[avatar user=”venturini14″ size=”thumbnail” align=”left” /]Na história de Clarissa-a-Velha, como na história de qualquer local, há um capítulo extremamente sedutor onde se reúnem num abraço de grande equívoco episódios verídicos do seu passado e lendas que o consolo ou desconsolo do povo foi forjando.
No caso, há mesmo evidências históricas a atestar a existência de um tal João Ruiz Arrais, Senhor da Boa Morte, tanto nos registos baptismais da Igreja de Santa Maria, como numa menção na “Chronica do muito esclarecido príncipe e pio senhor Dom Affonso”, do cronista Gil Sanches, aos seus “muito bons préstimos e corajosos feitos”, pelos que o príncipe decidira agraciá-lo, doando-lhe “a Herdade da Boa Morte, com seus vinhedos e pomar”.
Não bastando isso, também existe prova da existência de uma tal Dona Maria Joanes Sanches, como se pode ainda hoje ver na lápide tumular que se encontra no pavimento da Capela de Santa Isabel, a terceira do lado esquerdo da nave da Igreja de Santa Maria.
Tanto quanto pude averiguar, para o que foi preciosa a consulta feita à “Imagens de Clarissa-a-Velha – uma perspectiva histórica”, do Prof. Dr. António Maria Senna, nada se sabe do casamento de João Ruiz Arrais com Maria Joanes Sanches, mas consta que ocorreu e que terão tido descendência, da qual se perdeu rasto e memória.
A partir daqui, já só me chegaram os perfumes da lenda que conta que João Ruiz Arrais terá partido, ao serviço do seu príncipe, para longes terras e nelas pelejado durante largo tempo, deixando Maria Joanes Sanches em grande aflição e com três filhas, sem que houvesse dia em que não lançasse os olhos ao rio Guadil, a ver se o via chegar.
Com a vida debruada a angústias e ansiedades, os cabelos tinham-lhe encanecido, ainda que mantivesse a grácil figura e a beleza do rosto. Qual Penélope, ocupava as mãos com tecidos e bordados e a cabeça com leituras, ainda que o olhar todas as tardes se lhe escapasse para o rio. Mas o tempo já lhe esgotava a alma e a Maria cada vez mais se convencia que, certamente, estaria viúva.
Passados muitos anos, aos olhos lhe chegou o sobressalto e viu aproximar-se um cavaleiro de belo porte, a quem decidiu perguntar se saberia do seu marido. Com grandes ambiguidades, ele lá lhe foi respondendo que talvez sim, mas que a resposta teria preço. Em desespero por tamanha maldade perante tamanha esperança, Maria foi oferecendo dinheiro e outros bens, mas o cavaleiro tudo rejeitava. Só a aceitaria a ela como resgate da sua resposta. Ao ver-se assim aviltada, Maria Joanes Sanches bradou por ajuda e foi nesse momento que João Ruiz Arrais se deu a conhecer, pedindo-lhe para ver a outra metade do anel que sempre trazia.
A lenda entrou no repertório popular com as resenhas mais variadas, sendo recolhida e burilada por Almeida Garrett que a incluiu no “Romanceiro”, com o título de “A Bela Infanta”.
Eu, por mim, estou em crer que nasceu aqui.