HEDUÍNO GOMES

A comemoração do Dia de Portugal em Olivença trouxe à baila o tema desta parcela de terra portuguesa ocupada por Madrid. Porque as “soluções” para o problema se apresentam “várias”, convém aqui separar as águas.

O que está em causa é simplesmente o Estado espanhol cumprir o Tratado de Viena de 1815, concretamente o seu Artigo 105º do Acto Final, devolvendo à soberania portuguesa o nosso território de Olivença. Ponto final.

Que caminho para chegar lá, no ano de 2016, com uma Europa comunitária a funcionar, com uma NATO a funcionar, com uma relação de forças militares entre os dois países desfavorável a Portugal?

A primeira medida estratégica é manter em Portugal a chama acesa. É preciso que governantes – desde os responsáveis dos negócios estrangeiros aos da educação – e portugueses em geral mantenham a consciência do problema, exigindo sempre a sua solução, e não o deixem cair no esquecimento ou como facto consumado. Para isso, devem ser tomadas iniciativas múltiplas oficiais, sem complexos, assim como por organizações patrióticas privadas, de modo a que o problema de Olivença seja sentido cada vez mais e nunca esquecido. Neste campo, é de salientar, em 1952, a recusa do Governo português em aceitar a delimitação da fronteira na zona de Olivença com que seria excluído o nosso território, assim como o magnífico trabalho que a patriótica associação Grupo dos Amigos de Olivença tem desenvolvido desde 1944.

A segunda medida estratégica é manter em Olivença a chama acesa, se bem que o direito que assiste a Portugal sobre Olivença seja independente da acção desenvolvida pelos nossos compatriotas oliventinos. Apesar das transferências forçadas de população em certos períodos da história para castelhanizar Olivença, apesar da repressão franquista sobre os oliventinos, incluindo a proibição de falarem português, essa castelhanização nunca foi totalmente conseguida.

Aliás, assistimos hoje em Olivença a um possante ressurgimento de portuguesismo, de que são exemplo as já centenas de pedidos de nacionalidade portuguesa por oliventinos, a adesão às actividades culturais de cariz português aí desenvolvidas, a aprendizagem da língua portuguesa, etc. Neste campo, é de louvar o magnífico e insubstituível trabalho que a patriótica associação cultural oliventina Além Guadiana tem desenvolvido.

A terceira medida estratégica é Portugal, enquanto aguarda uma oportunidade histórica favorável, nunca deixar de levantar o problema nos vários organismos internacionais e exigir permanentemente do Estado espanhol – ou castelhano, ou até estremenho, caso se verifique a implosão do espanhol – a sua solução, isto é, a devolução pura e simples de Olivença à soberania portuguesa, como reza o Tratado de Viena. Enquanto aguarda essa oportunidade histórica favorável, Portugal deve utilizar todas as tribunas e organismos internacionais para exigir a solução do problema, nomeadamente a NATO, a União Europeia e a ONU. Sem meias palavras nem complexos.

Oportunidade desperdiçada

Há que referir que, com a entrada da Espanha para a NATO, em 30 de Maio de 1982, Portugal, como seu fundador, poderia ter vetado a entrada da Espanha enquanto esta não retirasse de Olivença. Esta oportunidade de oiro foi desperdiçada nessa data pelo governo de Balsemão-Freitas do Amaral, sendo este último ainda por cima ministro da Defesa e André Gonçalves Pereira ministro dos Negócios Estrangeiros.

Ainda mais responsabilidades na questão têm Eanes e o Conselho da Revolução, nessa data com poderes especiais em matéria de defesa. Eanes, Balsemão e Freitas do Amaral, assim como André Gonçalves Pereira, ficarão na história de Olivença pelas piores razões.

Incúria? Complexos políticos de abrilistas? Simples incompetência? A verdade é que essa oportunidade de oiro se perdeu e Olivença continua sob o domínio de Madrid.

Estratégia capitulacionista

Tentando lavar as responsabilidades pela perda da oportunidade de oiro de 1982, Loureiro dos Santos, um dos homens de Eanes, aponta como  “a grande oportunidade”  esta delirante ideia: se os americanos, em 1944, em vez de terem desembarcado na Normandia, tivessem desembarcado em Portugal, poderíamos ter recuperado Olivença… (declaração proferida na apresentação de um livro de Paula Fitas sobre Olivença, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 28 de Fevereiro de 2008). E, nessa mesma ocasião, agora emendando o “erro” americano, Loureiro dos Santos aponta como solução actual para o problema de Olivença um estatuto especial de co-governação por Espanha e Portugal…

A estratégia da co-governação não constitui uma etapa para a governação plena de Portugal mas apenas uma acomodação de Portugal a uma falsa solução. O que significa isto, senão Portugal abdicar da soberania de Olivença, direito re-consagrado no Tratado de Viena? É claro que tal sabedoria estratégica salomónica e capitulacionista se enquadra perfeitamente nos interesses do ocupante.

Cultura portuguesa

Naturalmente que, quer pela influência cultural imposta por Madrid durante 200 anos, quer pela influência natural da proximidade com Espanha, Olivença, tal como qualquer localidade portuguesa da raia, incorporará nos seus costumes alguns traços do vizinho. Em Badajoz come-se o mesmo “jantar de grãos” do Alentejo. Mas não é isso que está em causa. O que está em causa é saber se Portugal deve abdicar da soberania “de facto” sobre Olivença a troco da aceitação por Madrid de uma certa percentagem de cultura portuguesa em Olivença…

Uma coisa é utilizar o reforço da cultura portuguesa em Olivença como meio de libertação espiritual dos oliventinos e de desenvolvimento do seu patriotismo e acção, tendo em vista também eles próprios exigirem de Espanha a retirada. Outra coisa é a estratégia da biculturalidade em si mesma, como objectivo, como solução para Olivença. Há que distinguir as duas diferentes perspectivas.

Efectivamente, a biculturalidade sempre existiu desde a ocupação de Olivença: a cultura portuguesa dos oliventinos e a cultura imposta pelo invasor espanhol de 1801. Hoje, essa biculturalidade pode até ser tacticamente invocada pelos nossos compatriotas oliventinos nas suas relações com o ocupante. Podem e devem fazê-lo sempre que tacticamente conveniente. Mas a biculturalidade nunca pode constituir em si mesma uma estratégia nacional.

A biculturalidade como estratégia nacional significaria simplesmente aumentar a dose de cultura portuguesa aceitando o statu quo. Ora, isso não constitui uma etapa para a retirada do ocupante, que é o objectivo nacional. A estratégia da biculturalidade é, no fundo, a cultura do statu quo, a ideologia da continuidade da ocupação espanhola edulcorada de laivos de cultura portuguesa. Soberania espanhola ao som do fado. A biculturalidade é a estratégia salomónica e capitulacionista de manter Olivença sob o domínio de Madrid.

Com a estratégia da biculturalidade, está-se ainda a meter na cabeça das pessoas que Olivença pode não ter de ser devolvida à soberania portuguesa, que pode continuar debaixo do domínio de Madrid desde que seja “respeitada” a cultura portuguesa através da biculturalidade…

A estratégia cultural correcta é a do reforço da cultura portuguesa, sempre na perspectiva de libertar Olivença e os oliventinos. Nunca a coexistência das duas culturas.