A liderança de Catarina Martins não será directamente contestada, mas a actual “coordenadora” do BE terá de ouvir críticas à “vontade de protagonismo evidenciada por vários dirigentes”.
Catarina Martins sairá da Convenção Nacional de 25 e 26 de Junho com a sua liderança reforçada. Mas o órgão máximo do Bloco de Esquerda vai debater quatro moções de estratégia, e numa delas a acusação é clara: “Não podemos tolerar graves desvios democráticos, como fraudes eleitorais, compra de votos, uso indevido do voto por correspondência, como aqueles que foram praticados nas eleições concelhias de Matosinhos e do Porto e que, infelizmente, ficaram impunes”.
Esta denúncia surge na Moção C, com o título “Bloco+”, e que tem como primeiro subscritor Adão Campos Júnior. Assumindo que as assinaturas seguem a ordem alfabética, esta moção não tem nomes sonantes do BE. Mas as críticas são violentas.
Catarina Martins prepara-se para aproveitar os bons resultados do Bloco nas últimas legislativas, e o protagonismo que teve na criação da “geringonça”, mas alguns dos militantes tradicionais recusam que esta se torne uma líder clássica.
Os promotores da moção rejeitam liminarmente que, ao fim de 17 anos de história, o Bloco apareça como um partido normal, que apoia governos e que faz as tradicionais cedências de quem está no arco da governação.
A moção “Bloco+” é igualmente clara quando frisa: “Precisamos de democratizar o funcionamento das estruturas do Bloco, tendo como método de trabalho a direcção colectiva”. Numa referência óbvia a Catarina Martins, os subscritores asseguram que “a vontade de protagonismo evidenciada por vários dirigentes é um entrave ao desenvolvimento do nosso projecto colectivo”.
Os militantes que subscrevem esta moção admitem: “a estratégia montada pela direcção do Bloco tem funcionado, estamos a reforçar a nossa imagem junto do povo”. Mas rapidamente passam para o alerta de que “existe uma inevitabilidade que não podemos iludir: as benesses que o PS foi obrigado a conceder-nos irão colidir, inexoravelmente, com as imposições do Tratado Orçamental e contra a enorme barreira da Dívida pública”.
O optimismo de Catarina
Já a moção de Catarina Martins – onde surgem todos os nomes sonantes do BE – está marcada pelo optimismo. O seu título “Força da Esperança – O Bloco à conquista da maioria” mostra que, embalada pelos últimos resultados legislativos, Catarina apenas vê o céu como limite.
A líder do BE subscreve uma moção onde se frisa que “vencer a austeridade exige assumir o confronto com as instituições europeias que asfixiam o campo das escolhas democráticas”. Na sua visão da Europa, esta aparece como “construída sempre à revelia dos povos e sem os povos, esta UE será sempre um projecto contra os povos. Hoje, sendo um projecto condenado pela espiral do desemprego e pela imposição, a UE é uma máquina de guerra contra os direitos sociais”.
De realçar ainda uma passagem em que se sublinha a “cooperação com o PCP para a solução dos problemas dos trabalhadores”. A posição dos bloquistas em relação aos comunistas, que com eles e o PS partilham a “geringonça”, é nova, pois a animosidade entre as duas forças partidárias tem sido a regra. “O BE valoriza o contributo que o PCP tem dado para uma política de recuperação de rendimentos, direitos e serviços públicos e está disponível para encontrar novas formas de diálogo e cooperação com o PCP para a solução dos problemas dos trabalhadores”.
Em relação às próximas eleições, o BE refere preferir disputá-las autonomamente nas Regionais dos Açores. Quanto às autárquicas de 2017, diz apostar na continuidade das candidaturas que têm por base movimentos cívicos, tal como o fez em 2013.
Os ecologistas
A Convenção debaterá ainda mais duas moções, ambas muito marcadas pela defesa da Ecologia, algo que é relativamente novo no seio do Bloco, pelo menos com este destaque.
A Moção “Mais Bloco para enfrentar tempos novos” considera que a antecipação em mais de cinco meses da Convenção “é justificada pela necessidade de aprofundar a linha de orientação política que, justamente, se vem afirmando desde as legislativas e que, por força da própria realidade, não corresponde propriamente ao que havia sido aprovado em Novembro de 2014”.
Genericamente, esta moção aceita a linha da actual liderança. Defende, contudo, aquilo a que chama “alternativa ecossocialista”, adoptando uma palavra nova que só se encontra nos textos bloquistas. Segundo acrescentam, este “ecossocialismo” centra-se “na consideração da natureza como um dos pilares do desenvolvimento económico e social, operando a síntese entre uma ecologia necessariamente anticapitalista e um socialismo depurado da lógica do produtivismo”.
Também a Moção “Crescer pela raiz – A radicalidade de inventar a política” assegura que “o ecossocialismo tem de ser uma prioridade e não um chavão”.
Adianta que “é preciso mobilizar saberes e práticas alternativas que construam um anticapitalismo ecologista capaz de crescer além das suas tradições, que una as lutas ecológicas concretas a um movimento reivindicativo de justiça, e que faça frente ao ambientalismo neoliberal das multinacionais como a Monsanto ou a Gazpriom”.
Se estas duas últimas moções tiverem efectiva expressão, podemos estar à beira de o Bloco passar a ter a breve prazo o seu próprio apêndice ecologista, tal como o PCP tem o PEV.