HENRIQUE NETO
Ao longo dos anos, tem sido com crescente surpresa que assisto à facilidade com que a maioria dos portugueses se deixa enganar pelos sucessivos governos, presidentes da República e, principalmente, pelos partidos políticos que conduziram o País ao longo das últimas décadas.
Nas últimas semanas tem sido o psicodrama das sanções da União Europeia, a capitalização da Caixa Geral de Depósitos e o inquérito do Banif, onde a meia verdade e a mentira se confundem. Mas a lista é longa, desde o bom aluno europeu de Cavaco Silva até à suposta modernidade de José Sócrates e à recuperação económica de Passos Coelho, passando pela economia de sucesso de António Guterres, períodos em que foram esgotadas todas as formas de enganar os papalvos que, aparentemente, somos todos nós.
Durante estes anos, diferentes políticos foram pintando sucessivas imagens de um Portugal que não existe e o resultado tem sido pago pelos portugueses, na perda de competitividade da economia, no empobrecimento crescente das famílias, na estagnação do progresso económico e no desemprego.
Os sucessivos desastres são parte da paisagem, desde o desaparecimento das pescas, da marinha mercante e de parte da indústria no tempo de Cavaco Silva, até ao engano de “dar uma casa a cada família” e à especulação fundiária e imobiliária de António Guterres, os erros sucederam-se, mas sempre apresentados como virtudes da governação.
O apogeu da mentira como arma política atingiu a perfeição nos governos de José Sócrates, através de investimentos sem critério e do endividamento sem avaliação dos seus custos e perigos, tudo apresentado aos portugueses como factores de modernidade e de progresso. Foi o tempo do dinheiro fácil e da corrupção resultante, de decisões destinadas a satisfazer sectores poderosos, mas empresarialmente incapazes, da sociedade portuguesa. Segue-se o tempo de fazer as contas aos prejuízos acumulados pelas más governações anteriores e de passar as culpas sem qualquer esforço de rigor e de verdade. É o tempo de cada partido defender os seus contra todos os outros.
Durante estes anos, a mentira sofisticou-se e actua agora por antecipação dos acontecimentos, como é o caso recente das imaginárias sanções da União Europeia e, antes disso, do Novo Banco, do Banif e da Caixa Geral de Depósitos. A braços com prejuízos enormes resultantes das diferentes governações, e não se querendo fazer uma avaliação séria das suas causas, o que colocaria a nu a origem dos erros e da corrupção, inventam-se estratagemas de desinformação e mascara-se a falta de transparência através de leis apresentadas como defendendo os cidadãos da suposta devassa pública, ou escondendo acontecimentos e documentos, nomeadamente das comissões de inquérito da Assembleia da República.
É interessante, ainda que trágico, verificar como os deputados são, simultaneamente, inquisidores e justiceiros relativamente às governações adversárias e verdadeiras madres Teresas de Calcutá quando se trata de defender os da casa, ou os que circunstancialmente se encontram no mesmo campo.
A incapacidade de milhões de portugueses fazerem com rigor a sua própria avaliação dos acontecimentos passados e de resistirem aos sucessivos cantos das sereias partidárias nos diferentes presentes, faz com que a verdade e o conhecimento da realidade sejam cada vez mais difusos, mais intricados e mais difíceis de desvendar. Tal como acontece em todas as guerras, na guerra partidária dos nossos dias a verdade é a primeira vítima.
A cultura da mentira política e a promoção da irracionalidade na avaliação dos acontecimentos, passados e presentes, elimina toda a possibilidade de previsão dos acontecimentos e desenvolvimentos futuros, o que, por si só, transforma o nosso País no “pato sentado” entre as nações, neste tempo de aceleração da mudança. Factor que, independentemente de outras causas, impede o progresso da Nação Portuguesa.
O caso da Caixa Geral de Depósitos
No caso da Caixa Geral de Depósitos, o Governo de António Costa actua com a subtileza do elefante numa loja de porcelanas.
A começar pelo facto, incompreensível, de, tal como aconteceu no Banif, marginalizar a Administração que lá está e de não querer a intervenção, presente ou futura, de nenhum dos seus membros. Incompreensível, porque é esta Administração que conhece melhor do que ninguém a verdadeira situação do banco, essencial para assumir as decisões necessárias relativamente ao futuro.
Mas também para a responsabilizar, se for o caso.
Incompreensível, também, porque existe uma outra Administração, essa fantasma, que não se sabe se vai ou fica, mas que faz reuniões na Europa sem se saber bem em nome de quem exerce a sua actividade.
Chegou-se ao ponto, burlesco, de o ministro das Finanças se negar a informar o Parlamento sobre quem paga os estudos que, disse, foram encomendados sobre o passado da Caixa. Passado que, sabemos já por antecipação, serão dois: o do PS e o do PSD/CDS. A cada um a sua verdade.
Depois dos anos da corrupção e do dinheiro fácil da Caixa para os amigos e aliados de José Sócrates e das administrações de circunstância destinadas a realizar os mais diversos fretes governamentais, o banco do Estado transformou-se agora no centro do debate partidário, dentro e fora da Assembleia da República.
Alguém já disse que a Caixa Geral de Depósitos é o banco do Bloco Central.
Acresce, nas actuais circunstâncias, que o Ministro das Finanças sendo parte do problema, dificilmente será parte da solução. Desde logo, porque deixou degradar a situação desde que chegou ao Governo; e, não menos importante, por se preparar para instaurar no enorme palácio uma nova Administração representativa dos mais variados interesses, esquecendo-se da frase sábia: não bastar ser, é também preciso parecer.