Economia continua a pedalar em seco

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O governo bem gostava de poder anunciar a almejada “descolagem” da economia portuguesa. Mas os índices estatísticos nunca mais lhe fazem a vontade…

Três anos passaram desde que José Sócrates pediu um resgate financeiro quando o Estado português se tornou incapaz de pagar as suas contas. Por causa desta humilhação, os portugueses elegeram o seu opositor, Pedro Passos Coelho, como primeiro-ministro nas eleições legislativas de 2011.

Desde então, o governo de coligação PSD/CDS adoptou uma feroz política de austeridade, numa tentativa de sanear as finanças públicas e os “desequilíbrios macroeconómicos”: os impostos subiram, os ordenados baixaram, o desemprego disparou e a economia continuou em recessão.

Sentindo o peso das legislativas que se aproximam, a coligação tem tentado desesperadamente que a economia volte a entrar nos eixos, e 2014 foi-nos apresentado, de forma quase sebastianista, como o ano da desejada retoma.

Mas os indicadores económicos referentes a meados deste ano, recentemente publicados pelo Eurostat, mostram que Portugal, para grande desagrado dos nossos dirigentes, continua sem ser um caso de sucesso.

Produção industrial sobe e desce

ship-334169_1920O actual governo apostou no aumento das exportações e na diminuição das importações como meio de solucionar a actual crise económica. Não é uma ideia descabida, já que exportar é uma forma de captar capital externo. Países como a Alemanha, cujos mercados de consumo interno são relativamente pequenos em comparação com a sua economia total, vivem da exportação de bens.

Mas há um problema nos planos do governo de Passos Coelho: para vendermos mais produto nacional, temos que produzi-lo, e não estamos a ter grande sucesso nesse domínio.

Tanto o Instituto Nacional de Estatística como o Eurostat revelam que o índice de produção industrial tem vindo sempre a oscilar entre a queda e a retoma. Se é verdade que no mês de Abril deste ano a produção industrial aumentou 5,4% em relação ao mês anterior, também é verdade que caiu 3,3% em Março, e 1,6% em Maio. A média geral do ano, claro, parece positiva: um aumento de 2% é razão para os “planeadores” e “estimadores” económicos celebrarem, mas é um número enganador se olharmos para o índice de produção industrial.

O que é este índice? Em resumo, é uma análise ao cenário económico em que os números actuais são comparados com os números económicos de um ano anterior. Os dados são depois revelados em relação ao número 100, sendo que números abaixo de 100 revelam uma queda, e acima dele um aumento.

No caso do INE e do Eurostat, a base de comparação é 2010, um ano antes da bancarrota lusitana. Analisando os dois documentos desde Julho do ano passado, podemos constatar que nunca o nosso índice esteve acima do valor 100. Resumindo: a nossa produção industrial, apesar de ter aumentado em relação ao ano anterior, continua abaixo do que já foi antes da crise. Estamos a correr atrás de territórios que já estão a produzir mais do que antes da crise na Europa: países como a Dinamarca, os países Bálticos, a Alemanha ou a Bélgica.

A boa notícia é que estamos melhor do que há um ano atrás. A má notícia é que a nossa actividade industrial ainda nem conseguiu regressar a níveis de 2010: para já, são 4 anos perdidos.

Exportações em crise

Existe mais um “furo” nos planos do Estado: a balança comercial, tão apregoada por ter tido um excedente durante um breve período de tempo no ano passado, voltou a ficar negativa.

Quando analisado o período respeitante ao primeiro semestre do ano, o Eurostat revela-nos que as exportações totais estagnaram: vendemos 23,8 mil milhões de euros ao estrangeiros no ano passado, e vendemos 23,9 mil milhões no corrente ano.

Em comparação, as importações cresceram 4%, o que coloca o nosso défice de comércio com o estrangeiro em 5 mil milhões de euros. O nosso deficit comercial daria para financiar todas as nossas escolas durante um ano.

E este nem é o aspecto mais grave de toda a equação.

Portugal, país histórico de mercadores que desbravaram os sete mares em busca de rotas comerciais lucrativas, é dos países que menos comercia dentro do espaço da União Europeia.

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Comércio dos países membro da UE (em milhares de milhões de euros)

A Irlanda, com metade da nossa população, e que passou também por uma crise de liquidez, exporta duas vezes mais do que Portugal, 44 mil milhões de euros, e consegue importar menos, o que significa que consegue adicionar mais capital externo à sua economia, que poderá ser canalizado para investimento. Investimento de que, neste momento, Portugal precisa, mas não tem.

Infelizmente, somos dos países que menos exporta no contexto da UE: de facto, é difícil recolher os benefícios de se pertencer a um dos maiores mercados de comércio livre do mundo se não conseguimos vender-lhes produtos.

Pensarão muitos portugueses que o comércio com as antigas províncias ultramarinas poderia ajudar-nos a ultrapassar este deficit. Porém, também aqui as notícias são sombrias: não só o volume de negócio se mantém comparativamente pequeno, mas também continuamos a importar mais do que exportamos para fora do espaço comercial da União Europeia.

Um problema sério, tendo em conta o que se aproxima.

Americanos dão à costa

De cima da sua mota Harley-Davidson, o embaixador dos Estados Unidos da América em Portugal, Robert Sherman, promoveu 10599531_10152486019168737_6597747435164957764_nrecentemente o Tratado Transatlântico de Comércio, em Évora. Foi uma operação de ‘marketing’: o diplomata quer promover os interesses da sua nação entre os portugueses e assegura que os interesses dos EUA são paralelos aos de Portugal. Serão mesmo?

Caso a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento seja aprovada (e os sinais nesse sentido são positivos), os obstáculos finais do comércio entre a União Europeia e os EUA serão abolidos. Tal facto significará a harmonização de regulações, o fim de restrições de acesso aos mercados e o fim de taxas aduaneiras, entre outros. Será o maior bloco comercial do planeta, representando quase metade da economia de todo o mundo.

Portugal poderá ficar muito bem ou muito mal com este acordo.

Por um lado, podemos passar a exportar, sem barreiras, para um mercado gigantesco e afluente. Mas, por outro, corremos o risco de sermos esmagados pela concorrência externa. Portugal sofreu, e ainda sofre, por competir dentro de uma União Europeia sem fronteiras; imagine-se agora o possível choque quando tivermos de competir simultaneamente com europeus e norte-americanos. Estaremos prontos para o embate?

Pastéis de nata

Há indícios positivos. Nos últimos anos, tem sido feito por algumas empresas portuguesas um trabalho árduo no sentido de tentar lançar os nossos produtos no estrangeiro.

Empresas históricas portuguesas, como a Vista Alegre, lançaram novas linhas de louça e vidro com ‘design’ moderno e apelativo para os estrangeiros.

Em Coimbra, uma empresa recentemente fundada lançou uma linha de impressoras de alta tecnologia que imprimem em três dimensões. São portuguesas e são consideradas das melhores do mundo.

O sector dos têxteis do Norte, há muito considerado defunto, conseguiu voltar do mundo dos mortos, lançando calçado novo e moderno, assinalado com marcas que os consumidores associam a qualidade e à moda.

A necessidade de se criar marcas reconhecíveis, criar produtos de valor elevado e vender produto nacional foi finalmente reconhecida em Portugal.

Infelizmente, quando um certo ministro sugeriu, inteiramente a sério, que se deveria exportar pastéis de nata, foi logo alvo de zombaria. Este governante, que gostava de ser tratado simplesmente por Álvaro, na mais pura tradição informal e comercial anglo-saxónica, tornou-se rapidamente alvo da velha pecha portuguesa do maldizer e acabou recambiado para a universidade estrangeira onde é professor.

Possivelmente deveria ter sido ouvido com mais atenção. A China é o maior consumidor de pastéis de nata do planeta, mas os dois maiores exportadores da apreciada guloseima são empresas espanholas. As empresas portuguesas do sector tentam exportar, mas são esmagadas por falta de apoio estatal, por impostos elevadíssimos e preços de água e luz demasiado elevados.

Carlos Alberto dos Santos, então presidente da Associação do Comércio e da Industria da Panificação, Pastelaria e Similares (ACIP), chegou a dizer em 2012: “o que é certo é que nem o Estado nem nenhum privado pegou no pastel de nata e o registou em todo o mundo. Agora estão outros, como os chineses, a tirar dividendos”.

Se nem o nosso bom e velho pastel de nata conseguimos vender, então o que vamos fazer?