Chega Junho, o mês meão, o mês dourado e afável, o mês de Clarissa-a-Velha (onde quase sempre é Junho) e eu respiro, neste alívio primaveril, os bons cheiros da terra e os perfumes esmeraldados das maresias.
Porque é Junho, amacia-se-me o olhar para a alma própria e alheia, num arredondar benevolente das arestas, como se a harmonia fosse possível e eu acreditasse piamente nela, como se bastasse o bailado das esferas para eu em tudo ver o seu reflexo.
Quando é mesmo Junho, Clarissa exulta em todo o seu esplendor, na glória das grinaldas dos seus arvoredos e pomares, na beleza feminil e vetusta do seu rio, no branco ensolarado do lioz que resplandece pelas suas ruas. Clarissa enche-se de sons, porque o Guadil parece marulhar mais claramente, como se tivesse uma pressa adolescente para ir ter com o mar, e até a aleivosia ruidosa do tráfego das gentes parece escoar-se por um qualquer ralo, mal roçando os meus ouvidos.
Quando aqui é Junho, preciso menos de ir a Clarissa e, no entanto, é lá que cada vez vou passando mais tempo. Digamos que sendo Junho, ando sempre de mala feita para a ternura e de porta trancada para as indigências pessoais e forasteiras que, como formigas, calcorreiam a eito o ano inteiro.
Como se Juno se predispusesse a abraçar-nos, durante trinta dias posso fazer de conta que sonho acordada, deleitar-me com as andorinhas em roda-viva pelos beirais e com o valsar das cegonhas que sempre retornam às antigas chaminés e campanários.
Durante trinta dias, re-Juno-me ou re-junho-me ou rejuvenesço-me, que vai dar ao mesmo, dando crédito à etimologia. Mas mesmo sem acto de fé algum, sinto um sorriso a correr-me pelas veias e uma predisposição de flor no ânimo. Sempre a jeito, vou querer ter uma paleta de cores muito frescas, para algum dia em que possa andar mais distraída, e um regador, daqueles bem grandes, para cuidar o melhor que puder das minhas rosas. Ah! e é claro que, pelo menos durante trinta dias, vou ter a casa cheia de flores de laranjeira, que as trago de Clarissa.
E se, de facto, tudo assim não for, por defeito meu será, que não de Junho, e não me restará outro remédio senão re-Junar-me uma outra vez.