O mundo em piloto automático

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Como será o mundo daqui a trinta anos? A esta pergunta tenta responder um estudo do Ministério da Defesa do Reino Unido sobre as tendências globais das sociedades do século XXI. Este relatório (“Global Strategic Trends”), baseado em dados estatísticos e na análise de um grande número de especialistas consagrados, delineia as transformações previsíveis num horizonte temporal que se estende até 2045.

Não comem, não dormem, consomem menos energia, executam mais tarefas e cada vez se parecem mais com os seus criadores. São eficientes e competentes. Os robots estão aí, a trabalhar nos nossos empregos, a combater as nossas guerras. O que podemos esperar que eles alterem nas nossas vidas nos próximos 30 anos?

Robot com pele artificial
Robot com pele artificial

Dirija-se a um supermercado, ou passe numa portagem, e já terá uma imagem do futuro. É possível usufruir destes serviços sem contactar uma única vez com um ser humano graças ao uso de máquinas automáticas.

O relatório britânico indica que este processo tenderá a tornar-se cada vez mais completo. No Japão, o estudo da robótica comercial conduziu já à criação de máquinas experimentais que replicam muito fielmente não só o trabalho, mas até gestos e comportamentos humanos.

Naquele país, a robótica é considerada uma necessidade nacional, visto que a sua grave crise demográfica poderá significar que os idosos terão de ser assistidos na velhice por máquinas, razão pela qual estão a ser concebidos robots cada vez menos “robóticos” e cada vez mais humanos.

Mas desenganem-se aqueles que pensam que todas as máquinas do futuro serão parecidas com o homem – ou que sequer serão visíveis. Num supermercado experimental nos Estados Unidos, é possível entrar e sair do estabelecimento sem interagir seja com quem for e sem esperar numa única fila.

O segredo está nos chips incorporados em cada produto e no carrinho de compras: este digitaliza automaticamente cada produto que é colocado dentro dele, avisa o consumidor de quanto vai gastar e no fim desconta o montante da sua conta bancária quando ele sair da loja.

Tomar decisões

Mas o próprio conceito de loja poderá ficar obsoleto: este ano, o serviço de vendas “Amazon” anunciou o seu projecto de entregar os bens que os utilizadores compram na internet através de um sistema de “drones”, robots voadores de distribuição, eliminando por completo a necessidade de carteiros ou serviços de entregas.

Segundo o “Global Strategic Trends”, serviços de ‘telemarketing’ ou atendimento ao cliente poderão ser quase totalmente executados por computadores com capacidade de compreender a multitude de problemas com que os clientes os procuram. A agricultura e a produção industrial passarão a ser automatizadas.

Até a forma como fazemos a guerra está a mudar. Num mundo onde a morte de soldados é inaceitável em qualquer circunstância, o Ministério da Defesa Britânico considera que, no século XXI, o papel de soldado de infantaria será tomado por robots, cuja perda será sempre mais aceitável do que a de um humano.

Mas não só: o piloto de caças provavelmente será também substituído, visto que neste momento o ponto mais fraco de uma aeronave é sempre a resistência física do piloto. Sem este elemento, os aviões poderão fazer manobras muito mais bruscas e eficientes sem perigo de o seu utilizador desmaiar (ou pior).

Mas poderão as máquinas tomar decisões automáticas? Como decidirá uma máquina se deve ou não matar e destruir? A resposta ainda não é conclusiva, e os britânicos consideram que será complicado para as sociedades ocidentais aceitarem delegar nas máquinas o poder de decidir como e quando usar a violência.

No entanto, regimes políticos menos escrupulosos poderão ter menos problemas éticos neste aspecto, especialmente se se tratar de esmagar rebeliões, revoluções ou motins.

Homem e Robot Asimo
Homem e Robot estão agora cara a cara

Vem aí um novo ludismo?

Uma das consequências do desenvolvimento da capacidade dos robots será o aumento exponencial do desemprego, num cenário social em que mais e mais postos de trabalho são tomados por máquinas.

Assistimos já a uma amostra desse cenário, quando o advento dos computadores tornou obsoletas algumas profissões – a dactilografia, por exemplo. Mas a Europa tem uma longa experiência na matéria. No século XVIII, a máquina a vapor e a revolução industrial tiveram efeitos semelhantes, originando revoltas populares contra a mecanização.

Nessas revoltas destacou-se em Inglaterra o tecelão Ned Ludd, que ficou na História como destruidor compulsivo dos odiados teares mecânicos responsáveis pela dispensa de muita mão-de-obra. Ludd deu origem a um movimento (o “ludismo”), cuja repressão acabaria por contribuir para o desenvolvimento dos sindicatos profissionais na Europa.

Que reacção haverá, em pleno século XXI, às novas máquinas que vão certamente causar ainda mais desemprego? O relatório indica que os Estados vão provavelmente ter que adaptar a sua legislação de forma a reflectir a nova realidade. Já no ano passado a “New Economic Foundation” recomendou a redução dos horários de trabalho para 30 horas semanais, ou até mesmo 21, como meio de combate ao desemprego.

Haverá também Estados que tentarão certamente restringir o avanço da tecnologia, limitando as funções que cada máquina poderá ter; outros tentarão redireccionar os seus sistemas educativos para as novas profissões que a robotização da sociedade vai criar.

Desemprego jovem

Há, também, algumas boas notícias: segundo as previsões britânicas, é possível que se verifique o regresso de alguma produção industrial ao Ocidente. O infame “outsourcing” apenas é viável enquanto a mão-de-obra barata é um elemento de diferenciação, um elemento que custos de transporte elevados, bem como redes logísticas longas e falta de velocidade a responder às necessidades dos consumidores podem eliminar.

Este pode ser um processo já numa fase embrionária: tome-se por exemplo a Apple, uma gigantesca empresa norte-americana com receitas iguais ao PIB nacional, que este ano anunciou o regresso de alguma produção aos EUA, depois de um período em que recorreu à mão-de-obra chinesa.

Mesmo assim, a previsão é que as taxas de desemprego continuem elevadas, visto que muitas destas fábricas serão automatizadas, exigindo trabalhadores altamente qualificados, mas em números reduzidos.

Quanto ao desemprego jovem, é praticamente certo que aumentará ainda mais, segundo o relatório britânico. Embora pareça um paradoxo que sejam os trabalhadores mais velhos, e logo com menos apetência tecnológica, a serem mantidos, o estudo sublinha que em muitas profissões especializadas, como gestão ou relações públicas, por exemplo, a experiência e a rede de contactos contam.

O aumento da idade de reforma, em conjunto com a automatização de vários postos de trabalho ao nível de entrada de carreira, significa que os jovens vão ter cada vez mais dificuldade em aceder ao mercado de trabalho.

Como será que vão reagir?