RENATO EPIFÂNIO
Não é óbvia a razão pela qual o futebol é, à escala global, de longe o desporto mais popular – à partida, dir-se-ia que um desporto jogado com as mãos, como o andebol, teria mais potencial para isso –, mas a verdade é que é. Eu tenho uma teoria – para além de outras razões, o futebol é o desporto mais imprevisível, aquele em que mais vezes a equipa mais fraca pode vencer –, mas isso agora não importa.
Sendo o futebol à escala global de longe o desporto mais popular – seja por que razão for –, a vitória de Portugal neste Europeu de Futebol é obviamente relevante, mesmo para quem não gosta de futebol. Para mais, tendo a vitória sido conquistada em Paris – onde tantos emigrantes nossos (sobre)vivem.
Que os franceses não tenham tido a decência de ter iluminado a Torre Eiffel com as nossas cores, isso é apenas um incidente sem grande relevância. Já todos sabemos a forma sobranceira como os povos do Norte de Europa olham para Portugal e para os restantes povos do Sul. É (também) por isso que a dita “União Europeia” só poderia existir se os povos do Sul aceitassem esse complexo de superioridade dos povos do Norte (mas adiante, que esta não é a altura para falar sobre o assunto).
Com uma táctica “à grega” – Portugal ganhou em Paris mais ou menos da mesma forma como a Grécia ganhou em Lisboa em 2004 –, a selecção portuguesa ganhou (e este é o ponto que quero aqui salientar) porque foi muito mais do que uma selecção estritamente portuguesa. Sim, estou a falar do brasileiro Pepe (o grande esteio da nossa defesa), bem como de todos os restantes jogadores de ascendência africana: William, Danilo, Renato, Nani e Éder (sim, aquele que marcou o golo no prolongamento quando já ninguém o esperava).
No dia seguinte à nossa vitória nas meias-finais, com o País de Gales, vi uma reportagem televisiva em Timor-Leste. O repórter, com uma sobranceria (ou seria apenas ignorância?) sem limites, denotava alguma perplexidade pelo facto de os timorenses estarem a festejar a vitória portuguesa – “como se fosse também deles”, acentuou.
Pois bem: o que quero apenas aqui dizer é que esta vitória foi também vossa! Vossa: do povo timorense, de todos os povos africanos de língua portuguesa, do povo brasileiro, sem esquecer o povo galego e todas as demais comunidades que, pelo mundo fora, para perplexidade de alguns portugueses, falam, com orgulho, a nossa língua.
E a razão para tal é relativamente simples – suficientemente simples para qualquer repórter televisivo compreender. Sem o povo timorense, sem os povos africanos de língua portuguesa, sem o povo brasileiro, sem o povo galego e todas as demais comunidades que, pelo mundo fora, para perplexidade de alguns portugueses, falam, com orgulho, a nossa língua, Portugal há muito que já não existiria.
Se Portugal existe ainda, se a língua portuguesa tem uma existência cada vez maior à escala global, isso deve-se também a vós. Por isso, esta vitória é também vossa!