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Parece algo saído de uma comédia de Borat: enquanto a defesa do preso da cela 44 dá tiros no pé, um grupo de apoiantes de José Sócrates jura a sua fé inquebrantável no “preso político” e promete “resistir até que seja madrugada”…

Foi formalmente constituído, na semana que passou, o “Movimento Cívico José Sócrates”, que já tem hino e tudo. Começou com 400 adeptos, um aumento significativo em relação aos cem manifestantes-excursionistas que marcaram presença em Évora no início deste ano.

Planeiam organizar, já no dia 28 de Março, mais uma vigília à porta da prisão de Évora, que incluirá música e poesia (não sendo especificado se haverá comes e bebes). Título do evento: “Primavera em Évora”. 

Entretanto, nas redes sociais as páginas de apoio ao actual habitante da cela 44 da cadeia de Évora multiplicam-se, e algumas colhem milhares de apoiantes. Todos estes “amigos” de José Sócrates questionam a sua prisão preventiva, alegando que o ex-primeiro-ministro é “um preso político” e juntando-se, assim, ao coro de vozes que incluem o antigo Presidente da República, Mário Soares.

Torturado “premium”

Certamente que os muitos milhares de verdadeiros presos políticos fechados nas masmorras de brutais ditaduras como a Bielorrússia, a Venezuela, a Birmânia ou Cuba, se sentiriam insultados se soubessem que alguém os compara a José Sócrates.

O antigo líder socialista encontra-se confortavelmente detido na prisão de Évora, uma prisão especial para forças da autoridade, não estando por isso sujeito ao regime prisional que o mais comum dos mortais (ou seja, o cidadão e contribuinte da “República”) é obrigado a suportar caso seja detido. Sócrates tem direito a uma cela privada, e ainda usufruiu vários privilégios até que a denuncia pública acabou com o abuso.

Felizmente, o cidadão José Sócrates encontra-se bem alimentado, aquecido e tratado, enquanto aguarda o julgamento a que, também felizmente, tem direito. No entanto, os seus chefes de claque acham que Sócrates está a ser vítima de “tortura, mas sofisticada”, nas palavras de José António Pinho, empresário da Covilhã, que depois comparou o caso do ex-primeiro-ministro ao de políticos detidos pela PIDE no anterior reime.

A comparação é absurda. Mas façamos de advogado do Diabo e perguntemos: será Sócrates, realmente, um preso político?

Computador na casa da vizinha

Um preso político é alguém que se encontra detido por causa das suas convicções políticas. Sócrates está detido por alegados crimes de delito comum e encontra-se sujeito às mesmas leis que todos os outros, mesmo tendo sido primeiro-ministro.

Um dos argumentos geralmente usados pelos defensores de Sócrates é que o antigo líder do PS ainda não foi tecnicamente condenado por nada (ou seja, aos olhos da lei ainda é inocente) e, no entanto, continua na prisão. O que omitem é que está previsto na lei que um indivíduo pode ser detido caso existam razões suficientes para considerar que poderá interferir com a investigação.

E não é Pedro Passos Coelho, a figura central do alegado “plano de direita”, quem decide se alguém é detido preventivamente ou não: essa tarefa cabe a investigadores da polícia e a juízes, profissionais da Justiça que fazem o Estado de Direito funcionar.

Foram esses mesmos profissionais que decidiram, de forma unânime diga-se, manter Sócrates detido. Num acórdão de 66 páginas, os juízes do Tribunal da relação de Lisboa consideraram que existem fortes indícios da prática de crime, devidamente fundamentados e justificados segundo as leis, normas e regulações vigentes.

Os juízes concordaram, na generalidade, com a decisão de Carlos Alexandre de mandar deter Sócrates, visto que a investigação contra o antigo primeiro-ministro socialista se encontrava numa fase determinante e existiram suspeitas de que o súbito regresso de Paris poderia ter em vista destruir ou manipular provas, citando o facto de que o antigo líder do PS tentou esconder o seu computador na casa da vizinha.

Juízes de bancada

A estranha relação entre “mon ami Santos Silva” e “Zé” também é abordada, sendo que os juízes têm fortes dúvidas de que haja alguém que seja tão amigo, tão amigo, tão amigo que empreste vários milhões de euros a alguém que, para todos os efeitos, era um “potencial insolvente”. No acórdão, esta amizade é descrita como “inexplicável comportamento fiduciário”.

Face a todas estas acusações, devidamente fundamentadas, os adeptos do Movimento Cívico José Sócrates apenas disseram: “Não temos conhecimento do que está no processo, mas temos uma opinião. Achamos que ele é um preso político”.

Pelos vistos, quando se trata do antigo líder socialista, o sistema judicial português deveria basear-se na fé. Mas um dos fãs do antigo primeiro-ministro apresentou uma fundamentação ainda mais forte para defender a alegada “inocência” de Sócrates: “Eu vejo telejornais”, e portanto “como cidadão tenho o direito de fazer um julgamento”.

A juntar à figura do treinador de bancada, o clube de fãs de José Sócrates acaba de criar uma nova personalidade: o juiz de bancada.