Em 2015, face às massas imparáveis de “migrantes” e ao total caos na coordenação da União Europeia, não são poucos os políticos que anunciam o fim da Comunidade.
A História não se repete, mas às vezes o presente é muito similar ao passado. Roma não foi feita num dia, e também não caiu em apenas um. Em vez disso, o velho império foi minado internamente por migrações que, com o tempo, se tornaram invasões e saques. Roma deixou lentamente de existir.
O projecto europeu tem sofrido uma erosão similar. Em meados do início deste século ainda era apontado como um grandioso sucesso, mas desde a péssima gestão (e a total ausência de solidariedade europeia) dos resgates de Irlanda, Grécia e Portugal, o mito da Europa de Bruxelas tem-se vindo a desmoronar.
Hoje, 15 por cento dos portugueses acham que a União é um “desperdício de dinheiro”, 18 por cento consideram que a UE permite demasiada imigração descontrolada, 24 por cento associam o “projecto europeu” ao desemprego e à miséria (especialmente os mais jovens) e 12 por cento pensam que Bruxelas nos está a roubar a identidade cultural. Isto, segundo um estudo da própria União Europeia.
A crise dos “migrantes”, ditos sírios apesar de uma grande maioria ter proveniência de outros países, apenas mostrou ainda mais as enormes divisões entre os países desta “União” muito pouco unida, e colocou à vista de todos o caos que se vive em Bruxelas.
Em apuros
“A Europa está em mau estado”, afirmou Martin Shultz, o alemão que preside ao Parlamento Europeu, quando jornalistas em Bruxelas lhe perguntaram se considerava que existia a possibilidade de a UE se desfazer.
Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, discorda de Shultz, mas apenas na terminologia, rejeitando que “Europa” seja sinónimo de “União Europeia”.
“Destruam a União Europeia, não a Europa”, desafiou Marine em entrevista ao jornal “Der Spiegel”. Nos próximos meses, a líder nacionalista francesa poderá ser uma figura de enorme relevo nesta crise que a UE enfrenta: o seu partido lidera todas as sondagens e, caso consiga vencer as eleições locais em Dezembro, o caminho ficará aberto para vencer ainda mais assentos na Assembleia Nacional. Uma presença na segunda volta das eleições presidenciais francesas também é uma possibilidade muito real, bem como uma aliança do seu partido com a ala eurocéptica do partido de Sarkozy. A saída de França do que Marine considera ser a “União Soviética Europeia” será certamente o fim do projecto.
A situação tornou-se tão grave que até Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, admitiu que “a União Europeia não está a ir muito bem”. Numa reunião com o Partido Popular Europeu, o homem que, pelo menos teoricamente, lidera Bruxelas, admitiu que a UE está em declínio. O Chanceler da Áustria, Werner Faymann, foi mais directo, ao afirmar que a UE se encaminha para “um colapso silencioso”, algo que, na sua opinião, “irá conduzir ao caos”.
O problema fulcral está em como lidar com a crise dos imigrantes, mas as profundas divisões entre direita e esquerda não facilitam o problema. Quando a Áustria e a Hungria anunciaram que iam construir cercas para impedir a invasão descontrolada de imigrantes, a esquerda europeia irrompeu em protestos. O baixo nível das acusações mútuas entre países chegou ao ponto de o ministro do Interior da Alemanha, Thomas de Maziere, acusar os austríacos de terem despejado imigrantes na fronteira alemã a coberto da noite.
“Se não se encontrar em breve uma solução para o problema dos imigrantes, a União Europeia vai-se partir aos bocados”, prevê Miro Cerar, primeiro-ministro da Eslóvenia, um dos países mais afectados pela crise migratória, admitindo que já é “uma questão de semanas”. No centro da Europa, a UE, para todos os efeitos, já quase não existe, visto que todos os países fecham fronteiras e trocam acusações que os jornais internacionais apenas sumariam como “agressivas”.
Chantagem
Se alguns países se encontram em situações desesperantes, os líderes de outros lançam declarações bombásticas para tentarem obter o que querem por via da chantagem. A chanceler alemã, Angela Merkel, tentou ganhar pontos no início da crise migratória ao abrir indiscriminadamente as fronteiras. Só este ano chegou um milhão de refugiados à Alemanha, um número muito maior do que os 200 mil prometidos por Merkel.
Se a máquina do politicamente correcto deu a entender, numa fase inicial, que a chanceler se tinha tornado mais popular, a “maioria silenciosa” depressa restabeleceu a verdade dos factos. A popularidade de Merkel tem vindo a cair de forma rápida, e a CSU, uma espécie de PSD-Madeira em versão alemã, à qual pertencem todos os deputados da Baviera, ameaçou abandonar o apoio ao governo de Merkel, algo que acabaria com o seu consulado de uma década. Para evitar a quebra de relações, Merkel concordou em criar centros de registo dos migrantes na Alemanha e em outros países europeus. Também ficou acordado que nenhum imigrante poderá receber apoios sociais até estar registado. Tudo muito bonito, mas o acordo de Merkel necessita da aquiescência dos restantes países europeus, porque uma das regras que os alemães querem impor é que os migrantes fiquem no país onde são registados. Só que muitos dos restantes países não os querem, ou não podem, acolher.

É a hora da chantagem. “Se a Europa falhar na questão dos refugiados, então não será a Europa que nós desejamos”, disse Merkel. Uma frase bombástica, mas largamente ignorada pelos restantes líderes, especialmente os da Europa Central. Os suecos, que depois de vários anos de políticas permissivas se encontram sem capacidade para acolher os imigrantes que chegam, usaram o mesmo discurso. A ministra dos Negócios Estrangeiros, Margot Wallstrom, deixou o aviso: “não podemos manter um sistema onde cerca de 190 mil pessoas chegam todos os anos, o nosso sistema social vai colapsar”.
Sem rumo
Até agora, a chantagem não produziu grandes resultados. Muito pelo contrário, a Polónia virou de forma drástica à direita, dando uma inédita maioria absoluta a um partido eurocéptico e anti-imigração. Na Suécia, o partido eurocéptico Democratas Suecos lidera as sondagens. Na Alemanha, os eurocépticos do Alternativa pela Alemanha também sobem, e o Reino Unido continua determinado em realizar um referendo à permanência na União. Especialmente descontentes estão os gregos, país massacrado por uma União que agora quer que o país acolha 50 mil refugiados e assuma a responsabilidade pelo seu salvamento no mar. Note-se que metade da marinha grega está parada por falta de financiamento.
A comissão atribuiu 6 milhões de euros para ajudar, mas Atenas diz que precisa de, pelo menos, 480 milhões de euros só para reconstruir todas as estruturas de fiscalização que foram encerradas nos piores dias de austeridade. A UE não parece realmente saber o que quer, e Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, considerou os recentes desenvolvimentos como “um terramoto político”. De facto, Bruxelas já treme.