Com dezenas de leis “fracturantes” da extrema-esquerda à espera de votação no Parlamento, o frentismo radical já começou a destruir o pouco que restava de sério na Educação: os exames do 4º ano de escolaridade e as provas de avaliação dos professores. Segue-se a aprovação das mães de aluguer, das re-nacionalizações e do regresso dos transportes públicos à gestão dos camaradas – enquanto na rua, aos gritos, a CGTP mantém os deputados em sentido.
Já se previa: mal puderam, a esquerda e a sua extrema acabaram com os exames do 4º ano de escolaridade, que consideram “uma violência” sobre os alunos. Essas provas de passagem, diga-se a verdade, já não valiam o mesmo que tinham valido nos tempos do seu equivalente exame da 4a classe: já só pesavam 40% no tal da avaliação, assentando os 60% restantes na mera apreciação dos docentes.
Mas eram ainda uma barreira, mesmo que ténue, ao facilitismo dominante: uma nota de exigência num sector dominado por ideias radicais de esquerda, às quais com coragem se opôs o anterior ministro da Educação, Nuno Crato. Foi precisamente Crato quem, há dois anos, reintroduziu este exame de aferição de conhecimentos para os alunos do 1º ciclo, que o 25 de Abril se apressara a extinguir.
Mas o fundamental, na sua decisão, nem era a prova propriamente dita: era o princípio de que não deve transitar para o ano seguinte quem não mostre estar preparado para tal – um princípio hoje mal visto por muitos professores da era facilitista, que se pudessem davam 20 valores a todos os alunos, só para não os incomodar.
A questão foi resolvida na sexta-feira passada, no meio da algazarra habitual, pela nova “maioria de esquerda” na Assembleia da República, que na mesma penada abriu já caminho à aprovação, esta semana, de um diploma que porá fim à Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades aplicada aos professores contratados com menos de cinco anos de serviço – outra alínea do mesmo programa facilitista.
A iniciativa legislativa pertenceu, claro, ao PCP e ao Bloco de Esquerda. O PS apoiou, não fossem os seus novos “amigos” car melindrados. Só o PSD e o CDS votaram contra. Mas tanto uma como outra decisão são apenas a ponta de um gigantesco iceberg legislativo com que a extrema-esquerda está a marcar o seu território face ao PS, inundando os serviços parlamentares com propostas de lei “fracturantes”.
Nada menos de sessenta iniciativas legislativas do PCP e do Bloco deram entrada na mesa da Assembleia, antes mesmo de António Costa ter tomado posse no Palácio da Ajuda. Novos diplomas sobre adopção de crianças, procriação medicamente assistida (isto é, bebés-proveta de modalidades várias) e legalização das “mães de aluguer” já estão na calha. Serão, previsivelmente, pontos delicados com que a extrema-esquerda deseja testar a “lealdade” do seu novíssimo aliado, o PS, e a “sinceridade” de Costa quando afirma que quer mesmo “mudar de política”.
Esse teste tornar-se-á particularmente agudo no caso das sub-concessões das empresas de transportes – um cavalo de batalha da extrema-esquerda, que não pretende abdicar do seu controlo político sobre o sector dos transportes: manipulado com a desfaçatez do costume, ele revela-se capaz de paralisar o País sempre que tal convenha à agenda dos radicais. A questão é tão séria que, não havendo acordo prévio entre os partidos da “aliança de esquerda”, já foi remetida para discussão na especialidade. Só depois de devidamente “trabalhada” subirá ao plenário para apreciação e votação.
Em causa está a gestão dos transportes públicos de Lisboa e Porto, que o anterior Governo PSD/CDS sub-concessionou a três empresas da especialidade (envolvendo a Carris/ Metro de Lisboa, os STCP e o Metro do Porto). Os nove projectos de diploma já entregues na mesa da Assembleia (todos dos partidos de esquerda e extrema-esquerda) prevêem modalidades diversas de “revogação”, “reversão” ou “can- celamento” dos processos de sub-concessão. O projecto do Bloco questiona ainda a política governamental na Transtejo e na Soflusa.
O PS sabe bem que é através do sector dos transportes que os partidos da extrema-esquerda e o seu braço sindical, a CGTP, controlam e condicionam a vida económica nos grandes centros urbanos. Simplesmente, nesta fase do seu namoro com o radicalismo frentista, António Costa não pode dar-se ao luxo de um confronto: optou, assim, por transferir a discussão para a comissão de especialidade, na esperança de que as divergências não se tornem tão visíveis. De todo o modo, é quase certo que a gestão dos transportes em Lisboa e no Porto voltarão às mãos dos camaradas, que assim passarão a controlar não apenas a massa laboral mas também as administrações.
De resto, a manobra de remeter às comissões parlamentares tudo o que possa ser polémico, evitando um primeiro confronto no plenário, será aplicada a outros temas em que as várias esquerdas têm projectos substancialmente diferentes: a anulação dos cortes salariais, da Comissão Extraordinária de Solidariedade e da sobretaxa de IRS, por exemplo, temas em que não há acordo quanto aos ‘timings’. Para alterar de forma ainda mais segura os temas em que há divergências, e evitar com isso um espectáculo público de discórdia, representantes do PS, do BE e do PCP vão passar a reunir-se privadamente, às terças-feiras, garantindo que só o que é consensual chegará à conferência de líderes parlamentares, habitualmente realizada às quartas.
Mas, por mais cuidados que tenha, a “frente unida de esquerda” não escapará ao constante policiamento da CGTP, que não dará tréguas a um PS de que intimamente desconfia. O secretário-geral da central sindical comunista, Arménio Carlos, já avisou: “2016 será um ano em que a CGTP, os sindicatos e os trabalhadores irão exigir respostas aos seus problemas. O PS e o seu Governo têm de ter coragem para romper com as políticas anteriores e, sobretudo, para resistir aos ‘lobbies’ dos grupos económicos e financeiros e às pressões nacionais e internacionais e dar suporte à mudança de política que assumiu, contra a austeridade”.
Por outras palavras: ou faz aquilo que a CGTP quer, ou está o caldo entornado.
Em 1975, a “frente unida de esquerda” teve de cercar e sequestrar o Parlamento “burguês” para impor a ditadura esquerdista. Em 2015, nem precisa de chegar tão longe: basta gritar, da rua, a plenos pulmões – e o PS faz-lhe as vontades…