma “nova versão” da Bíblia, mais “compatível” com o marxismo e com a “cultura” comunista oficial.

Acordo com Pequim

É numa lógica de reaproximação ao Vaticano que as autoridades chinesas estão a negociar um acordo com o Papa Francisco que, caso aprovado, o fará novamente chefe da igreja chinesa, mas sob controlo do regime. Aparentemente desejoso de estabelecer um “diálogo” a qualquer preço, o Sumo Pontífice está a ser criticado no Ocidente por uma política de cedência sistemática aos marxistas.

Apesar de ser doutrina da Igreja o Sumo Pontífice deter soberania absoluta sobre as nomeações episcopais, no novo acordo em negociação o Papa apenas poderá reconhecer os bispos que tenham recebido a aprovação prévia de Pequim.

Este acordo também está em linha com uma surpreendente aproximação do Papa Francisco aos regimes ditatoriais de esquerda. Desde o início do seu Pontificado, Francisco recebeu delegações chinesas e tem evitado contactos com representantes da oposição ao regime de Pequim. Os comunistas têm vindo a retribuir os gestos de boa vontade, tendo inclusive oferecido ao Papa uma elaborada estampa de seda com representações dos primeiros missionários cristãos na China, cujas viagens decorreram durante a Idade Média.

Não seria a primeira vez que um acordo desta natureza é assinado, especialmente na óptica de tentar reduzir a perseguição política sobre os crentes. A Igreja, aliás, concedeu ao regime comunista do Vietname, nos anos 90, poder de veto às nomeações de bispos. Mas o número de cristãos na China é muito maior do que neste país.

E o precedente histórico é preocupante. Na Polónia comunista, o regime e os católicos chegaram a um acordo similar de coabitação nos anos 50 apenas para os comunistas ignorarem os termos do acordo de forma repetida.

Entre as vozes que têm vindo a criticar o acordo agora em negociação com o Vaticano, encontram-se figuras como o Cardeal John Tong, Bispo de Hong Kong, que avisa o Papa de que os termos poderão não ser aceitáveis para os milhões de crentes que praticam o Cristianismo na clandestinidade. Outros receiam que a Igreja legitime desta forma a opressão comunista, e que não reconheça o que considera ser o martírio de milhares de opositores ao regime que perderam a vida durante a violenta repressão.

Entretanto, em Portugal, supostamente uma Nação católica, fazem-se votos de pesar pela morte de Fidel Castro na Assembleia da República, insultam-se chefes de Estado de países democráticos, e aceita-se a compra do país, às peças, por um dos regimes mais opressivos do mundo.

Celebrar o Natal em Portugal é muito mais fácil quando não se está a temer a vinda do comissário do Partido e uma estadia num campo de concentração. Verdadeiramente um “luxo”, entre muitos outros, que felizmente se conquistou no dia 25 de Novembro de 1975.

[td_text_with_title custom_title=”Cristãos entre as minorias mais perseguidas do mundo”]

Segundo a Sociedade Internacional para os Direitos Humanos, uma organização secular, 80 por cento de todos os actos de discriminação religiosa são dirigidos contra cristãos. Cerca de 100 mil cristãos perdem a vida todos os anos ou para a tirania comunista, ou para o islão ou hinduísmo radical. Facto que não costuma ser divulgado na Europa, apesar de a Europa estar a acolher milhões de pessoas que supostamente são perseguidas.

No Médio Oriente, o massacre de cristãos atingiu um nível tal que foi comparado a um “pogrom”. No Paquistão, por exemplo, não é raro hordas islâmicas “sublevarem-se” para massacrar cristãos inocentes. No Iraque, onde a população cristã numerava 1,5 milhões antes da desastrosa invasão dos EUA, a ascensão do Estado Islâmico e do radicalismo sem controlo significa que a maioria dos cristãos teve de fugir para países vizinhos, embora muito poucos tenham encontrado o caminho para a Europa. Em quase todos os países africanos com maiorias muçulmanas, os cristãos tendem a ser “caçados” e têm de praticar a sua religião em segredo.

Recentemente, o Patriarca de Jerusalém perguntou: “Alguém nos ouve a chorar? Quantas mais atrocidades devemos suportar antes de alguém, algures, vir em nosso socorro?”. Na Europa, enquanto os cristãos se apressam a ir às compras, este apelo de ajuda “passou ao lado”.

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