De resto, a sua teorização do Quinto Império tem óbvias ressonâncias joaquimitas, como, aliás, o próprio o assume – daí, a título de exemplo, estas suas palavras: “…Portugal e Camões perdem a vida por um mundo, sempre de futuro e nunca de passado, um mundo em que finalmente se conciliassem, se unissem num só corpo de doutrina Aristóteles e Platão: em que o ideal fosse, ao mesmo tempo, do mundo dos sentidos. O que talvez só possa vir naquele reino do Espírito Santo que Joaquim de Flora, sem humildade perante a Igreja e portanto hereticamente, cria vir a ser a terceira e última idade da História.”. Daí ainda, enfim, a este respeito, a sua tese de que o Quinto Império “apenas haverá se não existir um 5º Imperador”, mais do que isso, se não existir “império nenhum”, dado que “o Reino de Deus surgirá pela transformação interior do homem”, de cada um de nós, estando nessa medida o “Paraíso” na “alma”, “não na natureza ou na sociedade”.
A acrescentar algum nome à lista de António Quadros, acrescentaríamos, de imediato, o de Raul Leal, não tivesse sido ele, nas palavras de Pinharanda Gomes, “irmão espiritual de Joaquim de Flora” – para além de “companheiro visionário de Bandarra, ouvinte exaltado de António Vieira e confrade de Morus e Campanella” –, tendo chegado inclusivamente a imaginar-se “a encarnação de Henoch, profeta do Espírito Santo”. Finalmente, equacionaríamos ainda o nome de José Marinho, por mais problemática que seja a sua inserção na linhagem cristã – por mais que heterodoxa – de Joaquim de Flora. A sua filosofia da história parece-nos ter, porém, óbvios traços joaquimitas. Nas palavras do próprio José Marinho, com efeito, encontramo-nos actualmente no “extremo da cisão entre o homem e o Universo, entre o homem e Deus”, “na mais aguda fase de disjunção na consciência humana entre o homem-humano e o divino, entre imanência e transcendência”, ou seja, em suma, “na última fase do humanismo”. Dessa “situação de extrema separatividade” devemos ter, como nos alerta, plena consciência, nas suas palavras, a “consciência plena da crise” – daí ainda a sua referência à “hora extrema que estamos vivendo”.
Se esta é ou não a hora que anuncia a “idade do Espírito”, Marinho não nos diz. Fala-nos, no entanto, de uma “noite genesíaca”, de um “novo ciclo”, de uma “nova era”. Fala-nos, porém, de uma “nova humanidade”. Fala-nos, todavia, de uma nova religião, da “religião do Espírito”, que qualifica como a “verdadeira religião”, como a “religião da liberdade”. Fala-nos, contudo, de uma nova filosofia, de um saber outro – mais propriamente, do saber do Outro, do Enigma do Ser e não do Drama da Existência –, que designa como o “saber do Oriente”, o “pretérito saber do Oriente”, do “sábio e profundo Oriente”. Fala-nos, ainda, da “tradição remota”, da qual, alegadamente, “estão mais perto os indus e os orientais”. Diz-nos, porém, que essa tradição “mais remota” é a “sempre actual tradição”. Diz-nos, no entanto, que esse “sábio e profundo Oriente”, esse “Oriente real e simbólico de onde nos vem o sol, mal o sol que não ignora a luz e a treva”, não é um espaço mas um tempo, um “fluxo de tempo”. No “regresso ao Oriente”, virá a ser alguma vez esse “fluxo de tempo” o nosso Futuro? Fica a questão. ■
Agenda MIL – 8 de Maio, 21h30: 7ª sessão do Ciclo PASC/ NOVA ÁGUIA: Vultos da Cultura Lusófona – Manuel María, Poeta Galego (para mais informações: www.pasc.pt).