A voz da beatice

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[avatar user=”cunha14″ size=”thumbnail” align=”left” /]Véspera de Natal, missa transmitida pelo canal 2 da RTP no dia 24 de Dezembro da Basílica de S. Pedro de Roma. O Papa Francisco presidiu. A visão humanista e sentido do Espírito de Deus que tudo toca são comoventes em Francisco.

Por exemplo, escolheu, para a oração do Credo, um trecho da missa em dó menor de Mozart, tocada por uma pequena orquestra e cantada por um soprano in loco na Basílica.

O Papa escolheu, mas o povo não ouviu!

Infelizmente, o padre José Carlos Nunes, o comentador de serviço, um paulista, que parece ser o novo “especialista” em comunicação social da Igreja Católica Portuguesa, resolveu assassinar a oração do Credo, momento maior da liturgia, com comentários de voz afectada por uma beatice anacrónica, como se estivesse em êxtase seráfico por ter sido escolhido para sobrepor a sua voz à do Credo vindo de Roma, trecho escolhido por Sua Santidade para ser escutado em profundo silêncio, como aliás fez o Santo Padre, recolhido e de joelhos perante a música e as palavras em latim da oração que une todos os católicos do Mundo em afirmação da Fé.

Os comentários a despropósito e a vozinha eivada de laivos beatíficos e seráficos, no mau sentido, enxameou toda celebração proibindo uma escuta com sentido da emissão de Roma. Em vez de escolher momentos de passagem, e apenas esses, ou fazendo tradução de pontos em que a língua seja obstáculo à compreensão do vulgo, o padre Nunes martirizou os telespectadores com comentários despropositados, apelos à Fé e ao Amor, certamente acertados, certamente apropriados às suas homilias, mas que, no contexto do sagrado foram despropositados.

O padre Nunes foi alegremente retalhando hinos, orações e invocações, explicando aquilo que todos os católicos sabem, sempre sobre as palavras de Francisco sobrepondo-se a cânticos e momentos musicais, que devem ser apelos ao recolhimento e oração ou à exaltação, como se não fizessem parte da liturgia, cortando todo o devir da liturgia.

Eu não quero ouvir, e penso que ninguém quer ouvir, os apelos do padre Nunes quando está o Santo Padre a presidir a uma missa de Roma, desculpe o senhor padre a desconsideração. Quando o Santo Padre fala, eu quero ouvir e sentir o Sumo Pontífice e a Santa Missa tal como ela foi pensada pelo Papa e pelos seus colaboradores e não um qualquer padre Nunes a dissertar sobre tudo e nada.

A Santa Missa fala por si, as orações falam por si, não é preciso uma metralhadora falante a balir afectadamente invocações para o pobre povo português inculto e desconhecedor poder passar a ir à missa no próximo Domingo. Não só não vai, como muda de canal ao ouvir o padre Nunes.

Só a minha infinita paciência conseguiu resistir e permitiu continuar a escutar a missa retalhada pelo padre José Carlos, suspirando mas com infinita caridade.

O povo português, seja ele católico ou não, poderá ir à missa no próximo Domingo se a palavra e a ideia de uma liturgia com sentido do Divino, na concepção de Francisco, chegar aos ouvidos das pessoas, mas nunca depois dos apelos ao Copo e Vela do senhor padre Nunes.

Se ler estas linhas, senhor paulista especialista em comunicação social e jornalista, mude o estilo, seja mais directo, mais sensato, menos afectado, use de uma voz mais natural e fale, pelo menos, um décimo do que falou durante a missa de Roma.

Ninguém ligou a televisão para escutar o entusiasmado padre Nunes, mas para ouvir Francisco e a sua mensagem, completa e sem esbulho, de Roma.

Sobra um bem-haja para o padre Nunes que, certamente, pensa ter feito o seu melhor. Que veja esta crónica como uma crítica construtiva de alguém que fez rádio durante vinte anos.

Se o meu texto foi um pouco rebarbativo, mesmo depois de uma reflexão e uma acalmia caritativa, imagine o efeito que as suas interrupções podem produzir em fiéis menos coriáceos do que eu.