David Cameron prometeu e cumpriu: o povo do Reino Unido vai decidir sobre a sua permanência na União Europeia através de um referendo. Bruxelas treme perante a possibilidade de perder a segunda maior economia da Europa.
Aos olhos portugueses, o que está a acontecer no Reino Unido pode parecer estranho. O primeiro-ministro David Cameron é contra a saída do seu país da União Europeia, mas marcou um referendo que poderá resultar nisso. Ao contrário da nossa república, onde a disciplina de voto dos deputados é rígida, em concordância com a cartilha marxista, o reino de Isabel II é uma verdadeira democracia, onde os deputados decidem livremente quem será o primeiro-ministro. Até mesmo a toda-poderosa Margaret Thatcher acabou por ser removida pelos militantes do seu partido, e Cameron não está a salvo de idêntico destino.
Apesar de ainda não haver uma data marcada para o referendo à permanência dos britânicos na União Europeia (UE), os parlamentares da maioria conservadora, incluindo o ministro dos Negócios Estrangeiros, Philip Hammond, adiantam que o sufrágio vai certamente realizar-se no Verão deste ano.
David Cameron ainda se encontra em negociações com a UE, numa última tentativa para chegar a um entendimento com Bruxelas que possa dar aos britânicos uma razão para permanecerem na União. Entre as poucas exigências do líder britânico encontra-se um maior controlo de fronteiras, algo que a Alemanha (país que decidiu acolher, sem qualquer fiscalização, um milhão de imigrantes ilegais) aceitou, mas com um sorriso amarelo. O certo é que as negociações vão mesmo estar terminadas em Fevereiro, e assim que estiverem o referendo será realizado no dia 23 de Junho.
Ambos os lados têm os seus argumentos a favor e contra a permanência da Grã-Bretanha na União Europeia. O DIABO faz aqui um sumário rápido.
A favor da permanência – Dentro da UE o Reino Unido não paga taxas alfandegárias e evita burocracias que encontra noutros mercados. 45 por cento de todas as exportações britânicas são realizadas dentro da União.
A favor da saída – O Reino Unido pode negociar uma nova relação comercial com a União Europeia, isto sem ter de estar sujeito às suas normas e leis. Fora da União o país também pode procurar acordos de comércio com mercados importantes, como os EUA, a China e a Índia.
A favor da permanência – O Reino Unido paga à União Europeia 450 euros por agregado familiar, mas recebe de volta quatro mil euros anuais com os vários programas comunitários.
A favor da saída – O Reino Unido deixa de enviar 460 milhões de euros todas as semanas para Bruxelas. Cada agregado familiar vai lucrar 1.200 euros por ano sem o peso da burocracia da UE sobre as empresas e os contribuintes.
A favor da permanência – Uma saída da UE não é sinónimo de uma redução na imigração. Muitos países que se encontram fora da UE têm taxas de imigração muito mais elevadas do que o Reino Unido, ou mesmo os restantes Estados-membros.
A favor da saída – Fora da UE, o Reino Unido poderá mudar um sistema que é dispendioso e que se encontra fora de controlo, pois permite uma porta aberta aos imigrantes da UE e à imigração ilegal, mas bloqueia a entrada aos imigrantes legais provindos de outras partes do mundo, e que poderiam contribuir para o país.
A favor da permanência – Nas cimeiras internacionais, o Reino Unido é representado duplamente pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e também pelo alto representante da diplomacia da UE.
A favor da saída – O Reino Unido tem pouca influência numa UE dominada pela Alemanha. O país tentou travar 72 iniciativas da UE, sempre sem sucesso. Caso saia, poderá voltar a ocupar lugares em instituições internacionais e reconquistar influência em matérias de comércio livre e cooperação internacional.
Tiro de partida das campanhas
O maior sinal de que o referendo se aproxima é o facto de que tanto a campanha pelo “sair” (reunida em redor das plataformas “leave.eu” e “Vote Leave”) e a campanha pelo “ficar” (reunida em redor da organização “Britain Stronger in Europe”/Grã-Bretanha mais forte na Europa) iniciaram as suas actividades durante o mês de Janeiro. Nesta “Batalha de Inglaterra” do século XXI, é o lado anti-UE que leva vantagem. Não só tem uma base de apoio popular maior, segundo informações do Financial Times, mas os seus ‘websites’ são mais cativantes e a sua mensagem é considerada mais clara e simples. Em termos de dinheiro, o lado anti-UE leva vantagem, tendo já recolhido 26 milhões de euros em donativos, enquanto que o lado pro-UE apenas conseguiu uma fracção desse valor.
Uma sondagem recente indicava que 45 por cento do povo britânico desejam sair, contra 38 por cento que desejam ficar (os restantes são indecisos). Outra sondagem indica que o apoio à UE é mais forte entre as classes altas, enquanto o povo largamente rejeita Bruxelas: 47 por cento da classe trabalhadora querem sair, comparados com apenas 34 que querem ficar.
Existe, no entanto, o problema de a campanha anti-UE estar dividida entre duas organizações, enquanto os defensores de Bruxelas já se encontram concentrados em apenas uma. Começar cedo é considerado prioritário, segundo os defensores de ambos os lados, até porque a atenção do público em geral ainda não está concentrada nesta questão.
“Timing” é crucial
Este não é o primeiro referendo sobre a questão. Um outro foi realizado em 1975, mas nessa altura o Reino Unido parecia-se muito com o Portugal da Terceira República: anárquico, abalado por um grevismo comunista crónico, liderado por um governo socialista sem rumo, na bancarrota e resgatado pelo FMI.
Desta vez, a ilusão não é tão grande. O Reino Unido é a segunda maior potência económica da Europa, ficando atrás apenas do seu velho inimigo, a Alemanha. É também dos países europeus com menor taxa de desemprego e que cresce mais velozmente. Em contraste, os países na órbita de Bruxelas, como Portugal, Espanha e França, encontram-se enterrados numa profunda crise.
Caso até ao Verão a União Europeia não consiga controlar o problema dos “migrantes”, não consiga ressuscitar a sua economia moribunda, não consiga restabelecer a paz social nas suas cidades e diminuir a hegemonia germânica, então existe uma possibilidade forte de os britânicos decidirem mesmo sair. Atrás deles poderão ir outros. Bruxelas, por uma vez na vida, terá de se mexer rapidamente, se é que tal é sequer possível.