Preço do barril em queda, impérios do petróleo em risco

A primeira causa directa do recente excedente de produção petrolífera é o avanço tecnológico

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Inicialmente publicado a 21 de Outubro de 2014

O mundo parecia assistir ao fim da era do petróleo. Mas, afinal, as notícias da morte deste combustível fóssil foram exageradas: o “ouro negro” está de novo a ficar barato e ameaça alterar drasticamente o quadro geoestratégico mundial.

Ainda este Verão o preço por barril de petróleo rondava os 115 dólares, mas desde então tem vindo a cair a pique. A causa simples é a simples lei do mercado: se há mais oferta do que procura, o preço naturalmente baixa. Tal como numa tempestade perfeita, desta vez reuniram-se todas as condições possíveis para uma queda abrupta.

A primeira causa directa do recente excedente de produção petrolífera é o avanço tecnológico. Usando uma nova técnica que denominaram “fracking”, que consiste em libertar petróleo embebido em areias através do uso de líquidos disparados a alta pressão, os Estados Unidos da América e o Canadá aumentaram, e muito, a sua própria produção de petróleo.

Este aumento é tão significativo que os EUA estão a passar de maior importador mundial de “ouro negro” a grande exportador, ao mesmo tempo que garantem a sua independência energética.

Na Europa, a Dinamarca parece viver em cima de uma verdadeira mina graças ao “fracking”: os seus territórios no Árctico estão, pelos vistos, cheios de petróleo.

Opulência obscena

Manifestamente, os ambientalistas radicais e os académicos de esquerda (que se opõem ao “fracking”) estiveram também errados quanto à quantidade de petróleo que pode ser extraído por meio de perfuração ainda existente. De facto, existem enormes reservas entre o Egipto e a Grécia, a cada mês que passa descobre-se mais petróleo na orla costeira do Brasil, e os peritos suspeitam que existam grandes reservas no mar do Sul da China.

Puro e simples, o petróleo afinal não vai acabar assim tão cedo, o que reduz a pressão especulativa sobre os recursos ao mesmo tempo que a descoberta de novas reservas e de novos métodos de extracção significa que a produção aumentou.

Enquanto a produção nos países desenvolvidos aumenta, a coligação petrolífera árabe que causou as crises energéticas de 1973 e 1977 está dividida. Em tempos, este cartel controlava os preços do recurso e, quando o preço baixava muito, eles também baixavam simultaneamente a produção. Desta forma, muitos governantes árabes e seus amigos puderam viver uma vida de opulência obscena (compras “interessantes” incluem carros pintados a ouro e palácios do tamanho de uma pequena cidade).

SOS, Arábia Saudita

O problema é que muitos destes países nunca desenvolveram fontes de rendimentos alternativos aos petrodólares e muitos deles agora não se podem dar ao luxo de reduzir a produção. Muito pelo contrário: à medida que os preços baixam, a extracção de petróleo aumenta. Entre eles encontra-se a Líbia, cuja infra-estrutura está tão destruída que não pode dispensar cada cêntimo que consegue encontrar. E também temos o Irão, que precisa de ganhar moeda forte para pagar importações visto que, devido às sanções ocidentais, não consegue ter qualquer forma de crédito.

Estes países precisam de preços elevados, mas não podem baixar a produção. Logo, imploraram ao maior produtor do planeta, a Arábia Saudita, que o fizesse de forma a aumentar os preços. Os sauditas disseram não, e pelos vistos estão contentes em deixar o preço continuar a cair.

Apesar de estar a gastar milhares de milhões em despesa social numa tentativa desesperada para apaziguar os islamitas de forma a evitar uma revolta ao estilo do Estado Islâmico dentro das suas fronteiras, a Arábia Saudita possui reservas financeiras suficientemente vastas para suportar deficits orçamentais. E na sua lista de prioridades está o enfraquecimento de um rival regional, o Irão, bem como o enfraquecimento de concorrentes no mercado do petróleo, como a Rússia e a Venezuela.

Eleições à porta

Outro objectivo estratégico é tornar a extracção por meio de “fracking” menos atraente. Visto que o processo é mais caro do que a mera extracção por via de perfuração, a queda dos preços do petróleo afecta directamente as empresas envolvidas, reduzindo-lhes a margem de lucro. Os sauditas esperam conseguir mesmo atirá-los para fora do mercado.

Portugal: fiscalidade penaliza economia

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Portugal é um dos países do Mundo onde os combustíveis são mais caros – e não falta quem pense que o abaixamento do preço da gasolina e do gasóleo é um imperativo nacional, visto que reduz o preço dos transportes, quer de mercadorias que de passageiros, alivia a factura da maquinaria agrícola e baixa o custo da electricidade, favorecendo por isso a produção industrial e as contas domésticas.

Mas não: proteger os ursos polares é mais importante que o bem-estar dos portugueses, e os ambientalistas voltaram a ganhar mais uma batalha. Apesar de o preço do petróleo estar a cair a pique, e com ele o preço da gasolina e do gasóleo, o Governo não quer mesmo deixar os portugueses respirar de alívio nem por um segundo.

A nova “fiscalidade verde” introduzida no Orçamento do Estado aumenta ainda mais a carga fiscal sobre o combustível. Nada escapa: nem o gasóleo agrícola de que os agricultores precisam para cultivar, nem a gasolina “dos pobres”, de apenas 95 octanas, nem sequer o gasóleo usado pelos camiões para abastecer as indústrias nacionais e exportar o bom produto português. Há que proteger os ursos polares.

O Governo sugere alternativas. Umas risíveis, como ir de bicicleta para o trabalho; outras inacessíveis à generalidade dos portugueses, como a compra de viaturas eléctricas a 30 mil euros a unidade. Os defensores desta última opção argumentavam que os carros movidos a electricidade tinham duas vantagens: serem pouco poluentes e permitirem contornar os elevados preços do petróleo.

Quando à questão ambiental, um recente estudo britânico revelou que, devido aos minérios altamente poluentes que são usados no fabrico das gigantescas baterias eléctricas, qualquer carro a gasolina ou gasóleo é mais amigo do ambiente. E quanto ao preço do combustível líquido, o argumento acaba de cair pela base…

A reacção dos norte-americanos tem sido ambígua: por um lado querem proteger o seu novo negócio de extracção petrolífera de forma a proteger uma recém-adquirida independência energética, mas por outro os preços baixos do petróleo são populares. De facto, o Financial Times estima que cada americano vai gastar menos 600 dólares por ano com os actuais preços do barril. E, ao contrário da monarquia absoluta saudita, os EUA têm eleições para o Congresso de dois em dois anos, estando uma eleição marcada para daqui a dois meses.

Aumentar deliberadamente o preço do petróleo pode ser uma medida extremamente impopular para qualquer um dos partidos, pelo que provavelmente estará fora da agenda legislativa por algum tempo.

Entretanto, numa situação consideravelmente irónica, o Estado Islâmico, para se financiar (os relógios de 5.000 euros que o seu líder usa não se pagam sozinhos), está a vender petróleo produzido nas zonas que conquistou, a preços de saldo, e está a ter sucesso em encontrar compradores, sendo mais uma pressão inesperada sobre o preço do “ouro negro”.

Procura mundial diminui

Mas a queda dos preços não pode apenas ser explicada pelo aumento da oferta: a procura também diminuiu bastante. A economia mundial está novamente em apuros, a Zona Euro está estagnada e o ritmo de crescimento da produção industrial chinesa abrandou. Menos crescimento de produção industrial significa menos consumo de petróleo, o que significa menos procura.

E, para adicionar sal à ferida, o Japão, um dos maiores consumidores de energia eléctrica do planeta, decidiu reactivar as suas centrais nucleares. Estas centrais foram desligadas depois do desastre de Fukushima e da pressão da esquerda japonesa. Para compensar, o governo nipónico religou as suas velhas centrais a petróleo, incorrendo num enorme custo financeiro, visto que o Japão necessita de importar cada gota que usa.

Assim que a direita voltou ao poder, as centrais nucleares foram reactivadas. Resultado: uma queda significativa na procura mundial de petróleo.

De volta à URSS

Enquanto esta luta geoestratégica se desenrola, os impérios do petróleo começam a tremer.

A Rússia corre o risco sofrer uma repetição do desastre económico que ocorreu com a sua antecessora, a União Soviética.

Nos anos 80, quando o preço do petróleo caiu a pique, a URSS ficou numa situação de grave crise financeira: a sua economia planeada e ineficiente estava completamente dependente da exportação deste recurso. O resultado foi a diminuição da despesa militar, o abandono do domínio soviético sobre o bloco de Leste e o fim da própria URSS.

Tal como nessa altura, a Rússia de Vladimir Putin depende da exportação deste recurso. Mas, alvo de pesadas sanções ocidentais, será que Putin continuará a poder manter a sua actual política externa e militar? Muitos especialistas duvidam, e de facto o Kremlin já abandonou um gigantesco e caro plano de modernização das forças armadas russas.

Outro caso preocupante é a Venezuela, completamente dependente dos petrodólares e já a braços com revoltas contra o regime. O Estado autoritário de Caracas poderá não resistir a mais um abalo às suas contas.

E finalmente Angola, cuja elite tem vivido no luxo dos petrodólares, arrisca-se a sofrer um terramoto social. A antiga província ultramarina de Portugal pode sofrer um ataque em duas frentes: uma quebra na produção total de petróleo (algo que já está a acontecer) combinada com uma queda abrupta dos preços e uma quebra brutal na receita das exportações.

Eis como o preço do barril de petróleo pode vir a determinar uma alteração do quadro geoestratégico mundial.