Está lançada a guerra pelo controlo da internet

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Quem controla a informação controla o mundo, e a internet é a maior rede de informação dos nossos dias. Através dela, regimes comunistas lançam ataques terroristas contra empresas privadas que, por sua vez, combatem a pirataria ‘online’ com métodos cada vez mais draconianos. Todos querem controlar a net.

Quando a Sony autorizou a produção de “A Entrevista”, uma sátira sobre dois jornalistas que tentam assassinar o líder da Coreia do Norte, provavelmente nunca pensou que poderia estar a acender o rastilho de uma grave crise na circulação de informação no Ocidente.

Pensou mal. O miserável regime eremita da Coreia do Norte mobilizou os seus parcos recursos e conduziu uma campanha de terror contra a empresa. O grupo terrorista, auto-denominado “Guardiões da Paz”, apoiado por Pyongyang, logrou introduzir-se na rede interna da Sony, onde descobriu informação reservada da multinacional, bem como vários filmes ainda por estrear. O grupo largou a informação para todos verem e descarregarem e o resto do trabalho ficou para os Media e para os piratas.

De forma rápida e voraz, os jornalistas partilharam alegremente a roupa suja da empresa para todos poderem ler. Algumas das informações mais divulgadas foram mesmo as discussões fofoqueiras por e-mail onde directores, produtores e actores todos dizem mal uns dos outros, bem como as datas de produção de futuros filmes.

Entretanto, os vários sites de pirataria distribuíram filmes gratuitamente, filmes esses que custaram milhões a realizar e que ainda estavam a correr nas salas de cinema.

A crise de relações públicas, no entanto, foi o menor dano infligido à Sony. Os prejuízos monetários fizeram mossa numa empresa a braços com problemas de liquidez, e que contava com os lucros da sua divisão cinematográfica para colmatar prejuízos de outras divisões problemáticas, como a da electrónica de consumo.

A empresa determinou, pelo menos brevemente, ceder ao terrorismo e decidiu não avançar com a estreia de “A Entrevista”. O filme acabou por ser lançado pouco depois, tendo sido mal recebido pela crítica.

Mas a reacção da opinião pública norte-americana não se fez esperar. Afinal, este era um ataque com implicações profundas: a ditadura comunista da Coreia do Norte tinha censurado um filme em território americano.

Obama foi rápido a prometer apoio no combate ao ciber-terrorismo: o FBI mobilizou as suas forças de investigação e o certo é que a Coreia do Norte teve a sua internet cortada durante 10 horas. Não se sabe qual a razão, mas a promessa de retaliação do Presidente dos EUA pode ser um forte indício para encontrar o responsável.

No entanto, é aconselhável não ver a Sony apenas como vítima: a empresa também tem o seu papel na guerra pelo ciberespaço.

Apertar o cerco

Os grupos de pirataria informática já causaram milhares de milhões em lucros a várias empresas. A indústria musical, por exemplo, foi dos sectores mais atingidos, tendo perdido 90% dos lucros acumulados em décadas anteriores. Em resposta, as grandes empresas procuraram retaliar.

Nos Estados Unidos, a Sony é um dos grandes conglomerados que fazem ‘lobby’ junto do Governo para impor medidas cada vez mais draconianas, de forma a travar os piratas. Curiosamente, foi o ataque à Sony que revelou uma parte da dimensão do ‘lobby’.

Numa das actas de uma reunião da Motion Pictures Association of América (MPAA), a organização que dirige o ‘lobby’ cinematográfico, fica esclarecido que as empresas-membro devem investir na litigação e não no que é chamado de “educação”. Resumido: as grandes empresas procuram instaurar processos pelas mais variadas razões, mesmo sabendo que podem perder. A esperança é de criar um ambiente de medo nos infractores, que muitas vezes não conhecem os seus direitos e chegam a acordo.

É necessário referir que em muitos países não é ilegal fazer descargas de conteúdos com ‘copyright’ da internet, mesmo que o seja difundi-los na web.

A campanha empresarial contra a pirataria teve o seu primeiro sucesso há pouco tempo, quando o maior sítio de descargas ilegais, o Pirate Bay (Baía dos Piratas), foi desmantelado pelas autoridades suecas e os seus gestores presos.

Mas foi uma vitória insignificante. Na era da globalização e no contexto de uma internet quase completamente desregulada, outros sítios rapidamente apareceram para substituir os piratas caídos. Pior, o Pirate Bay reapareceu poucos dias depois, num servidor sediado na Costa Rica. Esta era uma campanha de guerrilha que as empresas estavam a perder.

Neutralidade governamental

Apesar de haver pouco controlo estatal sobre a internet, a legislação existente em muitos casos protege, inadvertidamente, os piratas. No caso da União Europeia e dos Estados Unidos, a legislação não autoriza a censura de sítios da internet por parte dos operadores sem um mandato judicial: um processo moroso e de dúbia eficácia, visto que os piratas podem facilmente saltar de jurisdição em jurisdição.

No caso da China, que possui uma das redes de internet mais censuradas do mundo, as autoridades ignoram quase totalmente os piratas informáticos desde que só pirateiem propriedade intelectual estrangeira e não tentem discutir política. Apelos às autoridades chinesas por parte das grandes empresas têm sido ignorados.

No Ocidente, planos estatais para combater a pirataria colocando o peso da lei sobre o utilizador geralmente falham. Qualquer medida deste género enfrenta a oposição do grande público. Sarkozy tentou aplicar uma lei determinando que o utilizador de material pirateado teria o seu fornecimento de internet cortado, a chamada lei “HADOPI”.

A lei, em si, apenas foi aplicada uma vez, tendo o utilizador sido forçado a pagar 600 euros de multa. Foi revogada em 2013 por causa da sua inutilidade e por ser considerada desproporcionada.

Na Alemanha, a pressão sobre os governos ainda é mais vigorosa, visto que os piratas são relativamente fortes em termos de apoio social. Até conseguiram formar o seu próprio partido, o Partido Pirata, com o qual elegeram representantes tanto no Parlamento Europeu como em vários parlamentos locais.

Desaparecidos do mapa

Segundo os documentos encontrados na base de dados da Sony, frustrada a tentativa de combater a pirataria pela via legislativa, a indústria ia (ou irá, caso o plano se mantenha) procurar colocar em marcha outra estratégia.

O que hoje conhecemos como o motor de busca, cujo maior exemplo é o Google, é uma espécie de lista telefónica de última geração. Quando a internet foi desenhada, cada sítio recebeu um endereço de chamada, exactamente como um número de telefone, e para se chegar ao sítio era necessário digitar-se o número.

Foram, entretanto, criados 13 super-servidores que atribuem nomes a estes endereços e, com base nesses nomes, motores de busca como o Google encontram o sítio com base em palavras em vez de números.

O alegado objectivo mais recente do ‘lobby’ é pedir à Google e serviços similares que deixem de fazer a ligação entre nome e número de forma a impedir que o utilizador encontre o sítio.

Até hoje, a Google tem resistido às pressões, pois se cedesse em alguns casos o precedente poderia começar a ser usado para suprimir a liberdade de expressão na internet sem qualquer mandato.

O que é certo, neste momento, é que a luta pelo controlo da internet irá continuar.