FREDERICO DUARTE CARVALHO
Assim que abandonar Belém, Cavaco Silva vai ter um gabinete num antigo convento e acumular a subvenção de ex-Presidente com a pensão do Banco de Portugal. Ou seja, vai ter menos chatice e ganhará mais do que nos últimos dez anos.
Há quem esteja a organizar festas em Março para, finalmente, celebrar a saída de Cavaco Silva de Belém, mas é preciso recordar a essas pessoas que quem estará ainda mais contente por deixar o histórico palácio cor-de-rosa é o próprio Cavaco Silva. Durante os últimos dez anos, o mais alto representante da Nação tinha de optar entre o salário de Presidente da República e a pensão de professor e do Banco de Portugal.
Agora, quando abandonar o cargo, Cavaco Silva vai passar a receber um subsídio como ex-presidente para poder pagar o gabinete a que tem direito depois de ter servido a Nação. E isso pode ser acumulado com a pensão. A conclusão é óbvia: basta fazer as contas e verificar que o antigo primeiro-ministro e líder do PSD vai ter mais dinheiro e menos problemas. É a reforma dourada dos ex-presidentes que foi analisada pelo Tribunal de Contas (TC) e deu origem a um relatório apresentado no mês passado. De acordo com o trabalho do TC, “verificou-se que a regulamentação da instalação, composição e funcionamento dos gabinetes dos ex-Presidentes da República é manifestamente insuficiente”.
Acrescenta o documento que “a situação existente evidencia, também, a consolidação de decisões casuísticas num quadro de igualdade de tratamento aos ex-titulares”. Explicado por miúdos: a lei está mal feita e permite que cada ex-Presidente da República faça como quer. O TC registou que, enquanto o ex-Presidente Ramalho Eanes (1976-1986) usa o dinheiro do Estado para pagar as despesas de condomínio do Edifício Presidente, já o fundador do PS, Mário Soares (1986-1996), paga uma renda mensal de 4,3 mil euros pelo gabinete que tem na fundação com o seu nome.
Por sua vez, o antigo líder socialista Jorge Sampaio (1996-2006) ocupa um imóvel cedido a título gratuito pelo Estado, na Casa do Regalo. Cavaco Silva (2006-2016), ainda não saiu de Belém, mas há mais de um ano que se realizam obras de recuperação do Convento do Sacramento, na zona de Alcântara, perto da Praça da Armada e do Palácio das Necessidades. É aí que o futuro ex-Presidente Cavaco vai poder ter o seu gabinete.
O relatório do TC, entretanto, já foi enviado para a Assembleia da República de modo a que os deputados consigam criar uma regulamentação que seja mais substancial do que a que existe actualmente. Assim, o novo Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, poderá vir a ser o primeiro ex-Presidente a ter de cumprir um novo regulamento.
Direitos e regalias
Os ex-Presidentes da República têm direito a uma subvenção mensal igual a 80 por cento do vencimento do Presidente da República em exercício e que, actualmente, ronda os sete mil euros. Este valor poder ser acumulado com as pensões de aposentação, reforma e sobrevivência. No caso de um ex-militar como Eanes, também pode ser acumulado com a remuneração na reserva das Forças Armadas a que eventualmente tenha direito. Depois, ainda contam com o automóvel do Estado, condutor e combustível pago. Para o seu gabinete de trabalho podem ainda ter um assessor e secretário/a escolhido/a pelo próprio.
Cavaco Silva vai iniciar uma nova fase da sua vida. Depois de ter sido primeiro-ministro e líder do PSD entre 1985 e 1995, e depois de ter sido Presidente da República durante outros 10 anos, o homem que Francisco Sá Carneiro escolheu em 1979 para ser o ministro das Finanças da AD – e que se demitiu depois da morte de Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, a 4 de Dezembro de 1980, quando ambos foram vítimas de um atentado em Camarate –, vai desfrutar de mais descanso e de uma reforma mais substancial, fruto da subvenção que acumulará com a pensão da universidade e Banco de Portugal.
Longe estarão, portanto, os dias em que o ainda Presidente da República se queixava de não ganhar o suficiente para pagar as despesas em casa. Essas declarações, proferidas em 2012, provocaram então uma onda de indignação da parte de desempregados que acusaram o Chefe de Estado de ser uma pessoa que revelava uma “grande falta de senso e de respeito para com a população Portuguesa”, conforme se lia numa petição pública a pedir a sua demissão após as queixas de Cavaco sobre a sua pensão.
Falta ainda saber se, ao contrário do que aconteceu quando deixou de ser primeiro-ministro, em 1995, Cavaco Silva vai poder continuar a ter o lugar de estacionamento à porta da residência particular na Travessa do Possolo. É que, de acordo com o que se pode ler no livro do seu assessor de sempre, Fernando Lima, “O Meu Tempo com Cavaco Silva”, publicado um ano antes de Cavaco ter iniciado a sua corrida à Belém, aquele lugar de estacionamento foi-lhe retirado no dia seguinte à ter cessado funções. Eram duas placas em frente ao edifício no Possolo e “nem cuidado houve em calcetar os buracos lá deixados”, escreveu Fernando Lima no último parágrafo da sua obra. Talvez tenha sido também por isso que Cavaco nunca desistiu de lutar para ser Presidente da República: queria recuperar o lugar de estacionamento à porta de casa.