Na Madeira, os funcionários da Administração Pública vão reger-se pelo antigo horário das 35 horas semanais, graças a uma porta deixada aberta pelo Tribunal Constitucional. No Continente, o Governo pressiona as autarquias para passarem a 40 horas semanais, mas mais de metade delas mantém o regime reduzido. Ninguém se entende.
A Assembleia Legislativa da Madeira aprovou uma resolução que mantém o período normal de trabalho dos funcionários da Administração Pública regional nas sete horas diárias e 35 semanais.
A decisão já foi publicada no Diário da República, referindo no seu preâmbulo que a deliberação “não deixa de significar a manifestação de uma clara vontade política, por parte da Região Autónoma da Madeira, de repor direitos adquiridos pelos trabalhadores do sector da Administração Pública, mesmo que tenha sido contrariada por decisão do Tribunal Constitucional”.
Este Tribunal considerou constitucional o aumento do horário de trabalho para quem desempenha funções públicas. No entanto, nada impede que, através da via da contratação colectiva na Madeira, se proceda à legítima reposição das 35 horas semanais.
A Assembleia Legislativa da Madeira considerou que o aumento do horário de trabalho para as 40 horas semanais atentaria contra direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, que provocaria consequências negativas na conciliação entre a vida profissional e familiar e que aquele aumento de carga horária não seria acompanhado por uma actualização salarial, o que agravaria a qualidade e quantidade da prestação do trabalho.
Após esta resolução, o Governo Regional poderá assinar o Acordo Colectivo de Entidade Empregadora Pública para repor as 35 horas. E com a “maior urgência” deverá ainda concretizar em todos os sectores e serviços da Administração Pública regional a reposição dos direitos.
Autarquias sem o mesmo poder
A decisão da Madeira surge depois do finca-pé autárquico no Continente. Porém, um ano depois da aprovação do horário de 40 horas semanais no Estado, o Governo recebeu da Procuradoria-Geral da República a resposta às dúvidas levantadas sobre o poder do Executivo para autorizar horários de 35 horas acordados por várias autarquias com sindicatos do sector.
De facto, os acordos entretanto efectuados só são válidos com autorização do Governo. Sem esse aval, os horários reduzidos são ilegais e não podem manter-se no futuro. Concretamente, no início do ano, das 308 câmaras municipais só 113 cumpriam o horário de 40 horas, isto é, 195 estavam e estão a aplicar o horário de 35 horas sem o acordo do Executivo.
Em comunicado, o Ministério das Finanças explicou que o Governo iria “dar resposta fundamentada às propostas de ACEEP remetidas pelas Autarquias Locais e desenvolver os necessários processos negociais no sentido de se alcançar o entendimento e consenso quanto aos diversos aspectos das propostas”.
Cerca de 63% das câmaras municipais estavam a aplicar as 35 horas semanais de trabalho. Isto significa que, dos 308 municípios portugueses, 195 mantêm o regime anterior.
Entre estes contam-se, por exemplo, as autarquias de Lisboa, Sintra, Marco de Canaveses ou Amarante. Em sentido contrário, 113 municípios (cerca de 37%) aplicam as 40 horas de trabalho definidas na lei aprovada na Assembleia da República por PSD e CDS, com os votos contra de toda a oposição. É o caso do Porto, Penafiel ou Baião.
Este duplo comportamento perante a lei só é possível porque o Tribunal Constitucional, no acórdão em que declarou a constitucionalidade do diploma do Governo que aumentou para as 40 horas o horário de trabalho da Função Pública, deixou uma porta aberta que admite as 35 horas em novos contratos colectivos de trabalho.
Pressão local
Mas se a Madeira usa essa brecha legal para permitir aos funcionários públicos trabalharem 35 horas por semana, porque é que a regra não se aplica a todo o País?
O Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (Sintap) enviou uma carta a todos os presidentes de câmaras municipais e juntas de freguesia do continente apelando para que mantenham o horário das 35 horas semanais.
Em declarações ao “Jornal Económico”, o secretário-geral do Sintap, José Abraão, afirmou que “já há algumas câmaras que, devido à pressão do Governo, começam a hesitar em aplicar o horário das 35 horas que foi acordado” com as estruturas sindicais.
Recusando dar exemplos de autarquias onde essa situação se verifica, sublinhando que “já são algumas”, o dirigente sindical condena aquilo que considera serem “manobras dilatórias” do secretário de Estado da Administração Pública, José Leite Martins, com o objectivo de criar obstáculos à negociação colectiva e impor as 40 horas em todos os serviços públicos, incluindo as autarquias.
“A pressão do Governo, nomeadamente através do comunicado sobre o parecer da Procuradoria-Geral da República, onde avisa que as autarquias estão em situação ilegal ao aplicarem as 35 horas, é lamentável”, frisa José Abraão.
Na carta enviada aos municípios, o Sintap apela aos autarcas para que mantenham as 35 horas semanais de trabalho “até que se encontre uma resolução definitiva para o problema que foi criado pelo Governo” e esperando que não sigam “o mau exemplo do Executivo, recusando a imposição das 40 horas semanais”.
O Sintap já enviou uma queixa ao Provedor de Justiça a solicitar que o processo seja avaliado pelo Tribunal Constitucional. O mesmo fizeram 16 dos 18 presidentes de câmara da Área Metropolitana de Lisboa.
Menos 1.800 funcionários públicos a partir em Janeiro
A Administração Pública vai iniciar 2015 com menos 1.800 funcionários, que passam à aposentação.
Os Ministérios que registam mais saídas são o da Educação, Saúde e Ambiente e Ordenamento do Território. Mas, em termos relativos, merece destaque o da Justiça. Mais de 200 pessoas passam à reforma e uma esmagadora maioria pertence à carreira dos funcionários judiciais.
À semelhança do que aconteceu nos últimos meses de 2014, o novo ano também começa com um corte substancial no número de efectivos nas forças militares e de segurança.
Entre os novos aposentados, cerca de três dezenas vão receber reformas superiores a quatro mil euros e um deles vai passar os 6.500 euros.